Pronunciamento de Geraldo Cândido em 24/11/1999
Discurso no Senado Federal
HOMENAGEM PELO TRANSCURSO DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA.
- Autor
- Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
- Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
- HOMENAGEM PELO TRANSCURSO DO QUADRAGESIMO ANIVERSARIO DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/11/1999 - Página 31632
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- REGISTRO, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, MENOR, BRASIL, DESIGUALDADE REGIONAL, COMENTARIO, DADOS, ESTATISTICA, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), REFERENCIA, MISERIA, FOME, DESNUTRIÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, FALTA, EDUCAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
- COMENTARIO, OMISSÃO, ESTADO, ATENDIMENTO, CRIANÇA, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA SOCIAL.
- SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, DECLARAÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA.
O SR. GERALDO CÂNDIDO
(Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, " O direito de ter direitos
". Este lema, que resume a estratégia adotada pela UNICEF (Fundo das Nações unidas pela Infância) para garantir a proteção dos direitos das crianças, resume a realidade de milhões delas, que deveriam estar comemorando o 40º (quadragésimo) aniversário da Declaração dos Direitos da Criança
, lembrados hoje pelo Senado Federal. Mas, infelizmente, no Brasil nada temos a comemorar, principalmente se levarmos em conta os indicadores sobre nossa infância.
De acordo com a UNICEF, 20 milhões de crianças brasileiras são de famílias que ganham menos de dois salários mínimos. A distribuição, porém, não é uniforme. Em São Paulo, apenas 15,8% das crianças estão dentro desta faixa. Já no Maranhão elas representam 70% de todas as crianças.
Os números, que revelam um país de grandes contrastes, estão nos estudos Indicadores sobre crianças e adolescentes - Brasil , que é divulgado periodicamente pela Unicef. A desigualdade social é o traço mais marcante. Apenas para lembrar, as estatísticas brasileiras demonstram que:
* 658 mil crianças, de 10 a 17 anos, não estudam, não trabalham nem realizam afazeres domésticos. Ou seja, são crianças que estão nas ruas, vivendo de esmola, da mendicância, expostos à marginalidade. Muitas dessas crianças estão sendo levadas à prostituição infantil, à marginalidade.
* Cerca de 20 milhões de crianças, entre 0 e 14 anos, vivem em famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo, o que eqüivale a 40,4%, ou seja, praticamente 50% da população infantil está vivendo na mais absoluta miséria.
* O Brasil tem alta taxa de mortalidade infantil, cujas causas são as doenças relacionadas à fome e desnutrição. Um fato curioso foi divulgado tempos atrás: a verba gasta pelo Brasil anualmente com ração para animais acabaria com a fome infantil. Os 350 milhões de reais gastos em 1996 para dar ração a 7 milhões de cães e gatos seriam suficientes para alimentar por um ano as crianças que não tem o que comer em nosso país. Ou seja: tratar um cachorro à base de ração custa uma média mensal de R$ 20. Este valor é superior ao que o governo gasta , per capita , em programas como o do leite e o da cesta básica.
* A taxa de escolarização: o Brasil tem 81% de suas crianças de 7 a 9 anos na escola . Mas a taxa de escolarização entre jovens de 15 a 17 anos ainda é baixa: 66,9%. Ou seja, temos 23% de jovens fora das escolas de 2º grau, o que é muita coisa. Já a repetência no 1º grau é de 22,7%, um dos maiores problemas da educação brasileira. A taxa nacional de abandono é de 11,4%, somente no 1º grau.
* Trabalho infantil: O uso da mão-de-obra infantil é preocupante. Cerca de 3,5 milhões de crianças e adolescentes entre 10 a 17 anos trabalhavam 40 horas ou mais por semana. O Brasil tem 822 mil crianças e adolescentes trabalhando como empregados domésticos. Esse retrato do trabalho infantil mostra que 522 mil crianças de 5 a 9 anos são usadas como mão-de-obra barata no Brasil. Os Estados de Maranhão (6,9%), Ceará (5,6%) e Rio Grande do Norte (4,8%) apresentam o maior percentual de crianças dessa faixa etária trabalhando.
