Discurso no Senado Federal

APRIMORAMENTO DA LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE ARMAS DE FOGO COM A REALIZAÇÃO DE DEBATES NO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • APRIMORAMENTO DA LEGISLAÇÃO NACIONAL SOBRE ARMAS DE FOGO COM A REALIZAÇÃO DE DEBATES NO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/1999 - Página 31628
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DEFASAGEM, LEGISLAÇÃO, PORTE DE ARMA, BRASIL, FAVORECIMENTO, CLANDESTINIDADE, INFERIORIDADE, REGISTRO, ARMA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, VENDA, ARMA, MUNIÇÃO, REGISTRO, DADOS, ESTATISTICA, CRIME, MORTE, ARMA DE FOGO, BRASIL.
  • ANUNCIO, AMPLIAÇÃO, DEBATE, PROJETO DE LEI, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, ENTIDADE, AUTORIDADE, FABRICANTE, REALIZAÇÃO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA.
  • DEFESA, DISCUSSÃO, MODELO, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, AUMENTO, EFICACIA, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Casildo Maldaner, Srªs e Srs. Senadores, a história do Direito e a experiência mundial, em diversos períodos, comprovam a necessidade de uma estreita relação entre as normas jurídicas e a realidade. Os legisladores precisam estar sintonizados com a opinião pública a fim de captar as evoluções sociais, formulando ou adaptando leis que tenham ressonância na sociedade. Leis originadas exclusivamente de pensamento acadêmico, de costas para a opinião pública, tornam-se inócuas e aumentam a relação de normas que não pegam. O Brasil é pródigo em exemplos.  

A legislação sobre armas, ainda que pesem a vontade de acertar e o criterioso trabalho feito no Congresso Nacional, envelheceu precocemente, está anacrônica, apesar de sua pouca idade. A Lei acabou favorecendo a clandestinidade, de forma que hoje temos aproximadamente 20 milhões de armas ilegais no Brasil e apenas 1,5 milhão de armas devidamente registradas. Temos, nesta legislação, um emblema do distanciamento entre a norma e a realidade. O que é inadequado e ineficiente devemos humildemente corrigir.  

No dia 1º de junho deste ano, ainda no Ministério da Justiça, encaminhei proposta proibindo a venda de armas e munição em todo o País. A proposta, intencionalmente rigorosa, prevê indenizações para devolução de armas e restringe as exceções às Forças Armadas, aos órgãos de inteligência e segurança e às empresas de segurança legalmente constituídas. O projeto lentamente foi desfigurado. E esse desvio levou o Senador José Roberto Arruda a reproduzir a proposta aqui no Senado Federal, e o PMDB me honrou com a relatoria do projeto.  

Tenho, Senador Romeu Tuma, predileção pelos números e estatísticas. Eles são eloqüentes, não comportam paixões e quase sempre falam por si só:  

- no Brasil, 89% dos crimes são cometidos com armas de fogo;  

- ocorre um homicídio por hora em grandes cidades como São Paulo;  

- o Brasil, segundo a ONU, ostenta o melancólico título de campeão mundial de homicídios;  

- dos homicídios ocorridos no País, mais de 60% têm motivos banais: discussões acaloradas em bares, rusgas em estádios de futebol, bate-boca no trânsito, na rua e até nas escolas se transformam em tragédias se uma arma estiver ao alcance;  

- o País tem hoje cerca de 20 milhões de armas ilegais em circulação;  

- mais de 80% das armas apreendidas no Rio de Janeiro, por exemplo, eram destinadas, originalmente, à exportação;  

- das vítimas armadas que reagem, 96% acabam brutalmente assassinadas;  

- os 4 fabricantes nacionais de armas já exportam 90% de sua produção;  

- em pesquisa que fizemos no meio do ano, 85% da população concordaram com a proibição da venda de armas;  

- já 76% consideraram que a idéia não elimina, mas ajuda a reduzir nossos índices vergonhosos de violência;  

- e 79% opinaram que a posse de armas só prejudica a segurança da pessoa;  

- a Inglaterra, primeiro país a proibir a comercialização de armas de fogo, reduziu drasticamente as estatísticas de mortes.  

Então, a pergunta é obrigatória: armas para quê? Para quem? Na raiz do problema, sempre está a arma de fogo. O cidadão de bem é sempre o surpreendido, e o bandido tem destreza no manuseio da arma. Assim, se ela não serve para defesa, nossa complacência com a proliferação das armas está servindo a quem?  

Vamos transformar a Comissão de Constituição e Justiça num fórum amplo e transparente para discutirmos esta proposta, tão controversa. Já combinei com o Presidente da Comissão, Senador José Agripino, para acertarmos um calendário, dentro do qual ouviremos todos os interessados no problema.  

