Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO ARTIGO 'O MAU DE RAIZ', DE AUTORIA DA JORNALISTA DORA KRAMER, PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL, EDIÇÃO DE HOJE, QUE ABORDA A QUESTÃO DA PENA DE MORTE.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • COMENTARIOS AO ARTIGO 'O MAU DE RAIZ', DE AUTORIA DA JORNALISTA DORA KRAMER, PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL, EDIÇÃO DE HOJE, QUE ABORDA A QUESTÃO DA PENA DE MORTE.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/1999 - Página 31103
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, DORA KRAMER, JORNALISTA, ASSUNTO, PENA DE MORTE, REFERENCIA, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, AUMENTO, APROVAÇÃO.
  • INEFICACIA, PENA DE MORTE, COMBATE, CRIME.
  • DISCORDANCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, RELAÇÃO, IMPUNIDADE, CRIME, BRASIL, OPINIÃO, ORADOR, GRAVIDADE, MISERIA, FALTA, OPÇÃO, VIDA, COMPENSAÇÃO, RISCOS, CRIMINOSO.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PSB - RJ. Para uma comunicação inadiável.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer um breve comentário sobre a coluna da jornalista Dora Kramer, publicada hoje no Jornal do Brasil sob o título "Um mal de raiz", que aborda a questão da pena de morte, fazendo referência a uma pesquisa de opinião recentemente efetuada que mostrou um crescimento no percentual da opinião pública que apóia a pena de morte.  

O meu comentário, no geral, Sr. Presidente, é elogioso, eu diria até que é altamente elogioso, pois o artigo está muito bem feito. Começa dizendo: "Choca, mas não surpreende, o resultado da pesquisa do Instituto Vox Populi que mostra o crescente apoio à instituição da pena de morte como solução para a violência".  

Em seguida, a jornalista tece uma série de considerações, mostrando que, sob o ponto de vista de combate à criminalidade, a pena de morte não é, absolutamente, eficaz.  

Acaba concluindo: "Para o sentimento de vingança" - que ela diz compreensível - "que assola os atingidos direta ou indiretamente pela violência, (a pena de morte) pode ser um lenitivo. Mas, como saída para coibir a criminalidade (...) não traz resultados concretos".  

E avança com uma frase muito feliz, antológica, dizendo: "Alivia instintos, mas não resolve a situação, que é o que interessa".  

Só que, logo no parágrafo seguinte, ela introduz um comentário ao qual peço vênia para fazer um reparo. Melhor dizendo: quero manifestar uma discordância mesmo. Diz a jornalista Dora Kramer, referindo-se à pena de morte: "Introduz no ambiente social uma sensação de que ao acréscimo do rigor corresponderá o decréscimo do risco. O que é falso, pois o que mobiliza o criminoso não é a gradação da pena, mas a certeza de que ficará impune".  

Tenho uma discordância com relação a esse ponto. De fato, se o criminoso for rico – aos ricos muita coisa é concedida –, o dinheiro pode levá-lo à sensação de impunidade. Lendo um livro interessantíssimo do Dr. Varella sobre o Carandiru, deparei-me com uma frase inscrita naquela casa de detenção que diz o seguinte: "É mais fácil um camelo passar pelo bico da agulha do que um rico entrar nesta casa de detenção. Mas sendo o criminoso um rico, ele não tem a certeza da impunidade. De maneira alguma. Pelo contrário, ele tem uma perfeita avaliação dos riscos que corre em se tratando de um crime de violência, de um crime sujeito à pena de morte, de um crime, por exemplo, de morte por assalto, algo que poderia estar sujeito à pena de morte. Nesses casos, o criminoso sabe o risco que está correndo e esse risco de punição não é próximo de zero.  

A certeza que ele tem – é importante ressaltar –, sendo o criminoso um brasileiro pobre, é de que não terá nunca uma vida digna e que tem que fazer a opção entre a indignidade do crime e a indignidade da pobreza. Chance de vida digna ele não tem. Ele é um "sem-chance", para usar a expressão de um detento do Carandiru que consta do livro a que me referi.  

Nessa certeza da impossibilidade, da inviabilidade absoluta da vida digna para ele, ele faz a opção entre a indignidade do crime e a indignidade da pobreza. E muitas vezes, freqüentemente, dependendo da sua personalidade, dependendo do maior ou menor valor que dá à sua perspectiva de vida, à vida indigna que ele está condenado a levar, ele opta pelo crime. Sabendo que a punição pode vir, porque ele não tem a certeza da impunidade, muito pelo contrário, é uma opção arriscada que ele faz, mas faz na certeza de que vida digna para ele é "sem chance", como dizem os criminosos que cometem esse tipo de ação.  

Era essa a discordância que queria manifestar. É esse o único ponto em que faço reparo ao artigo da jornalista, mas fazendo questão de ressaltar a sua qualidade. É uma matéria muito bem apresentada, muito bem fundamentada, com inteligência, como costumam ser os artigos da jornalista Dora Kramer.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Com a palavra o Senador Nabor Júnior, para uma comunicação inadiável.  

V. Exª dispõe de cinco minutos.  

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC. Para uma comunicação inadiável.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existem gestos que, em sua singeleza, são exemplos de dignidade e de correção, capazes de engrandecer as regras do convívio pessoal, político e histórico dos povos.  

