Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 23/11/1999
Discurso no Senado Federal
COMEMORAÇÃO DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA. ANALISE DA EXTINÇÃO DO PROGRAMA BOLSA-ESCOLA NO DISTRITO FEDERAL.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SOCIAL.:
- COMEMORAÇÃO DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA. ANALISE DA EXTINÇÃO DO PROGRAMA BOLSA-ESCOLA NO DISTRITO FEDERAL.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/11/1999 - Página 31457
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
-
- DESAPROVAÇÃO, DECISÃO, JOAQUIM RORIZ, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), EXTINÇÃO, PROGRAMA, AUXILIO, FAMILIA, MANUTENÇÃO, CRIANÇA, ESCOLA PUBLICA, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, CAMPANHA ELEITORAL, AMPLIAÇÃO, ACESSO.
- CRITICA, JUSTIFICAÇÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), SUBSTITUIÇÃO, PROGRAMA, AUXILIO, EDUCAÇÃO.
- REGISTRO, ANALISE, COMISSÃO MISTA, COMBATE, POBREZA, PROPOSTA, AMPLIAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO.
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, LENA LAVINAS, ECONOMISTA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ANALISE, QUALIDADE, RESULTADO, PROGRAMA, AUXILIO, RENDA MINIMA, FAMILIA, MANUTENÇÃO, CRIANÇA, ESCOLA PUBLICA, CRITICA, DECISÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), EXTINÇÃO.
O SR. EDUARDO SUPLICY
(Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Senador Nabor Júnior. Srs. Senadores, Srªs. Senadoras, quero aproveitar a oportunidade em que se comemora o 40º aniversário da Declaração Universal dos Direitos da Criança para me referir à decisão do Governador Joaquim Roriz que já foi objeto da análise do Senador Tião Viana, da Senadora Emilia Fernandes e também, ontem, de pronunciamento incisivo, enfático e brilhante de nossa Líder, a Senadora Marina Silva.
Trata-se de uma decisão que merece ser estudada em profundidade, mas, sobretudo, de uma decisão que não pode merecer senão a reprovação daqueles que estudaram em profundidade a questão da Bolsa-Escola, dos programas de renda mínima associados à educação e, sobretudo, dos seus importantes efeitos para os direitos da criança, os direitos do ser humano.
A Srª Eurides Brito, em diversas entrevistas à imprensa nesses últimos dias, procurou justificar a extinção da Bolsa-Escola, assim como o faz, hoje, em artigo na Folha de S. Paulo , o Governador Joaquim Roriz - negando aquilo que, efetivamente, estão fazendo.
Negam que tenham extinto o Programa Bolsa-Escola quando, na verdade, estão tentando terminar com ele, contrariando a promessa feita em campanha pelo candidato Joaquim Roriz de duplicar o número de beneficiários do Bolsa-Escola, de maneira a estendê-lo a todas as famílias do Distrito Federal cuja renda não alcançasse meio salário mínimo per capita e tivesse crianças de até 14 anos - essas famílias passariam a ter o direito de receber o equivalente a um salário mínimo mensal.
Esperava-se que o novo governo fosse ampliar o Projeto Bolsa-Escola, que fosse aperfeiçoá-lo. Esperava-se que o novo governo, após estudos como os que foram realizados pelos economistas João Sabóia, Lena Lavinas, Ricardo Varsano e tantos outros e à luz das experiências de outros municípios que adotaram projetos de renda mínima, fosse aperfeiçoar o programa que já estava em vigor.
O que se verifica, no entanto, é a substituição do Projeto Bolsa-Escola pelo Programa "Sucesso no Aprender". De acordo com a sistemática do novo programa, em vez de se prover as famílias com uma renda monetária, vai-se promover a distribuição de uma mochila com material didático, uniforme, incluindo sapatos e meias, para que as crianças tenham condições de freqüentar a escola, prover um atendimento médico-odontológico, para que as crianças possam aprender a cuidar melhor dos dentes, condenando-se, segundo a avaliação da Srª Eurides Brito e do Governador Joaquim Roriz, o procedimento de se estar provendo recursos a cada família. É como se a Srª Eurides Brito e o Governador Joaquim Roriz não estivessem confiando na possibilidade de escolha, na liberdade de critério dos pais a respeito de como utilizarem aqueles recursos da Bolsa-Escola, do Programa de Garantia de Renda Mínima, alegando que as pessoas poderiam gastar com outras coisas, como por exemplo, pagar prestações de um aparelho de televisão, consertar uma porta ou uma janela que quebrou, ou, ainda, o pai ou mãe comprar bebidas alcóolicas.
