Pronunciamento de Carlos Patrocínio em 22/11/1999
Discurso no Senado Federal
CRITICAS AS POLITICAS PROTECIONISTAS ADOTADAS PELOS PAISES DESENVOLVIDOS EM DETRIMENTO AS EXPORTAÇÕES DE PRODUTOS AGROPECUARIOS E AGROINDUSTRIAIS BRASILEIROS.
- Autor
- Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
- Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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COMERCIO EXTERIOR.:
- CRITICAS AS POLITICAS PROTECIONISTAS ADOTADAS PELOS PAISES DESENVOLVIDOS EM DETRIMENTO AS EXPORTAÇÕES DE PRODUTOS AGROPECUARIOS E AGROINDUSTRIAIS BRASILEIROS.
- Aparteantes
- Gilberto Mestrinho.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/11/1999 - Página 31344
- Assunto
- Outros > COMERCIO EXTERIOR.
- Indexação
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- CRITICA, FALTA, IGUALDADE, NATUREZA JURIDICA, ETICA, COMERCIO EXTERIOR, PROTESTO, ATUAÇÃO, PAIS, PRIMEIRO MUNDO, LOBBY, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, PROTECIONISMO, EXPORTAÇÃO, TERCEIRO MUNDO.
- ANALISE, PROBLEMA, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, BRASIL, INJUSTIÇA, CONCORRENCIA DESLEAL, SUBSIDIOS, PRODUTO, PRIMEIRO MUNDO, COMENTARIO, PROTECIONISMO, LARANJA, SOJA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
- NECESSIDADE, ATUAÇÃO, ITAMARATI (MRE), ALTERAÇÃO, REGULAMENTO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), LIMITAÇÃO, SUBSIDIOS, IGUALDADE, RESTRIÇÃO, ALFANDEGA, EXPECTATIVA, PROXIMIDADE, REUNIÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL.
O SR. CARLOS PATRCÍNIO
(PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sr as
e Srs. Senadores, o basilar princípio ético-jurídico da igualdade não chegou ainda ao âmbito das relações do comércio internacional, pois a triste realidade é que os poderosos do mundo são tão rápidos em postular a abertura dos mercados dos países emergentes aos bens que produzem, quanto o são em erguer barreiras à penetração de produtos vindos desses mesmos países.
A pregação em defesa de um comércio internacional sem barreiras é sempre enfática. O discurso de condenação aos subsídios e às práticas protecionistas é sempre eloqüente... Isso, quando se trata de criticar as políticas dos países em desenvolvimento. Que não se questione, porém, como eles conduzem seus próprios interesses, pois, nesse caso, fica evidente que o ídolo tem pés de barro e que o telhado é frágil demais para que fiquem jogando pedras sobre os dos vizinhos.
Os produtos agrícolas brasileiros têm uma experiência amarga nesse particular, pois há décadas enfrentam esse jogo desleal, que mina seus esforços para contribuir de forma cada vez mais significativa para a melhora da balança de pagamentos do País.
A extensão desses prejuízos decorre não apenas da dificuldade que os produtos brasileiros encontram para penetrar nos países que praticam os subsídios. O problema é muito mais sério, já que o favorecimento dos produtores nos países ricos acaba acarretando depreciação das commodities no mercado internacional como um todo. Desse modo, fica artificial e injustamente reduzida a competitividade dos empresários rurais estabelecidos nos países que são grandes exportadores de produtos agrícolas, tal como o Brasil. A conseqüência final são os monumentais prejuízos financeiros, suportados exatamente por aquelas nações que não poderiam suportá-los, e o alargamento progressivo do fosso que separa os países industrializados dos países em desenvolvimento.
Sr. Presidente, Srª s e Srs. Senadores, essa situação deve ser objeto de especial preocupação por parte da diplomacia brasileira, justificando-se uma postura firme no enfrentamento da questão. Com efeito, a solução haverá de passar, necessariamente, pela alteração das regras vigentes no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, haja vista que os Estados Unidos e grande parte dos países da Europa conseguem justificar seus subsídios escudando-se em tópicos do próprio regulamento da OMC.