Esses números, incontestáveis exatamente pela origem do levantamento que foi realizado por uma instituição de credibilidade como o UNICEF, servem para mostrar que é preciso direcionar os recursos para atender a essa camada da população infantil e dar a essas crianças a oportunidade de estudar e se preparar para o futuro. De nada adiantará perseguir a estabilidade econômica, sacrificando o povo, se, ao mesmo tempo, não priorizar as questões sociais.
Muito se tem dito e pouco se tem feito pelas crianças. Mas os dados demonstram. que até agora tudo ficou nas palavras, pois os sucessivos governos deste país não estão preocupados com educação e com a saúde de nossas crianças e adolescentes. É preciso lembrar, mais uma vez, que haverá redução drástica, no Orçamento para o próximo ano, dos recursos para a educação e para a saúde, conforme a determinação do Governo.
Também a arrecadação com o CPMF, criado para atender às necessidades da saúde pública em nosso país, não trouxe, até agora, nenhum benefício para a infância.
Estudos revelam que o Governo gasta menos com as crianças do que com os adultos. Embora representem 38% da população brasileira, as crianças consomem 12,4% do gasto destinado à área social, enquanto os investimentos com a população adulta são de 87,6% do total.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, enquanto persistir a pobreza extrema em nosso país, onde o trabalho infantil é norma em certas regiões, dificilmente haverá uma melhoria dos indicadores sociais. Enquanto isso, continuaremos a não ter motivos para celebrar a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada por unanimidade no dia 20 de novembro de 1959, na Assembléia Geral das Nações Unidas, sintetizando os direitos e as liberdades a que tem direito toda criança. Muitos dos direitos e liberdades contidos neste documento fazem parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral em 1948. Salientou-se, no entanto, que as condições especiais da criança exigiam uma declaração à parte.
"Condensada em dez princípios cuidadosamente elaborados e redigidos, a Declaração afirma os direitos da criança à proteção especial e a que lhe sejam propiciadas oportunidades e facilidades capazes de permitir o seu desenvolvimento de modo sadio e normal e em condições de liberdade e dignidade; o seu direito a um nome e a uma nacionalidade, a partir do nascimento; a gozar os benefícios da previdência social, inclusive alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas; no caso de crianças defeituosas ou incapacitadas, o direito a receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos por sua condição peculiar; a criar-se num ambiente de afeto e segurança e, sempre que possível, sob os cuidados e a responsabilidade dos pais; a receber educação; a figurar entre os primeiros a receber proteção e socorro, em caso de calamidade pública; a proteção contra todas as formas de negligência, crueldade e exploração; e a proteção contra todos os atos que possam dar lugar a qualquer forma de discriminação. Finalmente, a Declaração frisa que a criança deve criar-se "num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal".
Solicitamos, pois, à Mesa Diretora o registro, nos Anais do Senado Federal, da íntegra do texto da Declaração dos Direitos da Criança em anexo.
Sala das Sessões, 24 de novembro de 1999.
Senador GERALDO CÂNDIDO
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA
VISTO que os povos das Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla,
VISTO que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição,
VISTO que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento,
VISTO que a necessidade de tal proteção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança,
VISTO que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços,
ASSIM, A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios:
PRINCÍPIO 1º
A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.
PRINCÍPIO 2º
A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.
PRINCÍPIO 3º
Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade.
PRINCÍPIO 4º
A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas.
PRINCÍPIO 5º
À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar.
PRINCÍPIO 6º
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.
PRINCÍPIO 7º
A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.
A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
PRINCÍPIO 8º
A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção socorro.
PRINCÍPIO 9º
A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
PRINCÍPIO 10º
A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza.
Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.