No entanto, se fizermos um estudo aprofundado das despesas das famílias que têm direito de receber e recebem a Bolsa-Escola ou aquele salário-mínimo, o que vai se verificar é que os pais normalmente destinam aqueles recursos para aquilo que mais tem sido necessário nas suas residências, sobretudo para as próprias crianças: a alimentação. Normalmente, 50% dos gastos realizados com aquele salário-mínimo proveniente da Bolsa-Escola é destinado à compra de alimentos, por ser algo fundamental.
Será, então, que a Bolsa-Escola estaria criando problemas para os moradores de Brasília? A jornalista Sandra Brasil, na sua reportagem da revista Veja, nesta semana, mencionou uma observação da Srª Eurides Brito, há mais tempo, antes de ser Secretária da Educação, quando se preocupava com o fato de no grupo de amigas de Brasília haver dificuldade de encontrar passadeiras.
Conforme assinalou, ontem, a Senadora Marina Silva, um dos efeitos de instituirmos programas como o da Bolsa-Escola, o de Garantia de Renda Mínima, programas de renda, de cidadania, é fazer com que os adultos estejam em condições de poder escolher entre os diversos tipos de trabalho que lhe são oferecidos. Portanto, se a remuneração que as senhoras da sociedade de Brasília estão oferecendo para as passadeiras não é atraente, e, em função da Bolsa-Escola, as mães passarem a ter maior poder de barganha, maior grau de escolha, isso deve ser visto como um efeito positivo e jamais como algo que possa condenar o Programa Bolsa-Escola.
Sr. Presidente, falo isso tendo em vista a importante decisão que terá que tomar a Comissão Mista de Combate à Pobreza, amanhã, ao analisar o parecer do Deputado Roberto Brant e as proposições que estão sendo colocadas no sentido de erradicar a pobreza no Brasil. E uma das proposições que estamos colocando é justamente no sentido de se aperfeiçoar o Programa de Garantia de Renda Mínima associado à educação, hoje sob a responsabilidade do Ministério da Educação, segundo a Lei nº 9.533, em vigor desde 10 de dezembro de 1997, que autoriza o Poder Executivo, ou a União, a financiar em 50% os gastos dos Municípios que adotam programas de renda mínima, como é o Programa Bolsa-Escola, associados a ações socioeconômicas.
No entanto, no formato dessa lei, a definição do benefício é bastante restrita, mais restrita do que o Programa Bolsa-Escola, pois ao contrário de se prover um salário-mínimo por família, o benefício é calculado multiplicando-se R$15 pelo número de crianças até 14 anos, menos metade da renda familiar per capita . A proposta que estamos sugerindo, e que foi objeto da aprovação do Senado Federal há duas semanas, por meio do parecer do Senador Ney Suassuna, refere-se justamente à criação de um benefício que seria calculado levando-se em conta uma proporção da ordem de 40% da diferença entre o número de pessoas naquela família multiplicado pelo valor de meio salário-mínimo, menos a renda familiar, podendo o Executivo alterar aquela alíquota para mais ou para menos de maneira a adaptá-la à restrição orçamentária vigente e, inclusive, analisá-la, eventualmente modificando-a, conforme a experiência do programa.
Estamos recomendando que a Comissão, examinando todas as experiências da Bolsa-Escola e do Programa de Garantia de Renda Mínima, e examinando a importância de sempre se estar estimulando o trabalho, garantindo a cada família uma renda mínima como um direito à cidadania, proponha uma fórmula que poderá, inclusive, ser objeto da atenção do Governo do Distrito Federal.