O que ocorre é que esses países se valem de instrumentos admitidos como legítimos nas práticas de comércio internacional, porém fazem uso deles de forma abusiva, assim permitindo que produtores pouco competitivos influenciem na formação de preços. O vice-presidente de assuntos internacionais da Confederação Nacional da Agricultura – CNA verbaliza seu inconformismo afirmando: "Não temos dúvida de que se trata de um assunto escancaradamente escandaloso".
Um dos melhores e mais notórios exemplos dos subsídios praticados pelos países ricos é o relativo ao suco de laranja. Os plantadores brasileiros conseguem produzir uma tonelada de suco por US$1,000.00. Todavia, ao desembarcar o produto no mercado americano, sobre ele é aplicada, automaticamente, uma sobretaxa de US$430.00 por tonelada, exatamente a diferença de custo dos produtores americanos. Com este estímulo, a atividade torna-se tão lucrativa que, atualmente, 30% das empresas processadoras de laranja nos Estados Unidos Estados Unidos são constituídas por brasileiros. São empresários que, em vista da flagrante desigualdade de condições para competir pela via da exportação, resolveram estabelecer-se no grande mercado consumidor. Para eles, talvez seja uma solução; para a economia nacional, porém, é mais um golpe.
Prática protecionista bastante similar a esta beneficia o chamado complexo soja - grãos, farinha e óleo. É que um agricultor nos Estados Unidos não consegue produzir um bushel - medida equivalente a cerca de 33 quilos - por menos de US$5,20. No Brasil, o custo de produção é igual ao preço da commodity no mercado mundial, US$4,20 por bushel. A diferença de US$1,00 entre custo de produção e valor de mercado é reembolsada ao produtor americano pelo governo. Assim, embora seja menos competitivo, o agricultor americano participa com poder de barganha idêntico ao do brasileiro nas transações internacionais do complexo soja.
O custo para o Tesouro norte-americano para esse subsídio ascende, somente no corrente ano, à astronômica quantia de US$4,9 bilhões, segundo os agricultores brasileiros. Mas, apesar do impressionante volume do subsídio, trata-se de procedimento devidamente justificado perante a Organização Mundial do Comércio. Para a OMC, esse tipo de política é enquadrada como "prática de apoio interno", sob a interpretação de que constituiria uma forma de evitar as falências generalizadas no setor. Nossa Confederação Nacional da Agricultura, contudo, rebela-se contra o que classifica como "uma distorção gritante numa relação comercial", e afirma que é chegada a hora de "desmascarar o tamanho do apoio interno".
O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Permite-me V. Exª um aparte, ilustre Senador Carlos Patrocínio?
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Concedo, com muita honra, um aparte ao eminente Senador Gilberto Mestrinho, que certamente é um dos estudiosos desta matéria.
