Discurso no Senado Federal

JUSTIFICATIVAS AO REQUERIMENTO 733, DE 1999, LIDO ANTERIORMENTE, DE INFORMAÇÕES AO MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES, SOBRE AUTORIZAÇÕES DE FUNCIONAMENTO DAS RADIOS COMUNITARIAS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO. MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • JUSTIFICATIVAS AO REQUERIMENTO 733, DE 1999, LIDO ANTERIORMENTE, DE INFORMAÇÕES AO MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES, SOBRE AUTORIZAÇÕES DE FUNCIONAMENTO DAS RADIOS COMUNITARIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1999 - Página 31803
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO. MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, ENTIDADE, AÇÃO COMUNITARIA, RADIO, MUNICIPIO, ALTAMIRA (PA), ESTADO DO PARA (PA), PIRANGI (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), DIFICULDADE, INSTALAÇÃO, EMISSORA.
  • CRITICA, POLITICA, TELECOMUNICAÇÃO, BRASIL, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, LIBERDADE DE IMPRENSA, FAVORECIMENTO, GRUPO ECONOMICO, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, INDEPENDENCIA, RADIODIFUSÃO, MUNICIPIO, CRITICA, DEMORA, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), LICENCIAMENTO, RADIO, COMUNIDADE.
  • CRITICA, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, RADIO, COMUNIDADE, SOLICITAÇÃO, APOIO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMULAÇÃO, POLITICA, CONCESSÃO, RADIODIFUSÃO.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), ESCLARECIMENTOS, CONCESSÃO, AUTORIZAÇÃO, RADIO, COMUNIDADE.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Gilberto Mestrinho, tratarei de um assunto extremamente importante. Faço-o em razão de dois documentos que recebi de entidades comunitárias. Trata-se da autorização para o funcionamento de rádios comunitárias e das dificuldades criadas pelo Ministério das Comunicações para a sua instalação.  

Tanto a Associação Rádio Comunitária de Altamira, na cidade de Altamira, no Estado do Pará, quanto a Associação Comunitária de Comunicação e Cultura Pirangiense, na Cidade de Pirangi, no Estado de São Paulo, demonstram grande insatisfação e repúdio pela maneira ilegal e antidemocrática que o Governo Fernando Henrique trata essas entidades – apesar de todas as garantias estabelecidas na Constituição de 1988 e dos tratados e convênios internacionais assinados pelo Brasil.  

O que vem ocorrendo com as rádios comunitárias neste País não é um fato isolado, tampouco fruto de clientelismo político ou de um mero engavetamento de processo administrativo. Trata-se efetivamente de algo mais sério, de uma filosofia de trabalho e de orientação do próprio Governo Fernando Henrique, que é proteger os ricos e menosprezar os pobres. É impossível a existência real da democracia sem a liberdade de imprensa, sem a liberdade de idéias, sem a livre circulação de jornais, sem o funcionamento de rádios e de televisões – enfim, de todos os meios de comunicação.  

O Brasil de hoje vive mais uma de suas enormes incongruências e paradoxos: aparentemente, temos jornais, rádios e televisões livres, no entanto, a grande maioria do povo brasileiro, a grande maioria dos discriminados socialmente também são discriminados por uma estrutura perversa dos meios de comunicação social.  

A grande desigualdade existente na distribuição de renda também se reflete na grande desigualdade da informação; não temos mais a censura cruel e violenta, mas ainda temos um instrumento de efeito semelhante: as dificuldades criadas pelo Governo Federal e os obstáculos econômicos que impedem a verdadeira liberdade de informação para aquelas camadas mais pobres da população.  

Nosso povo ainda não tem voz nem vez, não há possibilidade de os pequenos se fazerem ouvir, lembrando aquilo que Dom Hélder Câmara tantas vezes procurou fazer: ser a voz dos sem voz.  

Os grandes grupos econômicos que controlam a televisão, o rádio e os jornais brasileiros exercem uma enorme e descabida influência, chegando mesmo a controlar os setores governamentais responsáveis pelas telecomunicações, não permitindo uma rápida solução para a instalação das rádios comunitárias.  

