Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA AMPLA CAMPANHA DE ESCLARECIMENTO PARA QUE TODAS AS CLASSES SOCIAIS SEJAM INFORMADAS A RESPEITO DA IMPORTANCIA DOS TRANSPLANTES DE ORGÃOS.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • NECESSIDADE DE UMA AMPLA CAMPANHA DE ESCLARECIMENTO PARA QUE TODAS AS CLASSES SOCIAIS SEJAM INFORMADAS A RESPEITO DA IMPORTANCIA DOS TRANSPLANTES DE ORGÃOS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/1999 - Página 31297
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, OPÇÃO, MAIORIA, SERVIDOR, SENADO, NEGAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, DOAÇÃO, ORGÃO HUMANO, ANALISE, ESTATISTICA, BRASIL, OPINIÃO, ORADOR, FALTA, INFORMAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.
  • DEFESA, CAMPANHA, GOVERNO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, MEDICO, IMPORTANCIA, DOAÇÃO, ORGÃO HUMANO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve, já que o Presidente, em exercício neste momento, deseja também fazer o seu pronunciamento.  

Disse Confúcio que a ignorância é a noite da mente; uma noite sem lua nem estrelas; e todos nós sabemos que o preconceito é filho da ignorância.  

Em nosso País, Senhores, em que o número de analfabetos integra a classe dos milhões, podemos imaginar que ignorância, preconceitos, crendices e superstições reinam imbatíveis. Os pensamentos, os sentimentos e, automaticamente, as ações desses compatriotas são regidos por conceitos deformados e interpretações tortuosas. Vivem como num mundo paralelo ao nosso, vendo os mesmos fenômenos físicos, mas entendendo a realidade de forma inteiramente diferente.  

Entretanto, Sr. Presidente, quando a maioria dos membros de uma comunidade, nela incluído um número significativo de portadores de diploma de nível superior, reage negativamente a um fato positivo, só podemos estar-nos defrontando com um grave problema de desinformação.  

Refiro-me, de início, ao recente cadastramento dos servidores desta Casa nos meses de junho e julho. No preenchimento da ficha, o funcionário deveria indicar se é ou não doador de órgãos; bastava assinalar sim ou não. E qual o resultado? A maioria assinalou o NÃO.  

Perguntei a servidores lotados no meu gabinete e na 2ª Secretaria quais as razões de tal decisão. As respostas são confusas, imprecisas e destituídas de fundamento. Os mais simplórios têm medo de terem suas vidas abreviadas. Alguns ouviram falar de pacientes cujos corações ainda batiam quando os aparelhos da UTI foram desligados. Outros alegam que seus órgãos não estão em condições de salvar vidas. Os de maior grau de instrução, sem terem o que argumentar, dizem que essa é a forma de reagirem à imposição da lei.  

Sr. Presidente, nobres Colegas, se aqui nesta Casa, berço da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que "dispõe sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento", essa é a reação da maioria, que dizer do restante da população?  

O Projeto de Lei nº 6, de 1995, de autoria do nobre Senador José Eduardo Dutra, e o substitutivo apresentado pelo ínclito Senador Lúcio Alcântara foram exaustivamente debatidos nas duas Casas do Congresso. A imprensa levou o tema aos mais longínquos rincões do território nacional. Os canais de TV promoveram debates e entrevistas. A doação de órgãos foi tema de conversas e discussões em colégios, igrejas, associações, nos clubes, nos bares e nas famílias.  

Senhores, se em um universo de indivíduos de razoável nível de instrução, na Capital do País, que acompanharam de perto a tramitação do projeto, a atitude é de rejeição, não se pode esperar muito do nosso povo na questão da doação de órgãos.  

Comparada com outros países, a posição do Brasil é vergonhosa. A França, que tem um terço da nossa população, fez 500 transplantes de coração em 1998; no Brasil, foram apenas 87. Na Espanha, a espera por um transplante não leva mais que 3 meses; aqui, há gente com mais de dez anos na fila - e sem esperanças de conseguir sobreviver.  

No Brasil, para cada milhão de habitantes, no máximo 3 órgãos são captados. Nos EUA, são, em média, 20 órgãos. Na Espanha, a média é de 29 órgãos, sendo que, em algumas regiões, chega-se a 40 órgãos por milhão de habitantes.  

Em São Paulo, 62% dos portadores de novas carteiras de identidade se declararam não doadores. Em alguns Estados, o percentual de rejeição foi superior a 90%.  

Muitos médicos e estudiosos do comportamento humano consideram a lei excessivamente tolerante, uma vez que mesmo aquele que se declara não-doador tem direito a receber órgãos. Para esses especialistas, a permissividade estimula a irresponsabilidade e o egoísmo, tão comuns ao ser humano. Ponderam que cada cidadão é livre para optar, mas que, qualquer que seja a opção, a recíproca deverá ser verdadeira. Essa condição, caso imposta, talvez esclareça ou desperte muitas consciências.  

