Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANALISE FEITA PELA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS AO CRESCIMENTO DEMOGRAFICO MUNDIAL E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O AGRAVAMENTO DA MA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANALISE FEITA PELA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS AO CRESCIMENTO DEMOGRAFICO MUNDIAL E SUAS CONSEQUENCIAS PARA O AGRAVAMENTO DA MA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/1999 - Página 25674
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CONTINUAÇÃO, ALTERAÇÃO, SOCIEDADES, AMBITO INTERNACIONAL, CRESCIMENTO, APERFEIÇOAMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, DESTRUIÇÃO, RECURSOS NATURAIS, MOTIVO, EXCESSO, EXPLORAÇÃO.
  • COMENTARIO, CONCLUSÃO, ANALISE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), EFEITO, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, AMERICA LATINA.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, SISTEMA, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, OBJETIVO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, CONCORRENCIA, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB-MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no início da década de setenta, o então Presidente da França, Valéry Giscard d'Estaing, abriu sua primeira conferência sobre a situação mundial com as seguintes palavras: "O mundo está infeliz. E está infeliz por não saber para onde vai. E também porque adivinha que se o soubesse descobriria que marcha para a catástrofe".  

Essas palavras, ditas por um Chefe de Estado da envergadura do Presidente da França e relacionadas ao mundo, não traduzem apenas uma pessimista visão individual, soam também escabrosas pela característica de abrangência que possuem.  

Na perspectiva da época, que, aliás, não mudou muito em relação ao tempo presente, o problema alojava-se na previsão de esgotamento da era do crescimento contínuo, que alimentava exponencialmente o desejo de consumo. A sensação era de que, de repente, a natureza parecia erguer barreiras, os recursos naturais se desvendavam finitos e a demanda de partilha dos bens existentes, naturais ou produzidos, crescia a passos largos.  

O mundo, então, fechava-se. O desenvolvido, para conservar o seu sistema, recorria à sua superioridade técnica, barrando o caminho dos outros e mantendo o mundo periférico a distância. Este, por sua vez, sob uma pressão sem trégua, transformava-se em bloco alimentado pela suspeita e pelo desejo de vingança.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, da observação do Presidente da França para o tempo presente, mudanças profundas aconteceram, especialmente no campo do aperfeiçoamento tecnológico e dos instrumentos criados a partir desse aperfeiçoamento. Pouco mudou, no entanto, no que se refere aos aspectos diretamente voltados para a segurança na construção daquilo que se chama de felicidade. As sociedades parecem ver seus horizontes mais sob matizes crepusculares do que à luz de promissor alvorecer.  

Há um sensível grau de disseminado pessimismo, hoje, unido ao medo, medo criado pela indigência de muitos, exacerbada pelo conhecimento da enorme riqueza de poucos, medo que vem aprofundando a desconfiança.  

Na imprensa, neste final de setembro, comenta-se a gravidade das perspectivas diante das afirmações extraídas dos recentes relatórios divulgados por instituições internacionais que estudam e se ocupam do desenvolvimento das nações.  

A Organização das Nações Unidas analisou dados relacionados ao crescimento demográfico e indicadores de natalidade e mortalidade e chegou à conclusão de que, no próximo mês de outubro, a terra atingirá o número de 6 bilhões de habitantes. A criança que completar essa cifra nascerá com uma perspectiva de 62 anos de vida.  

Uma constatação que decorre do relatório diz respeito às diferentes situações que viverão os países desenvolvidos e os países pobres, nos primeiros anos do próximo milênio: enquanto aqueles ficarão estáveis, com uma população de aproximadamente 1 bilhão de habitantes, estes passarão dos atuais 4 bilhões e 800 milhões para 8 bilhões de pessoas. No ano 2050, a população da África será três vezes maior que a da Europa. Nos anos sessenta, a população deste continente era o dobro dos habitantes da África, nesse mesmo período.  

A projeção dos dados pode assustar, especialmente se confrontada com a situação atual no que se refere à oferta de postos de trabalho nos países em desenvolvimento, tema, aliás, que vem desafiando as sociedades e os governos nos últimos tempos.  

De acordo com estudo da Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado "Trabalho digno e proteção para todos: prioridade das Américas", o desemprego na América Latina e no Caribe vem aumentando rapidamente e, neste ano, deverá atingir 9,5% da força de trabalho da região. O estudo foi preparado para a décima quarta reunião regional dos países membros da OIT, que se realizou de 24 a 27 de agosto próximo passado, no Peru.  

A conclusão do estudo é a de que "o panorama de 1999 não é promissor". A estimativa é de que o crescimento econômico da América Latina e do Caribe irá de zero a 1 % negativo. Essa constatação, aliada ao fraco dinamismo da economia mundial, à deterioração das condições do comércio e à crise brasileira, dificultará ainda mais o desenvolvimento da região.  