Enquanto a grande imprensa enriquece cada dia mais, prospera cada vez mais, moderniza-se cada vez mais, as rádios comunitárias das zonas rurais, das favelas, das pequenas comunidades urbanas não dispõem de apoio técnico, financeiro, administrativo e nem mesmo de autorização para funcionamento por parte do Governo.  

O Governo Federal, que deveria contribuir para o desenvolvimento econômico e social das comunidades mais carentes e isoladas, disponibilizando recursos econômicos e prestando assessoramento técnico para a organização de rádios comunitárias, age exatamente no sentido contrário, usando o Poder de Polícia para bloquear iniciativas dessas comunidades em ter as suas emissoras populares, lacrando os transmissores que com muito sacrifício a população conseguiu comprar, instalar e colocar no ar.  

Com essa postura do Governo Fernando Henrique perdem a democracia, as pequenas comunidades, que não podem manter sua identidade e integridade cultural, e o Brasil, que é obrigado a se tornar consumidor passivo de culturas estrangeiras dominantes e a importar valores alienígenas extravagantes, para não falarmos da importação e banalização da violência.  

Esse quadro de desinformação, deformação educacional e perversão cultural muito preocupa a todos nós, que temos responsabilidade social e política neste País.  

A existência de uma verdadeira estrutura monopolística nos meios de comunicação social impede que o Brasil se transforme, realmente, em uma nação social e economicamente aberta, justa e equânime.  

A cruel elite brasileira tem usado amplamente o dinheiro, o poder e a influência junto aos meios de comunicação social para manipular, fraudar e cometer crimes de toda ordem, inclusive os eleitorais, disfarçados em pesquisas e reversões de tendências, como aconteceu nas eleições de 1998.  

Em todas as crises recentes ocorridas no Brasil, a elite dominante utiliza os meios de comunicação para a continuidade de sua dominação, empregando métodos e processos variados, sempre mentindo, enganando, sofismando para se manter no poder.  

O chamado Governo Collor de Mello representou a deturpação e o uso abusivo de serviços de utilidade pública, como rádio e televisão, e o que existe de pior em termos de comportamento da grande imprensa como parte de um pacto político em detrimento do povo.  

Para que o Brasil possa se tornar uma verdadeira democracia, é necessário assegurar a livre circulação de informação, retirando todos os obstáculos para sua difusão ampla e equilibrada, o que atualmente só é assegurado na teoria, em normas legais, infelizmente ainda abstratas.  

Uma das melhores formas de fortalecer a democracia no Brasil de hoje é assegurar voz aos favelados, às pequenas comunidades, aos indígenas e aos núcleos urbanos marginalizados, principalmente com a possibilidade de instalação de rádios comunitárias, que contribuem para o seu desenvolvimento social, cultural e educacional.  

No dia 27 de julho, o Presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, pasmem os senhores, que iria enviar ao Congresso Nacional um pedido de autorização para funcionamento das primeiras 70 rádios comunitárias do Brasil.  

Imagimem, o pedido vai para o Ministério das Comunicações, mas é o Presidente Fernando Henrique que vai mandar ao Congresso Nacional as primeiras 70 rádios comunitárias do País. Ele traz para si a responsabilidade de julgar, analisar e mandar para o Congresso aprovar.  

Isso, sem dúvida, é muito pouco para os mais de cinco mil municípios brasileiros, pois o próprio Presidente Fernando Henrique confessa que existem mais de seis mil pedidos de rádios comunitárias nas gavetas do Ministério das Comunicações, que seriam liberados à base de dois lotes de aproximadamente 30 autorizações de funcionamento por mês, a partir do mês de setembro próximo passado.  

A política anunciada pelo Presidente Fernando Henrique para as rádios comunitárias levará, certamente, à seguinte situação absurda: mesmo que nenhum novo pedido de instalação de rádio comunitária ingressasse no Ministério das Comunicações, decorreriam cerca de dez anos para que a burocracia do Governo Fernando Henrique liberasse os pedidos atualmente existentes.  

Finalmente, gostaria de deixar aqui o meu protesto contra a forma como são tratadas pelo Governo Fernando Henrique as pequenas comunidades que têm o direito assegurado pela Constituição de operar uma rádio comunitária.  