Contudo, quaisquer que sejam as exigências legalmente estabelecidas, os preconceitos humanos se revelam nas mais incríveis situações. Se os prezados Senadores assistiram aos jornais televisados no dia 7 de julho passado, hão de lembrar que, na Grã-Bretanha, ocorreu a doação de dois rins, sob uma única imposição: a de que o receptor fosse um indivíduo de cor branca. Um racismo absurdo que se manifesta até na hora da morte de um ente querido.  

Entretanto, Sr. Presidente, apesar dos obstáculos criados pelo egoísmo, pela ignorância e pela desinformação, os transplantes de órgãos em nosso País cresceram 20%, comparando-se o primeiro trimestre deste ano com o mesmo período de 1988, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos - ABTO.  

A ABTO está pleiteando junto ao Ministério da Saúde que a opção de doação de órgãos passe a ser feita por telefone, diretamente ao Sistema Nacional de Transplantes. Pondera-se que os órgãos policiais, onde atualmente é tomada essa decisão, não são os locais mais apropriados. Quem sabe, a mudança desarmará os que não são doadores por não concordarem com o que consideram uma imposição da lei.  

Esses pseudo-revoltados provavelmente ignoram que cada pessoa que morre pode salvar ou melhorar a vida de pelo menos outras oito, com seu coração, fígado, rins, pâncreas, córneas e pulmões. Podem ainda ser aproveitados ossos e pele.  

É preciso desencadear uma série de campanhas de esclarecimento em todos os Estados, para que as diferentes camadas populacionais sejam informadas a respeito da importância dos transplantes, como também em relação às condições técnicas indispensáveis.  

Deve-se explicar ao nosso povo que a morte cerebral é irreversível, mas que o coração ainda pode bater, inutilmente, por vinte e quatro horas. E é justamente nesse período, entre a parada do cérebro e a do coração, que podem ser retirados os órgãos para transplantes. Desconhecendo esses fatos, enquanto houver batimentos cardíacos, os familiares não autorizarão a doação, pensando que, se o fizerem, estarão condenando o paciente à morte.  

Sr. Presidente, nobres Senadores, também a classe médica necessita de informações. Muitos desconhecem a determinação legal de que as mortes encefálicas devem ser comunicadas aos centros de transplantes. Essa desinformação é responsável pelo desperdício de muitos órgãos e tecidos que poderiam ser aproveitados e pela morte de tantos brasileiros que passam anos esperando por uma doação.  

Também na questão dos transplantes a desigualdade regional se manifesta. São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná são os Estados mais avançados nesse setor.  

No Nordeste, a situação é mais difícil; alguns centros transplantam rins, mas só em Pernambuco é possível um transplante de fígado ou de coração. Porém, a situação é muito mais crítica na Região Norte. Há plano de se criarem novos centros em Manaus e Belém, mas, por enquanto, só existe na região a possibilidade de transplante de rins, entre indivíduos vivos, em Manaus.  

Felizmente, o Estado do Tocantins já se prepara para iniciar os primeiros transplantes de rins.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dos 253 centros transplantadores cadastrados pela ABTO, somente 158 estiveram em atividade no primeiro trimestre de 1999. Nesse período, foram realizados 92 transplantes na Região Sudeste; 40, na Sul; 18, na Nordeste; 5, na Centro-Oeste e 3 na Região Norte. Cerca de 80% dos transplantes são feitos nas regiões Sul e Sudeste, onde há mais recursos e a população é mais escolarizada.  

No Rio Grande do Sul, um sistema exemplar de captação e distribuição permite a realização de maior número de transplantes múltiplos, aquele em que vários órgãos são retirados de um mesmo indivíduo com morte cerebral e aproveitados em diversos pacientes. Só nos dois primeiros meses deste ano, quinze doadores permitiram que 46 pessoas continuassem vivendo.  

Atualmente, nobres Colegas, existem 24.510 pacientes à espera de órgãos. Informo a este colendo Plenário, com muita tristeza, que, no Brasil, 70% das pessoas que necessitam de um transplante morrem na fila.  

Sr. Presidente, caros Colegas, o Brasil é um país cristão. No coração de cada brasileiro está gravado o primeiro mandamento, parte do qual recomenda que se deve amar o próximo como a si mesmo. A doação de órgãos é um ato de amor.  

É preciso, portanto, que o Governo Federal e os governos estaduais tomem a si a tarefa de esclarecer a população. A resposta não se fará esperar. Informados pelos jornais, pelo rádio e, principalmente, pelos anúncios televisivos, o povo brasileiro, sensível e amoroso, em breve reverterá essa situação, devolvendo a esperança e a alegria de viver aos nossos compatriotas, cujas vidas dependem de todos nós.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/1999 - Página 31297