As taxas atuais do desemprego têm os índices mais altos dos níveis registrados nos anos oitenta. Apesar das reformas feitas pelos governos, que reduziram a inflação e atraíram investimentos para grande parte da América Latina, o desemprego cresceu, crescendo com ele a insegurança no trabalho. Segundo a OIT, "o crescimento econômico e a estabilidade dos preços não se traduziram em melhora significativa na questão do emprego e dos salários".  

Paralelamente à diminuição do emprego no setor moderno da economia, aumentaram os postos de trabalho no setor informal, no qual os salários, a produtividade e os níveis de proteção social são mais baixos ou inexistentes, constituindo-se o que os economistas chamam de trabalho precário. Dos empregos surgidos em 1998, no Brasil, 4,6% foram do setor informal.  

Segundo o estudo da OIT, no Brasil, Argentina, México, Uruguai e Venezuela, o recente processo de privatização aumentou o desemprego, o setor informal e a insegurança trabalhista. A privatização praticada em quase todos os países da América Latina teve importantes conseqüências na estrutura e na qualidade do emprego, com a queda do percentual de participação do setor público de 15,5%, em 1990, para 12,9% em 1998. Porém, o vazio deixado pelo afastamento do Estado não foi ocupado pelas modernas empresas privadas, as quais diminuíram sua participação no emprego total de 32%, em 1990, para 28%, em 1998, sendo responsáveis por apenas 11 de cada 100 novos postos de trabalho.  

Convém também ressaltar que, ainda de acordo com o estudo da OIT, países cujo processo de privatização foi mais longo, como ocorreu no Chile, Bolívia e Costa Rica, as experiências foram bem-sucedidas, com resultados positivos para o mercado de trabalho, expressos na diminuição do desemprego, melhoria dos salários, crescimento da produtividade e mercado informal sem mudanças significativas.  

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não sou adepto de visões apocalípticas, por julgá-las improdutivas. Acredito, sim, na capacidade da reação produtiva dos povos diante dos desafios e dos problemas. Também não acredito na eficácia dos ataques contra a globalização, seja porque é benéfica em termos da universalização e da instantaneidade da informação e do conhecimento, seja porque condená-la e combater contra moinhos de vento, pois trata-se de um processo irreversível.  

Algo semelhante deve ser afirmado em relação ao desaparecimento de muitos postos de trabalho. É constrangedor presenciar e sentir os efeitos do desemprego sobre milhares de famílias. Mas é de pequeno horizonte apenas lastimar, pois os postos de trabalho que deixam de existir são postos que simplesmente perdem sua utilidade e sentido no mundo moderno. É por essa razão que a estratégia não é a de lutar para manter o trabalho que perdeu sentido, mas a de requalificar de forma planejada a mão-de-obra, mudando critérios e perfis da qualificação profissional, visando à recolocação da força produtiva no mercado de trabalho.  

Recentemente, a imprensa de Brasília noticiou a existência de 204 mil pessoas à procura de emprego em nossa capital. Desse total, porém, aproximadamente 45 % não cursou sequer o ensino fundamental; cerca de 13 mil e 500 estão cursando ou terminaram um curso universitário; ao redor de 44 mil terminaram o ensino médio. De todos eles, porém, poucos possuem qualificação para satisfazer às necessidades do mercado de trabalho.  

Não há solução imediata, com durabilidade no tempo, para uma situação assim. Só um projeto de nação, obviamente de médio e longo prazo, para abrir horizontes. A própria OIT, no já referido estudo, preconiza a criação de novos sistemas de formação profissional, para melhorar a produtividade e a competitividade e a modernização do setor informal, visando à aplicação das normas trabalhistas para proteção da mão-de-obra engajada em atividades produtivas sem carteira assinada.  

Está fora de dúvida, Sr. Presidente, Sªs. e Srs. Senadores, que o profissional do futuro, e isso já está acontecendo, deve ter como característica a flexibilidade, no sentido da criatividade e da disposição para aprender sempre. O que conta para o profissional do novo milênio é a qualificação e a capacidade de aprender e de adaptar-se.  

Eis o desafio do nosso País: investir na qualificação de sua mão-de-obra. A construção da felicidade está ligada à consciência da realidade que se impõe e à disposição individual e coletiva de enfrentá-la com decisão e competência.  

Para além das agruras, das paixões e tragédias de nossos dias, quem se recusará a crer, quem renunciará à esperança de emergir para uma realidade nova, mais feliz?  

A espécie humana tem sido muito bem-sucedida diante das adversidades que ameaçam sua longevidade, mas persistem graves desigualdades entre os povos e dentro de uma mesma nação. No entanto, nunca como no presente o ser humano dispôs de instrumentos tão eficazes para lutar por uma vida melhor.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/1999 - Página 25674