É o próprio Presidente Fernando Henrique quem afirmou em seu programa "Palavra do Presidente", do dia 27/07/99: "As entidades interessadas devem procurar a Delegacia do Ministério das Comunicações, em seu Estado, para se candidatar a uma autorização. A sua rádio só pode entrar no ar depois que o Ministério das Comunicações e o Congresso Nacional autorizarem o seu funcionamento." E olhem o que diz o Presidente: "É crime colocar uma emissora em funcionamento antes disso."  

Ora, parece que o Presidente ou não conhece a realidade ou não sabe como funciona o seu Ministério das Comunicações. Já estamos tratando disso há muito tempo, e até hoje uma única rádio comunitária não foi liberada no nosso País. Se a norma admite que tem que passar pelo Senado, até hoje o Senado não recebeu um único pedido de autorização dos mais de seis mil pedidos de funcionamento de rádio comunitária que existem em nosso País. O que é, evidentemente, um absurdo. E o Presidente aceita essa situação e ainda ameaça as pessoas que, com muito sacrifício, formaram a sua rádio comunitária e puseram para funcionar por causa da burocracia, da lerdeza com que trabalha o Ministério das Comunicações.  

Esse é o critério utilizado pelo Governo Fernando Henrique: tudo para os banqueiros, grandes empresários e grandes especuladores. Basta lembra o caso dos Proer, do Banco Marka, FonteCindam, a farta liberação de verbas para obras fraudulentas do fórum trabalhista de São Paulo, entre outras coisas que agora estão surgindo no relatório da CPI dos Bancos.  

Não podemos falar de sensibilidade social de um Governo que usa dois pesos e duas medidas: para os ricos as vantagens da globalização e da desregulamentação, o financiamento estatal amplo - principalmente no caso das privatizações -, geral e irrestrito, inclusive com recursos do próprio trabalhador; para os pobres, a Delegacia do Ministério das Comunicações e aguardar dez anos, com direito a uma passagem pela delegacia de polícia se tentar agilizar as coisas.  

Os nossos legisladores elaboraram e aprovaram a Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, publicada no Diário Oficial da União do dia 20/02/98, que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária no País. E o Governo a regulamentou pelo Decreto nº 2.615, publicado no Diário Oficial da União de 4 de junho de 1998.  

Ora, estamos em novembro de 1999 e, após um ano e meio da regulamentação, uma única rádio comunitária foi licenciada.  

Quem se interessar pelo assunto e fizer análise profunda nos 27 artigos que compõem a Lei nº 9.612/98, cujo escopo é instituir o serviço de radiodifusão comunitária, e nos 43 que o regulamentam, ao final, chegará à conclusão de que tais documentos são provas – e vergonhosas – do que é legislar com protecionismo interesseiro em prol de uma plêiade de privilegiados, que possui raízes no Congresso, em detrimento de outras pessoas que, porventura, se interessem por rádio não-comercial, ou seja, rádio comunitária.  

Rádio comunitária é "coisa pequena", podem crer! Porém é essencial para uma comunidade, onde há espaço para as pessoas da comunidade, seus recados, atividades, festas. As rádios comunitárias juntam as pessoas da comunidade fazendo algo que não é o papel das rádios comerciais.  

E aqui abro um parêntese para dar meu testemunho. Muitas das rádios comunitárias que conheci e nas quais tive oportunidade de dar entrevistas criam, na grande maioria das cidades brasileiras que não têm rádio alguma, um ambiente novo, um ambiente de participação, permitem a manifestação da capacidade criativa dos jovens do interior e empregam pessoas. De repente, trata-se de um estudante que está se transformando num locutor. De repente é um estudante que está aprofundando seu conhecimento em política, em teatro, em artes, em cultura. Tudo isso ocorre numa rádio comunitária. Além disso, há geração de empregos, há a participação da comunidade. É uma cidade que passa a ter uma rádio. Dos mais de cinco mil municípios brasileiros, talvez apenas 1.000 tenham rádios comerciais. Quatro mil municípios no Brasil, provavelmente, não possuem rádio de espécie alguma.  

