Discurso no Senado Federal

CRITICAS AOS FINANCIAMENTOS CONCEDIDOS PELO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO BRASILEIRO.

Autor
Carlos Wilson (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Carlos Wilson Rocha de Queiroz Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO. POLITICA INDUSTRIAL.:
  • CRITICAS AOS FINANCIAMENTOS CONCEDIDOS PELO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO BRASILEIRO.
Aparteantes
Ademir Andrade, Gilvam Borges.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1999 - Página 31757
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO. POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, REFERENCIA, ATIVIDADE, FINANCIAMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), EMPRESA ESTRANGEIRA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, AUMENTO, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), AMBITO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, MELHORIA, INVESTIMENTO, POLITICA INDUSTRIAL, PAIS, OBJETIVO, VALORIZAÇÃO, EMPRESA NACIONAL.
  • DEFESA, EXISTENCIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, PROCESSO, FINANCIAMENTO, INVESTIMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).

O SR. CARLOS WILSON (PPS - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a privatização de uma empresa estatal paulista de energia elétrica traz à tona mais uma vez a questão dos vultosos financiamentos que o BNDES vem concedendo, nos anos recentes, às empresas estrangeiras que compram ativos nacionais. Essa é uma prática absurda, incoerente, sem justificativa aceitável e que merece a nossa repulsa e a nossa crítica.  

O caso foi fartamente noticiado. Trata-se da privatização da Companhia de Geração de Energia Elétrica Tietê, formada de um conjunto de onze centrais elétricas, também chamada de CESP-Tietê, já que é uma das empresas resultantes do desmembramento da antiga CESP. O leilão de privatização da CESP-Tietê, realizado no último 27 de outubro, foi ganho, em meio a uma acesa polêmica, pela multinacional AES, com um lance de R$938 milhões. Ela não precisará trazer esse capital todo do exterior, porque o generoso BNDES dispõe-se a emprestar-lhe R$360 milhões para facilitar-lhe a vida.  

Como se não bastasse isso, houve nesse caso mudança de regra de última hora, já que havia sido estabelecido que o BNDES só financiaria a operação para grupos brasileiros. Isto é, o BNDES chegou a ficar tentado, dessa vez, a agir com a lógica de um banco de fomento brasileiro: dispunha-se a financiar o vencedor do leilão apenas no caso em que ele fosse um consórcio nacional. Mas, na última hora, com o argumento de que era necessário tornar mais atraente a venda da estatal, a regra foi torcida e invertida, e, pela enésima vez, jorrou dinheiro de poupança brasileira para o caixa de uma multinacional estrangeira. É a torneira generosa do BNDES.  

Sr. Presidente, faz sentido isso? Decididamente, não! A lógica de atrair capital estrangeiro para participar de nossa economia é que, efetivamente, seja trazido capital de fora para complementar nossa historicamente baixa poupança nacional. O BNDES recorre a uma contorcida argumentação para justificar os financiamentos que tem oferecido a empresas estrangeiras no programa brasileiro de privatização. Mas são argumentos que não convencem. O que o BNDES tem que fazer é, sempre que houver oportunidade e possibilidade, fortalecer o desenvolvimento do capital nacional, até mesmo porque, vencendo a empresa estrangeira, ela passará a fazer remessas de lucros para o exterior, o que não beneficia as contas públicas nem alavanca novos investimentos para o Brasil.  

O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. CARLOS WILSON (PPS - PE) - Concedo o aparte a V. Exª com muito prazer.  

O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Eminente Senador Carlos Wilson, V. Exª é conhecido nesta Casa pela coragem e pela determinação com que aborda temas que muitos preferem desconhecer. Sugiro a V. Exª que tome uma iniciativa, aproveitando a onda e a ebulição em que o País se encontra, com o Brasil sendo passado a limpo. Creio que é este o momento para isso, porque esse BNDES o Norte não o conhece. Não há financiamentos, não há recursos para os projetos de iniciativa dos empresários da Região Norte. E as notícias que recebemos são as de que o BNDES é um antro de corrupção, com a maioria dos recursos e dos financiamentos sendo repassados para o exterior. Assim, sugiro a V. Exª, quem sabe, a constituição de uma nova CPI para verificar lá, nos porões do BNDES, o horror de recursos públicos que são diluídos pelo exterior afora. Portanto, coloco-me à disposição de V. Exª para subscrever o documento, sugerindo a criação da CPI do BNDES. Ali, nos porões, realmente há muito a ser verificado. Congratulo-me com V. Exª por sua coragem e pela oportunidade do seu pronunciamento.  