O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Nobre Senador Carlos Patrocínio, V. Exª está abordando um problema que, a cada dia, preocupa mais os Países em desenvolvimento: o tratamento dado às suas exportações. A questão dos subsídios é combatida aqui no Brasil. Na Europa, a estrutura agrícola se baseia no subsídio dado na França. Os produtos franceses recebem mais de 67% do seu valor em subsídios. Os subsídios na Europa são uma forma de conter as populações na zona rural. O Governo paga alto para não acontecer na Europa o que vem acontecendo no Brasil: a favelização das periferias das cidades, com a expulsão do homem do campo, pelas razões que V. Exª está apontando. As commodities perderam, nestes últimos anos, mais de 30% do seu valor no mercado. Então, foram adotados os subsídios, provocando a reação da Comunidade Econômica Européia contra a reunião do milênio em Seattle. Ali, será discutida a questão dos subsídios, que eles não querem discutir e contam até com o Japão como aliado, que também não quer discutir porque subsidia em somas extraordinárias a produção do arroz do próprio Japão. Então, o Brasil tem seguido um credo a favor deles e não tem enfrentado o problema como deve fazê-lo. Devemos olhar a nossa produção agrícola, não só pelo seu valor e potencialidade fantástica na produção de grãos de um modo geral. Poderíamos estar numa situação extraordinária, em termos de biomassa, com a produção não só de álcool, mas também de cana, para que seja utilizada na sua totalidade, com resultados muito bons para o Brasil por ser uma atividade que gera muita mão-de-obra num país de desempregados. Essa é uma atividade desestimulada porque satisfaz exatamente aqueles grupos que não querem o desenvolvimento da agricultura brasileira pois não desejam concorrentes no mercado. Quanto ao caso do suco de laranja, que V. Exª citou, é claro que poderíamos ter uma situação excepcional no mercado, mas nossa produção de laranja está passando por grandes dificuldades. O Estado de São Paulo, que é o grande produtor, é a Califórnia paulista, está agora passando por dificuldades em face dessa posição de alta taxação do produto brasileiro. Precisamos tomar uma atitude ativa na reunião de Seattle, mostrando a desigualdade e que o volume das nossas exportações não paga os juros da dívida externa. O crescimento dessa dívida externa é uma coisa fantástica e quase impagável. Os países desenvolvidos adotam a política de rolagem para criarem sempre a dependência e nos deixar com a faca em cima da cabeça. É preciso que seja o assunto abordado, como V. Exª está fazendo. Ou a agricultura brasileira toma uma programação diferente da que vem sendo dada, com muito esforço, com sacrifício do homem rural, muitas vezes incompreendido, ou a situação do País vai ficar pior. A produção de grãos e de produtos agrícolas, de um modo geral, não serve apenas para a exportação; mas para a alimentação interna também. Se não criarmos mecanismos de desenvolvimento, vamos passar por um problema sério em um futuro muito próximo. Muito obrigado pelo aparte e felicito V. Exª pelo discurso.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) - Eminente Senador Gilberto Mestrinho, sou eu quem agradece essa participação magnífica de V. Exª no meu modesto pronunciamento. A propósito exatamente dessa rodada do milênio da OMC, que será realizada no fim deste mês de novembro em Seattle, nos Estados Unidos, faço este pronunciamento. É uma oportunidade ímpar para que o Brasil, ao lado de outras nações em desenvolvimento, sobretudo as do Cone Sul, como as integrantes do Mercosul, possam valer as suas posições.
O Presidente foi à Itália tratar de assuntos de interesse do Brasil. Não sei se tratou dessas questões. Entretanto, V. Exª sabe muito bem que estão querendo condicionar até a soberania da Amazônia, ou seja, estão querendo retirar a soberania da Amazônia nessa reunião da Organização Mundial do Comércio, denominada a Rodada do Milênio.
Essa é a preocupação que nos move e nos traz a este plenário, justamente para alertar aos ilustres Pares que a globalização é inevitável. Temos de nos unir e fazer algumas imposições, conforme ouvi o Presidente dizer, de maneira clara; o capital tem de sofrer algumas restrições, sujeitar-se a algumas regras. Também queremos diminuir as barreiras alfandegárias, sanitárias e tarifárias, para que possamos competir, pelo menos em condições de igualdade, com os países desenvolvidos. O Brasil, felizmente, já foi chamado para sentar-se à mesa dos ricos, como o fez o Presidente Fernando Henrique Cardoso nesse final de semana.
Sr. Presidente, mecanismo semelhante ao usado pelo governo norte-americano em favor dos plantadores de soja daquele País é empregado pela França no mercado mundial de frango abatido, com a diferença que, nesse caso, o subsídio beneficia a exportação. Nos Estados Unidos, beneficia o produtor. Os avicultores brasileiros conseguem colocar uma tonelada de carne de frango no mercado egípcio ao preço de US$1,1 mil. Os franceses conseguem praticar preço idêntico. Curiosamente, no entanto, essa quantidade de carne de frango é produzida na França por US$1.400. Que a "mágica" que permite aos avicultores franceses venderem seus frangos por um preço inferior ao custo de produção? É muito simples: a diferença é financiada pelo Governo Francês, que paga US$300 por tonelada para o exportador. Mais uma vez, o produtor menos competitivo participa do mercado em condições artificialmente iguais. Assim falou o Senador Gilberto Mestrinho, ou seja, para que não se favelizem os grandes centros e não haja taxa crescente de desemprego, o Governo Francês custeia isso.