Vamos trazer a sociedade, os governadores, os responsáveis pela segurança, as entidades civis e, pelo respeito ao contraditório, os próprios fabricantes de armas. Se preciso, Sr. Presidente, também vamos fazer novas pesquisas. Vamos abrir espaço na Internet para receber sugestões, críticas e um placar de votação, contra ou a favor. Destarte, não votaremos, de forma nenhuma, de costas para a opinião pública.  

Espero que este projeto propicie ainda uma discussão em torno de todo o capítulo da segurança pública, onde, é inegável, precisamos urgentemente definir as competências e, principalmente, as fontes de financiamento.  

A letargia inquietante com a segurança pública está provocando erosão na credibilidade do Estado. Governos são efêmeros, Sr. Presidente, mas a sociedade e o Estado não. É para eles que temos que legislar.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até quando seremos tolerantes? Até quando iremos pedir paciência às consciências amedrontadas e intranqüilas? Quantas tragédias mais serão necessárias? Até quando continuaremos a oferecer os corpos submissos de nossos cidadãos à imolação dos bandidos?  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Ouço, com prazer, V. Exª.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Senador Renan Calheiros, V. Exª não apresenta apenas um panorama da segurança, mas fala com a responsabilidade de quem exerceu o cargo de Ministro da Justiça com proficiência, devo ressaltá-lo, já que conheço as dificuldades do cargo. V. Exª também o faz na qualidade de ex-Constituinte, pois acompanhou como o capítulo da segurança foi para o texto constitucional. Aproveito o ensejo para fazer justiça ao eminente Senador Romeu Tuma – e por isso apressei-me a fazer o aparte antes de S. Exª –, que foi um dos lutadores, um dos batalhadores junto a nós outros. Também V. Exª me auxiliou na missão que assumi como Relator àquela oportunidade. Vejo agora que o Senador Renan Calheiros faz uma pergunta inquietante: até quando? Essa indagação perpassa a mente de todo o povo brasileiro que, hoje, por incrível que pareça, começa a conviver com a violência como algo inerente à existência humana. Quero parabenizá-lo, pois, Senador Renan Calheiros. Espero que V. Exª releve o fato de haver eu interrompido seu discurso, mas foi minha forma de mostrar solidariedade e de apresentar meus cumprimentos. Quero pedir desculpas ao Senador Romeu Tuma por ter feito o aparte em primeiro lugar. Meus cumprimentos, Senador Renan Calheiros.  

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço, honrado, o aparte do Senador Bernardo Cabral e o incorporo ao meu discurso, com muita satisfação. O Senador Bernardo Cabral, dada sua grande convivência com a discussão do assunto, ora como Relator da Constituinte, ora como Ministro da Justiça, é alguém que conhece profundamente a questão da segurança pública no Brasil.  