O SR. CARLOS WILSON (PPS - PE) - Muito obrigado, Senador Gilvam Borges. V. Exª, como sempre, contribui com os nossos modestos discursos. V. Exª tem razão: a presença do BNDES no Norte e no Nordeste é muito bisonha, muito pequena, quase inexistente.  

Na minha opinião, a transparência deve ser a marca principal do BNDES, que, hoje, tem quase o mesmo volume de recursos do Banco Mundial. No BNDES, há quase R$20 bilhões, que deveriam ser investidos em nosso País. Com uma maior transparência, com certeza, o BNDES estará servindo melhor ao País. A própria direção do BNDES deve colocar-se à disposição do Congresso Nacional para prestar essas informações.  

Essa CPI que V. Exª sugere pode ser discutida nesta Casa, porque a questão pública tem de ter clareza e transparência para melhor atender às aspirações do povo brasileiro.  

O teste de lógica para essa postura deformada do BNDES é muito simples: como agiriam os bancos oficiais de fomento econômico dos países dos quais vêm essas multinacionais por nós financiadas? Será que um banco japonês de fomento financiaria multinacional americana para que ela comprasse empresa japonesa? Ou financiaria multinacional brasileira? Certamente, não. Os dirigentes e técnicos de bancos oficiais de investimento alemães e japoneses, por exemplo, não aderem irresponsavelmente aos modismos ideológicos da era da globalização; os dirigentes desses bancos sabem onde reside o interesse de suas pátrias; os dirigentes desses bancos não são deslumbrados caipiras com PhD!  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o BNDES não é um banco qualquer, é uma potência financeira - como eu disse anteriormente -, um poderoso instrumento de desenvolvimento que poderia estar a serviço do nosso crescimento econômico e social, que tanto sofre com a escassez de crédito. A capacidade de atuação do BNDES tem crescido exponencialmente nos anos recentes. O seu orçamento de desembolsos, que era de R$7,1 bilhões, em 1995, alcança este ano R$20 bilhões, valor que coloca o BNDES praticamente equiparado ao Banco Mundial. Todo esse poderio poderia ser canalizado para objetivos muito mais úteis do que financiar multinacional em uma mera operação de troca de controle acionário, sem a criação de novos empregos, sem a instalação de novas unidades de produção, sem a parceria com empresas brasileiras, sem a perspectiva de gerar exportação.  

Pode-se, ademais, indagar por que os financiamentos do BNDES constituem atração para as empresas estrangeiras, já que elas podem obtê-los facilmente no exterior, em condições igualmente ou, talvez, até mais vantajosas. A resposta é simples: primeiro, com isso, a empresa estrangeira como que faz um seguro político, pois, achando-se futuramente prejudicada em seu contrato, explícito ou implícito, com o Poder Público brasileiro, poderá usar como arma de resposta o calote contra o BNDES; segundo, ela adquire com esse financiamento uma proteção contra eventuais mudanças no câmbio, colocando na mesma moeda, o real, a sua receita e a sua dívida. Isto é, endividar-se em dólares lhe traria um risco cambial.  

Vê-se, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que está bem servida a empresa estrangeira pelo BNDES. Quanto a ela, pois, não nos preocupemos. Podemos, no entanto, perguntar o que pode o BNDES fazer pelo Brasil. Consideração preliminar à resposta é o conceito de que o Estado é o principal responsável pela indução ao desenvolvimento. Em decorrência, o BNDES, ferramenta do Estado, deve engajar-se na viabilização desse desenvolvimento. Genericamente, um banco de investimento oficial deve prover financiamentos de longo prazo para investimentos produtivos, atividade que o setor financeiro privado não exerce no Brasil.  

O BNDES deve ser uma presença infinitamente mais importante para a empresa brasileira do que para a estrangeira. Essas só deveriam ser financiadas em projetos específicos de parceria com a iniciativa privada nacional. Além de financiar, e antes de fazê-lo, deve o BNDES selecionar os projetos mais proveitosos e sólidos, com maior potencial de aumentar no País a capacidade produtiva, o emprego e as exportações. Para desenhar com clareza a moldura dentro da qual deve atuar uma instituição como o BNDES, é preciso que o Brasil tenha uma agenda de desenvolvimento, um projeto estratégico, prioridades, enfim, uma política industrial, com a definição de setores-chaves a serem estimulados. Nada que signifique uma volta aos anos 70, com seus exagerados subsídios e sua excessiva estatização. E, sim, uma política industrial que leve em conta as duras lições dos sobressaltos de nossa economia nas últimas décadas.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil precisa de desenvolvimento com eqüidade social. O BNDES pode exercer importante papel na alavancagem de nossa economia e de nosso desenvolvimento. Considero como meu dever e como dever desta Casa uma postura de atenção ao desempenho desse banco oficial, atenção que deve incluir a crítica firme, sempre que couber, como é o caso do financiamento desnecessário a empresas estrangeiras nos leilões de privatização, em particular, e na compra de ativos nacionais, em geral.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB - PA) - V. Exª me concede um aparte?  

