Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA.

Autor
Sérgio Machado (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • COMEMORAÇÃO DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/1999 - Página 31464
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, REGISTRO, DOCUMENTO, ORGANISMO INTERNACIONAL, EVOLUÇÃO, PROTEÇÃO, MENOR, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, MENOR, NECESSIDADE, CONSOLIDAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, NORMAS, CRITICA, ALTERAÇÃO, TEXTO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • OPOSIÇÃO, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, NECESSIDADE, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.

O SR. SÉRGIO MACHADO (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, comemorou-se, aos 20 de novembro, o 40º aniversário da Declaração Universal dos Direitos da Criança, fruto da concepção de que a criança precisa de proteção e cuidados especiais, enunciada na Declaração dos Direitos da Criança, em Genebra, em 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Paris, em 1948.  

A ela se seguiram a Convenção Americana de Direitos Humanos, as Regras de Beijing, as Diretrizes de Riad e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção de jovens privados de liberdade.  

Destaque-se, especialmente, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela ONU, também em 20 de novembro de 1989, e que consagra a Doutrina da Proteção Integral.  

Todos esses "Documentos" representam a base de um novo ordenamento jurídico do Direito da Criança e do Adolescente. Sua influência se fez sentir no Brasil, onde, a partir da década de 80, teve início um imenso debate sobre os diversos aspectos da proteção à infância e à adolescência, cuja orientação buscava subsídios nos documentos internacionais específicos para essa estratégica vertente dos Direitos Humanos.  

Se a história constitucional brasileira pode se vangloriar da presença permanente da Declaração de Direitos e Garantias Individuais do Cidadão, a Constituição de 88, além de enumerá-los no art. 5º, introduz na Doutrina Constitucional a Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamando a Doutrina da Proteção Integral e consagrando os direitos específicos que devem ser universalmente reconhecidos.  

O art. 227 da Constituição Federal de 88 é aceito na comunidade internacional como a síntese da Convenção da ONU, ao declarar os direitos especiais da criança e do adolescente como dever da família, da sociedade e do Estado.  

O Estatuto da Criança e do Adolescente reproduz o mesmo artigo desmembrando-o nos arts. 3º, 4º e 5º, nos quais ficam evidentes as garantias da Declaração Universal dos Direitos da Criança.  

Como se vê, Srªs. e Srs. Senadores, a legislação brasileira referente à criança e ao adolescente está perfeitamente afinada com as leis internacionais mais modernas, das quais a Declaração Universal dos Direitos da Criança é um marco.  

Entretanto, a realidade é bastante diversa dos generosos propósitos das leis. Mesmo em vigor desde 1990, algumas instituições previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como Varas de Justiça especializadas e defensorias públicas, ainda não foram criadas em todos os estados da Federação. Com isso, a descentralização administrativa e a participação da sociedade na formulação e co-gestão de políticas propostas para atender a crianças e adolescentes não ocorrem de acordo com o Estatuto.  

Para o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, que, segundo especialistas, é um dos maiores entendedores do Estatuto no País, o maior obstáculo à implementação do que ele chama "novo direito" é a resistência que existe, no Brasil, à democracia participativa, um dos pilares do Estatuto.  

Por não estar totalmente em vigor, Antônio Carlos é contra mudanças no Estatuto no momento. "São os implementadores da lei que não estão corretos. As falhas são da operacionalização da lei e não da lei em si".  

Outros especialistas no assunto concordam com a importância do Estatuto. "O Estatuto criou instrumentos legais para cobrarmos do Estado o não cumprimento de medidas relativas à criança e ao adolescente" , resume o oficial de projetos de políticas públicas da UNICEF, Mário Volpi. Para ele, não é hora de mexer na Lei. "Nos próximos dez anos, o Estatuto precisa ser consolidado. Como podemos dizer que é preciso mudar o texto se nem tudo o que está previsto no Estatuto está em vigor? Precisamos, primeiro, testar os dispositivos da lei para saber se funcionam bem".  