Lamentavelmente, gostaria de repetir aqui o que já disse em outras oportunidades. Até hoje, sequer regulamentamos o art. 144 da Constituição Federal. A União não gasta um centavo sequer com segurança pública, não temos sequer definida a competência de cada um. De modo que, para combater o crime organizado, o narcotráfico, é fundamental que seja repensado, antes de mais nada, o modelo de segurança pública do País.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Concedo com muita satisfação o aparte a V. Exª, Senador Romeu Tuma.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Tenho o privilégio duplo. Estão aqui dois Ministros da Justiça: um, que foi meu chefe por um longo período, o Senador Bernardo Cabral, com muita honra para mim, faz parte do meu currículo e do qual me orgulho muito; e V. Exª, Senador Renan Calheiros, que também ocupou o Ministério por um período longo, de um trabalhos sério, sofrido, se me permite assim falar. Algumas vezes tive contato com V. Exª e o vi tenso, preocupado, angustiado na busca de soluções para os problemas de segurança, sentindo-se quase que engessado pela impossibilidade legal de dar prosseguimento a alguns trabalhos que poderiam, sem dúvida alguma, representar uma melhoria para a segurança pública. Recentemente, tive oportunidade de conversar com o Senhor Presidente da República, e V. Exª deve ter sentido nele também a angústia quando fazia as propostas e as dificuldades que tinha a resolver junto com o Ministro da Justiça. Senador Bernardo Cabral, há uma coisa que me põe um pouco angustiado. V. Exª quando estava à frente do Ministério, viu a criação do Departamento Especializado de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, viu a aprovação da lei da lavagem de dinheiro e a criação do COAF e outros procedimentos. Às vezes, existe a falta de regulamentação, tais como a da quebra de sigilo entre outras. Dizem que vão criar um corpo especial para isso. Meu Deus! Já tem na lei. Por que não se fortalece e se define qual é a função desse órgão que já está legalmente institucionalizado? Como se vai criar um outro órgão, sobrepondo-o ao que está na lei? Que se dê força a esses órgãos e uma legislação, para que eles realmente possam realizar o seu trabalho e buscar os seus objetivos, para combater o crime organizado. Nos Estados Unidos, criou-se o SINCEN, do Departamento do Tesouro americano, que é o exemplo melhor do COAF, e está funcionando, com inteligência artificial. Todos os órgãos, a Receita, a Polícia, DEA, trabalham para buscar objetivamente o combate à lavagem de dinheiro. Se não se mexer no dinheiro do crime organizado, pode-se prender 500, apreender as armas, e eles vão continuar desenvolvendo as suas atividades, porque têm o dinheiro para circular. Hoje, Senador, falo com conhecimento de causa, as quadrilhas organizadas têm a parte operacional, têm aqueles que locam os veículos que vão ser usados e têm parte da quadrilha que só serve para a estocagem e locação das armas para operações de grande vulto. V. Exª traz o problema da proibição de armas. Eu fiz um ofício ao Ministro da Justiça e obtive uma resposta que não me dá a informação. V. Exª falou em 89% de crimes com armas de fogo. Quantos desses crimes foram cometidos com armas legalizadas ou clandestinas, para se saber se a simples proibição da fabricação e venda vai resolver o problema? Quantos flagrantes foram feitos por porte ilegal de arma? A lei está em vigência. Quantas pessoas se recadastraram - os que anteriormente tinham seu registro e deixaram de comparecer para cumprir a lei por cuja aprovação V. Exª trabalhou e que envelheceu estranhamente, com muita rapidez? Ninguém se conscientizou da obrigação de cumprir seus dispositivos legais. Quando fui Chefe de Polícia, em São Paulo, e Diretor da Polícia Federal, ganhei o apelido simpático de "xerife que dialoga e não anda armado". Quando se está fazendo um trabalho político-administrativo, a arma só serve para quem tem a iniciativa. A defesa da presunção de que vai ser atacado não procede. Ele nunca poderá ter a rapidez de um marginal que já vem com arma na mão. Há muitas pessoas que gostam de arma, que sentem prazer em tê-las, são colecionadores, atiradores de clube. O porte de arma só vale na hora em que se tem todas as condições de poder reagir. Se não tiver, ela, sem dúvida nenhuma, é inimiga daquele que a porta. Sem dúvida, o tiro virá contra ele mesmo. É importantíssima a postura de V. Exª em não brigar pela aprovação pura e simples do projeto, mas trazê-lo à discussão, convocando aqueles que têm os prós e os contras, para chegarmos a um consenso do que é importante realmente para diminuir essa onda de criminalidade. Aonde vamos? Até que ponto somos responsáveis por isso? Cada um de nós vive assustado na rua. O povo hoje, Senador, é prisioneiro do medo, tem medo de virar a esquina, porque não sabe o que vai encontrar na primeira quadra da sua própria residência. Quero cumprimentá-lo. Estou pronto para colaborar, desde que V. Ex.ª queira, a fim de lutarmos juntos, visando realmente a um projeto definitivo e que não envelheça com o tempo.

 

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Obrigado, Senador Romeu Tuma. V. Ex.ª realmente fala com conhecimento de causa. Tanto isso é verdade que, quando convidado para exercer o Ministério da Justiça, foi exatamente V. Ex.ª a primeira pessoa com quem conversei para ouvir o que pensava e entendia com relação ao necessário combate ao crime organizado e às suas causas. Concordo com V. Ex.ª. É difícil uma estatística sobre arma legal e ilegal. Há 20 milhões de armas ilegais no Brasil, e as pessoas, Presidente Casildo Maldaner, equivocadamente, entendem que estar armadas significa estar protegidas. Na verdade, isso não ocorre porque o cidadão de bem, o homem comum, aquele mesmo que porta arma - já disse isso aqui e tenho a oportunidade de repetir - geralmente é surpreendido, não sabe manusear a arma, e o bandido sabe fazê-lo muito bem.  

Portanto, Sr. Presidente, é tempo de ousar, enfrentar o lobby obsceno, apagar nosso triste cotidiano de violências e mortes, calar os estampidos das armas e silenciar os ecos de nossas tragédias. A indignação da sociedade não nos permite ficar confortáveis em nossas cadeiras. A paralisia está transformando o Brasil numa nação do medo. A cidadania se faz no dia-a-dia. Nesse tiroteio, tenho a convicção de que o Senado da República saberá fazer a opção correta entre a sociedade assustada e desamparada com a violência e uma pequena confraria de fabricantes de armas, cuja alça de mira só focaliza os lucros, no raciocínio meramente contábil e medieval.  

Tenho certeza, Sr. Presidente Casildo Maldaner, Srªs e Srs. Senadores, de que o interesse de uma minoria não irá, de forma nenhuma, se sobrepor aos estampidos ensurdecedores das balas. Quero crer que aqui no Senado a sociedade terá mais poder de fogo. De minha parte, sei de onde virá o tiro, mas não recuarei em nenhum momento, não me esquivarei de forma nenhuma.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/1999 - Página 31628