Mas, se o Governo Francês opta pelo subsídio apenas à exportação realizada por seus avicultores, outros governos europeus preferem – tal como o Governo Norte-Americano, no caso da soja, e o Francês – dar apoio direto ao produtor. Na agropecuária, cada vaca leiteira representa um crédito de US$263 por ano para o seu dono. No caso do boi gordo, o subsídio é US$180 por cabeça abatida. No plantio de soja, a ajuda atinge a US$103 anuais por hectare. Todos esses subsídios são também enquadrados como "medidas de apoio interno", admitidas como legítimas pelo Organização Mundial do Comércio.
O empenho dos agropecuaristas brasileiros é no sentido de que as regras sejam alteradas ou, pelo menos, limites sejam colocados para as infames "medidas de apoio interno". Nesse sentido, foi com júbilo que receberam a garantia do Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, de apoio do Governo às suas sugestões. Preocupados, no entanto, em reforçar ao máximo a sua posição, trataram de realizar, no mês de agosto próximo passado, uma reunião com representantes de outros quinze países também prejudicados pelas normas atualmente vigentes. Na oportunidade, elaborou-se um documento conjunto, expressando a contrariedade dos signatários com a situação atual. Sabem nossos produtores rurais que a batalha em que estão engajados será extremamente árdua.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inúmeras são as barreiras enfrentadas por nossos produtos agropecuários e agroindustriais para ingressarem em países do mundo inteiro. A título meramente exemplicativo, podemos citar a tarifa de 67% imposta pela China às exportações de café solúvel e a elevada proteção interna concedida aos produtos de açúcar de milho nos Estados Unidos e aos de açúcar de beterraba na União Européia. Aqui mesmo, no interior do Mercado Comum de que façamos parte, nosso açúcar enfrenta barreiras: a Argentina impõe tarifa de 26% às nossas exportações. Nossas frutas, produtos com enorme potencial de venda no mercado externo, encontram dificuldades injustificadas para obterem a necessária certificação sanitária. Nos Estados Unidos, o óleo de soja sofre violenta discriminação tarifária em relação aos demais óleos: enquanto para estes a tarifa é de 7%, para aqueles é de 21%. Isso, como se não bastassem as descomunais medidas de apoio interno aos produtores locais de soja antes mencionadas. Também nos Estados Unidos, as importações de calçado brasileiro estão sujeitas a tarifas médias de 9%, enquanto os sapatos vindos da China, país que sequer integra a OMC, até o presente, são favorecidos por tarifa zero.
Enfim, se quiséssemos fazer um rol minimamente abrangente dos ônus que incidem sobre as exportações de produtos agroindustriais brasileiras, precisaríamos ocupar esta tribuna por um tempo bastante prolongado. Fazer essa listagem exaustiva não é, contudo, nosso propósito. O que desejamos, isto sim, é deixar, mais uma vez, o alerta a todos os Srs. Senadores: a situação de nossa balança comercial, tão delicada no momento presente, não recebe, nem de longe, a contribuição que poderia receber da produção agrícola brasileira em função dos subsídios praticados e das barreiras tarifárias e sanitárias impostas por muitos de nossos parceiros comerciais, principalmente os Estados Unidos da América e os países da União Européia.
Trata-se de uma grave injustiça, profundamente lesiva aos interesses nacionais. É chegada a hora de se fazer valer, no âmbito das relações de comércio internacional, regras mais justas e mais consentâneas com o sagrado princípio da igualdade.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.