Por isso, Srªs. e Srs. Senadores, considero equivocada a proposição de redução da idade de imputabilidade legal, que tramita nesta Casa. Mesmo não alterando diretamente o Estatuto, o projeto tem implicações diretas no seu cumprimento. Como é possível reduzir a idade penal sem antes implementar as medidas estabelecidas pelo Estatuto? Como é possível recuperar cidadãos adolescentes por meio de um modelo como o da FEBEM, considerado arcaico e falido pelo próprio Poder Judiciário? Basta observar que a população carcerária do Brasil é de 194.074 presos e o número de vagas no sistema prisional é de 107.049. Será esse o modelo para recuperar brasileiros de 14 ou 16 anos de idade? Qual seria a expectativa de recuperação?  

Outra questão em que a legislação não tem sido observada e fiscalizada, com rigor, é a do trabalho infantil. A Constituição Brasileira de 1988 proíbe qualquer tipo de trabalho para menores de 14 anos. A Carta atual resgatou o texto das Constituições de 1937 e 1946, pois a Constituição de 1967 estabelecia 12 anos como a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho. Apesar da proibição constitucional, não existe, até hoje, uma punição criminal para quem desobedecer a legislação.  

O empregador que contrata menores de 14 anos está sujeito apenas a multas irrisórias. Além de não sofrer sanção penal, os empregadores, muitas vezes, se livram das multas trabalhistas, devido a uma brecha da própria Constituição. O artigo 7º, inciso XXXIII, proíbe "qualquer trabalho" a menores de 14 anos, mas abre uma exceção – "Salvo na condição de aprendiz". O problema é que a conceituação de aprendiz é muito ampla.  

O fato é que o Brasil é o 3º país que mais utiliza trabalho infantil na América Latina. Só Haiti e Guatemala utilizam mais mão-de-obra infantil que o Brasil, segundo a Organização Internacional do Trabalho. De acordo com a entidade, 16,09% das crianças do Brasil, entre 10 e 14 anos, exerciam algum tipo de atividade econômica em 1995. A maior concentração está na região Nordeste e a agricultura é o setor que mais emprega crianças.  

Pesquisa feita pelo DataFolha, em São Paulo, na Bahia e em Pernambuco, com 460 crianças, entre 7 e 14 anos, que trabalham, apontou os prejuízos que o trabalho infantil traz para a educação das crianças. Na Zona da Mata pernambucana, onde domina a cultura de cana, 74% das crianças já foram reprovadas na escola. Na zona produtora de sisal, na Bahia, o índice de reprovação é de 62%. Em São Paulo, o percentual é de 56%. Em Pernambuco, 71% das crianças estão atrasadas na escola. Na Bahia, esse percentual é de 62% e, em São Paulo, de 29%. É em Pernambuco que se encontra o maior percentual de crianças fora da escola entre os entrevistados – 10%. É possível identificar que a principal causa de abandono da escola é a necessidade de trabalhar.  

Como se vê, Srªs. e Srs. Senadores, não é possível tratar qualquer problema isoladamente, pois todos estão relacionados. O trabalho infantil interfere na educação, que interfere na saúde, e assim sucessivamente, num perverso ciclo de violações e injustiças que atingem as crianças e os jovens brasileiros.  

O Estatuto da Criança e do Adolescente, herdeiro dos princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança, é, inegavelmente, um instrumento legal que reconhece as crianças e adolescentes como "credores de direitos". Isto é, cidadãos que buscam restaurar o exercício de sua cidadania, com a garantia do Estado, que, para tanto, lhes assegura mecanismos jurídicos e sociais de exigibilidade de direitos.  

Insere-se, aqui, a meu ver, a contribuição decisiva do Poder Legislativo, no acompanhamento e na avaliação da realidade social e das políticas públicas concernentes aos direitos das crianças e adolescentes. Precisamos implementar sistemas permanentes de levantamento de informações, bem como análises de dados para melhor conhecer e avaliar a ação do Estado em relação à criança e ao adolescente.  

Nessa perspectiva, o cumprimento das funções legiferante e fiscalizadora resgatam a importância do papel do Poder Legislativo na transformação das condições de vida da criança brasileira. Afinal, a promoção do bem-estar da infância não é, apenas, um gesto caritativo para com os menos favorecidos. Na verdade, é o único investimento capaz de assegurar um futuro melhor para a Nação brasileira.  

Muito obrigado.  

 

M .


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/1999 - Página 31464