O SR. CARLOS WILSON (PPS - PE) - Concedo, com muito prazer, o aparte a V. Exª.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB - PA) - Senador Carlos Wilson, congratulo-me com V. Exª por seu discurso, que traz, com grande fundamento, o que é inaceitável pela opinião pública brasileira. A atuação do BNDES vai de encontro, no sentido contrário, ao que deseja o povo brasileiro, que é proporcionar o desenvolvimento. V. Exª disse muito bem que o BNDES tem financiado empresas estrangeiras numa simples troca de controle acionário das empresas que foram privatizadas em nosso País. Somado a isso, lemos hoje, no relatório que a CPI do Senado que investiga o Sistema Financeiro está a concluir, que o Proer deu um prejuízo ao Governo brasileiro — e, conseqüentemente, ao povo brasileiro — da ordem de R$28,8 bilhões. É quase impossível que o Governo consiga trazer de volta esse dinheiro. As denúncias do favorecimento da venda do Bamerindus ao grupo inglês HSBC é outro fato não compreendido pelo povo brasileiro. Há muitos problemas, muitas coisas erradas, e, no entanto, lamentamos que o Congresso Nacional ainda esteja a apoiar todas as atitudes do Governo, como ocorreu ontem, nesta Casa, no caso do aumento da alíquota do Imposto de Renda de 25% para 27,5% por mais quatro anos, a pedido do Presidente da República. Penso que devemos estar atentos aos problemas que estão ocorrendo. O discurso de V. Exª é de excelente qualidade e fornece dados extremamente importantes, mas parece que ninguém ouve ou dá importância. Em um país sério, onde o povo tivesse acesso a instrumentos de participação no poder ou o Poder Judiciário funcionasse com competência, esses erros seriam punidos de maneira drástica. No entanto, como a situação é outra e o Poder Executivo tem poderes absolutos no País, coisas terríveis, como as que V. Exª descreve, continuam a ocorrer, sem que nada mude. Parabenizo V. Exª, mas lamento, de certa forma, a omissão do próprio Congresso Nacional diante de fatos tão graves, como os que V. Exª anuncia.

 

O SR. CARLOS WILSON (PPS - PE) - Muito obrigado, Senador Ademir Andrade. V. Exª sempre teve um comportamento combativo na Câmara dos Deputados e, atualmente, no Senado Federal, denunciando as distorções que ocorrem no País, principalmente na área de investimentos e na área financeira. O BNDES, como instituição principal de fomento do nosso Brasil, deveria ter uma postura mais transparente, mais clara, quanto àquilo que investe.  

Há pouco, ouvia também o aparte do Senador Gilvam Borges, que dizia que, no Norte — V. Exª é representante do Pará — e nas regiões mais pobres do País, a presença do BNDES é praticamente inexistente. E, quanto à atuação do BNDES, ainda há outro risco. Nas privatizações que estão sendo feitas nas centrais elétricas dos Estados e nas que ainda se realizarão, está havendo antecipações de recursos por parte do BNDES. Não sabemos, nesse quadro que se apresenta hoje, como se vão processar essas privatizações. Vejo companhias elétricas que ainda não foram privatizadas recebendo do BNDES recursos vultosos para pagar folha de pagamento, 13º salário e rombos de alguns Estados. Essa caixa-preta do BNDES tem que ser aberta.  

Estamos acompanhando os trabalhos da CPI do Judiciário, que concluiremos hoje. Como V. Exª disse, estamos quase finalizando o trabalho da CPI dos Bancos, em que o Proer mostrou também ser uma caixa-preta. Vinte e oito bilhões de reais do povo brasileiro, sem explicação, foram desviados pelo Proer.  

V. Exª prega, nesta Casa, transparência nas ações públicas, mas o Governo é que deveria interessar-se por isso. O Governo é que deveria ter uma posição mais clara, que pudesse receber o reconhecimento do povo brasileiro. Cada vez em que essas instituições ficam mais fechadas, com certeza, quem perde é o Governo brasileiro.  

Por isso, encerro meu pronunciamento, Sr. Presidente, na certeza de que o BNDES venha a ter uma posição mais transparente, mais democrática, e possa informar a esta Casa como, na verdade, têm sido aplicados os recursos daquela instituição, que não pertencem a um simples diretor, mas principalmente ao povo brasileiro.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1999 - Página 31757