A rádio une a comunidade na divulgação de seus propósitos, no crescimento de sua cultura e de suas festas tradicionais. Será que o Governo não enxerga isso? Ministro Pimenta da Veiga, um homem tão ilustrado, o que está acontecendo, Ministro? Por que V. Exª atrasa tanto esse processo pelo qual lutamos tanto aqui no Congresso Nacional? Por que o Governo Fernando Henrique tem tanta preocupação na liberação de funcionamento das mais de seis mil rádios comunitárias que a estão solicitando?  

Devemos lembrar que as rádios comunitárias fazem aparecer novos talentos. São pessoas que, de repente, têm uma grande oportunidade na vida.  

Tenho a firme convicção de que todos os homens de bem do Congresso Nacional darão firme apoio a uma profunda modificação da política de concessão de rádio comunitária em nosso País, para que possamos construir uma sociedade mais justa, mais solidária, mais democrática e mais desenvolvida.  

Quero deixar à Mesa, Sr. Presidente, um pedido de informação. Para fazer modificação no processo ou para questionar o decreto que regulamenta a concessão e o funcionamento das rádios comunitárias, preciso de uma informação oficial do Governo a respeito de inúmeras questões.  

Estou perguntando ao Ministro – e ele é obrigado a me responder, porque constitucionalmente temos esse direito:  

Quantas solicitações já foram recebidas pelo Ministério das Comunicações, em Brasília, para instalação de rádios comunitárias e em que período?  

Quais são todos os requisitos exigidos para que pessoas interessadas possam pleitear a instalação de uma rádio comunitária e que critérios são usados para conceder as autorizações? Objetivamente, que critérios são usados para a escolha entre uma ou outra Associação de Rádio Comunitária que disputem o mesmo espaço?  

Como tramita, normalmente, um processo de pedido de autorização para funcionamento de emissora de rádio comunitária, do início ao fim, indicando todos os setores por onde é analisado?  

Quantas e quais emissoras de rádio comunitária já foram autorizadas a entrar em funcionamento? Indicar Município e Unidade da Federação.  

Sei, de antemão, que nenhuma foi autorizada, mas quero que o Ministro oficialmente me informe isso.  

Quantas e quais emissoras de rádio comunitária já foram lacradas em todo o País e em que quantitativo por Estado?  

Porque são as próprias rádios comerciais, normalmente pertencentes a políticos ou a grandes empresários que financiam determinados políticos, a quase totalidade delas comprometidas com a política governamental, que pressionam o Dentel para intervir na rádio comunitária, roubar os equipamentos - pois eles dão sumiço com esses equipamentos comprados com tanta dificuldade pelo povo -, fechando, lacrando as rádios comunitárias em todo o País.  

Portanto, quero saber quantas rádios já foram fechadas no nosso País.  

Quantos pedidos de autorização para funcionamento de rádios comunitárias serão autorizados em média por mês?  

Porque, se for verdade que serão dois lotes de 30 por mês, levaremos dez anos para liberar as rádios comunitárias que já fizeram solicitação.  

Pergunto ainda:  

O Ministério das Comunicações planeja acelerar o processo de autorização de funcionamento das emissoras comunitárias? De que forma?  

Finalmente: 

No caso de meu Estado, Pará, quantos pedidos foram recebidos até hoje pela Anatel e pela Delegacia do Ministério das Comunicações? Quantos foram autorizados? Quantas emissoras já foram lacradas?  

Confesso que, pessoalmente, estive com o Ministro Pimenta da Veiga tratando da questão. Levei à S. Exª uma série de solicitações e de pedidos que as rádios comunitárias e as associações de vários Municípios nos fizeram - assim como o fizeram a mim, devem fazer a muitos outros Parlamentares. O Ministro nos assegurou que isso se resolveria rapidamente. Infelizmente, até hoje estamos assistindo a essa morosidade, a essa forma negativa de agir do Ministério das Comunicações.  

Espero, do Ministro Pimenta da Veiga, o mais brevemente possível, uma resposta aos meus questionamentos que possibilite a proposição de modificações que entendo necessárias ao processo de concessão e utilização de rádios comunitárias. No meu entendimento, esse assunto é extremamente importante para o processo de educação, compreensão política e até para a criação de oportunidades de emprego.  

Era a manifestação que gostaria de fazer, Sr. Presidente. Muito obrigado.  

 

Àä


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1999 - Página 31803