Gostaríamos de assinalar que uma das economistas do IPEA que melhor analisou esse assunto, tendo feito uma pesquisa de profundidade, Lena Lavinas, em seu artigo "O intolerável reconhecimento do sucesso", coloca de maneira muito clara como foi inadequada a decisão do Distrito Federal ao cortar o Bolsa-Escola. Diz Lena Lavinas:
"A mídia nacional divulgou o fim da Bolsa-Escola, iniciativa pioneira não tanto por ter sido a primeira experiência do gênero - distinção que cabe a Campinas -, mas por ter, no seu desenho, verdadeiramente inovado em matéria de programa social no Brasil, com extensa cobertura do público-alvo, pois as 25 mil famílias beneficiárias representavam, em 1998, cerca de 80% do universo potencial; excelente focalização (95% das famílias contempladas situavam-se abaixo do valor de referência de meio salário-mínimo); comprometimento dos beneficiários no sucesso do programa, uma vez que a contrapartida exigida era a freqüência escolar no ensino obrigatório, o que permitiu reduzir a zero a evasão e diminuir a incidência da repetência."
E continua:
"A Bolsa-Escola de Brasília realizou outros feitos nada desprezíveis: tirou mais de 10 mil famílias da pobreza ao contemplá-las com o benefício mensal de um salário-mínimo, fez com que os 50% mais pobres reduzissem, em média, em um terço o hiato de renda que os separa do valor de meio salário-mínimo per capita . Reorientou também o gasto social, antes diluído, para concentrá-lo nas ações de combate à pobreza."(...)
Lena Lavinas analisa os argumentos da Secretária da Educação, Eurides Brito, e conclui que eles não são suficientemente fortes e que não houve um estudo bem-feito por parte da Secretaria da Educação. "O primeiro argumento sustenta que o número de matrículas no primeiro grau pouco aumentou, sua cobertura se manteve estável (92,5%, segundo o IBGE)". Isso significaria que o programa teria atraído poucas crianças de volta à escola. "A afirmação é surpreendente quando se sabe que não se trata de medir o incremento das matrículas, mas a presença da criança na escola. Os pais, na maioria esmagadora, inscrevem seus filhos na escola. O problema é mantê-los lá, e não na rua". Esse foi o objetivo amplamente reconhecido do programa, dada a redução da taxa de evasão, que ocorreu em todos as cidades onde foi instituído o Programa Bolsa-Escola: Belém do Pará, Belo Horizonte, Catanduva, Mundo Novo, dentre outras.
"A segunda argumentação apóia-se no desempenho escolar registrado por um conjunto de alunos bolsistas, cujas notas situaram-se abaixo da média. Ou seja, constatou-se o óbvio e ignorou-se a diferença fundamental: os bolsistas têm notas inferiores às dos não-bolsistas. Só que um quarto dos pais de bolsistas são analfabetos e dois terços são apenas alfabetizados, situação absolutamente distinta das famílias não-pobres dos não-bolsistas. Em vez de vislumbrar como promover um melhor aprendizado das crianças que vêm de famílias pobres, os pedagogos à frente da Secretaria de Educação do Distrito Federal punem a criança pobre que tem dificuldade de aprender.
Talvez tivesse sido mais proveitoso verificar se, ao longo dessa maior permanência na escola, os bolsistas puderam aprimorar suas habilidades básicas, respondendo melhor ao incentivo e reduzindo o hiato que os separava, há três ou quatro anos, da média.
Pretende-se, com base numa pesquisa qualitativa com 120 bolsistas, repreender as famílias pobres pelo mau uso do benefício recebido. Como 17% apenas estariam sendo gastos com material escolar – mais de 50% com alimentação –, deduz-se que daí resulte o aproveitamento insatisfatório das crianças. Novamente, destaca Lena Lavinas, "se pune o pobre por ser pobre, por necessitar alimentar-se e atender a uma infinidade de outras carências. Que nos ensinem os novos pedagogos qual a alocação ótima para quem vive mensalmente com renda familiar
per capita inferior a R$65,00 mensais".
Assinala Lena Lavinas que teria sido positivo se tivesse sido aprovada uma lei na Assembléia Legislativa prevendo a criação da bolsa-escola, para que ela não fosse tão facilmente eliminada.
Queremos aqui renovar a recomendação ao Governador Joaquim Roriz, para que faça a revisão da sua triste decisão.