Nunca deixei de defender a política sem ódios nem rancores intransponíveis; creio no diálogo, na boa vontade e na generosidade, como principais ferramentas para a construção de um Brasil mais justo e voltado para o bem-estar de seus filhos. Em quase quatro décadas de vida pública, sempre tive adversários – porque a firmeza serena das atitudes que assumi, nessa caminhada, muitas vezes despertaram reações de pessoas que com elas não concordavam. Sempre acatei esse contraditório como algo saudável, positivo, capaz de ajudar-me na concretização das metas que estabeleci a partir do primeiro mandato, de Deputado Constituinte Estadual, em 1962.  

Foi assim que me conduzi, quando o Acre elegeu o então Deputado Estadual Edmundo Pinto para suceder a Flaviano Melo, nas honrosas funções de Governador do Estado. Como o candidato cuja indicação então defendi não logrou o êxito desejado, assumi, desde o primeiro momento, uma clara condição de oposicionista. Isso jamais impediu, entretanto, que meu diálogo com o novo Governador se fizesse em alto nível, respeitoso, construtivo, dentro do campo das idéias e dos princípios partidários.  

Como poucos, lamentei o trágico episódio que lhe pôs fim à vida, em circunstâncias ainda não esclarecidas. Mas, sem dúvida alguma, sofrimento maior foi o dos familiares do grande acreano – como sua viúva, D. Fátima, e seus pais, Sr. Pedro e D. Angelina Veras de Almeida.  

Nesses sete anos, transcorridos desde a morte de Edmundo Pinto, sempre cogitei de tomar a iniciativa de alguma homenagem que gravasse o seu nome na memória e no dia-a-dia do povo acreano, que ele tanto amou e ao qual dedicou seu imenso talento, sua dignidade, sua disposição construtiva. Uma homenagem que não incorresse no erro do culto à personalidade, da mitificação de atos e obras, do endeusamento que obscurece a capacidade de julgar, de destacar os acertos e de reconhecer os erros dos seres humanos.  

Foi assim que, em 21 de maio último, apresentei no Senado Federal o Projeto de Lei nº 360, de 1999, dando à estrada BR-364, no trecho que liga as capitais do Acre e de Rondônia, respectivamente Rio Branco e Porto Velho, o nome de " Rodovia Governador Edmundo Pinto ". A proposta está tendo tramitação regular: foi encaminhada, em caráter terminativo, à Comissão de Educação, onde coube ao Senador Amir Lando a tarefa de relatá-la, na forma regimental – e, em nome do povo acreano, espero que o nobre representante rondoniense apresente seu parecer na primeira reunião daquela Comissão Técnica, para que o Projeto seja encaminhado à palavra final, na Câmara dos Deputados.  

Recebi, mais tarde, uma carta do pai do saudoso ex-Governador - carta que incluirei, com destaque, em minhas mais caras e emocionadas reminiscências, quando encerrar a participação na vida pública brasileira.  

A missiva começa com a reafirmação, leal e serena, de posturas legítimas e assumidas. Diz o Sr. Pedro Veras de Almeida: " sempre estivemos em lados opostos nos embates políticos de nossa terra " – para acrescentar a grande lição que os insensatos não têm capacidade de entender e absorver: " temos em comum, no entanto, o respeito mútuo e o inabalável amor pelo Acre, esta terra que generosamente acolheu em seu seio nossos avoengos ". 

E acentua o pai do saudoso ex-Governador Edmundo Pinto, em sua missiva, que hoje trago ao conhecimento do Plenário do Senado Federal:  

"Fiquei sinceramente sensibilizado, como pai e como cidadão, com a sua iniciativa de apresentar Projeto de Lei dando o nome de "Rodovia Governador Edmundo Pinto" à principal via de ligação do Acre com o Centro-Sul do país e demais estados federados. Rodovia que, aliás, em breve conectará o Brasil, através do Acre, com nossos irmãos andinos, abrindo perspectivas inimagináveis de progresso para a Amazônia Ocidental, obra, aliás, inaugurada em sua gestão ". 

O Sr. Pedro de Almeida faz valer, na carta que me enviou, sua dupla condição, de cidadão e de pai: " o sentimento do povo acreano, desde aqueles trágicos acontecimentos que tiraram a vida de meu primogênito, poderá ser considerado e reconhecido, aprovando os Senhores Senadores o mencionado Projeto de Lei, de feliz iniciativa de Vossa Excelência ". 

Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, rogo à Mesa que a missiva a mim endereçada pelo Sr. Pedro Veras de Almeida seja transcrita e publicada como parte integrante deste pronunciamento. É um documento que deve ser eternizado nos Anais por seu valor humano, social e de cidadania, prova de que a política pode e deve ser feita em termos elevados e respeitosos, com os adversários tratando-se como oponentes, não como inimigos odiados, que devem ser destruídos a qualquer custo.  

Continuo acreditando neste tipo de política!  

E, se não abandono a luta diuturna, é por não perder a esperança de que nela encontrarei, mesmo na condição de adversários, homens do porte de Edmundo Pinto e seu pai, cujas palavras generosamente firmes mostram a fonte onde o ex-Governador foi buscar a limpidez de caráter, a firmeza de atitudes e a grandeza que eram suas marcas, na condução do diálogo elevado e transparente.  

Tais qualidades podem ter-lhe custado a vida, mas garantem a presença de sua memória no panteão dos grandes nomes da história do Acre e do Brasil.  

Muito obrigado.  

 

Y X


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/1999 - Página 31103