Pronunciamento de Carlos Bezerra em 25/11/1999
Discurso no Senado Federal
PREOCUPAÇÃO COM O IMPACTO DO AUMENTO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELETRICA SOBRE O INDICE DE INFLAÇÃO.
- Autor
- Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
- Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ENERGIA ELETRICA.:
- PREOCUPAÇÃO COM O IMPACTO DO AUMENTO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELETRICA SOBRE O INDICE DE INFLAÇÃO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/11/1999 - Página 31808
- Assunto
- Outros > ENERGIA ELETRICA.
- Indexação
-
- CRITICA, AUMENTO, TARIFAS, ENERGIA ELETRICA, EPOCA, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, BRASILEIROS.
- CRITICA, MODELO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, FAVORECIMENTO, EXCESSO, LUCRO, PREJUIZO, CONSUMIDOR.
- SUGESTÃO, TRIBUTAÇÃO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, IMPOSTO SOBRE LUCROS EXTRAORDINARIOS, OPÇÃO, EMPRESA, REDUÇÃO, TARIFAS, CONSUMIDOR.
- REGISTRO, OBSERVAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, BRASIL.
O SR. CARLOS BEZERRA
(PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a economia e a população estão sendo pesadamente bombardeadas por repetidos aumentos nas tarifas de energia elétrica. A energia elétrica, como ocorre também com os combustíveis líquidos, é uma forma básica de energia, de uso praticamente indispensável, e o aumento exacerbado de seu preço vem impactando negativamente a nossa cadeia produtiva e o bolso dos consumidores residenciais.
Esses lamentáveis aumentos das tarifas de energia elétrica, num momento em que cai o poder aquisitivo dos brasileiros, é efeito da forte desvalorização do real, no início deste ano, mas, principalmente, reflete algumas características imprudentes incorporadas ao processo de privatização do setor elétrico, que vem se desenrolando nos anos recentes. Certos procedimentos adotados para tornar atraentes as empresas a serem privatizadas revelam-se, agora, como verdadeiras armadilhas para o consumidor, a par de ensejar lucros excessivos aos novos controladores privados das empresas de energia elétrica e de pressionar os índices de inflação.
É preciso observar que as linhas gerais do novo desenho do setor elétrico brasileiro, que vem sendo reformado em paralelo às privatizações, contém elementos que introduzem a competição entre as empresas do setor, de modo que o consumidor possa vir a se beneficiar também de quedas de tarifa. Mas essa é uma possibilidade que, por ora, é quase que meramente teórica, pois os mecanismos de concorrência, que têm força legal, só entram em vigor gradualmente, aumentando de intensidade ano a ano. Enquanto isso, as obrigações contratuais de aumentar a tarifa, assumidas pelo Poder Público com as privatizações, são de efeito imediato e, como estamos vendo, de efeito devastador.
Cabe lembrar que as tarifas de energia elétrica estiveram, por muitos anos, excessivamente baixas; esse período desfavorável para as empresas de energia elétrica, estendeu-se pela década de 80 e até 1993. Em 1993, procedeu-se a uma atualização das tarifas, que cresceram, mês a mês, acima da inflação, promovendo o equilíbrio das concessionárias. Em 1994, as tarifas acompanharam a inflação, que teve forte queda a partir da metade daquele ano. Com a inflação bem reduzida pelo Plano Real, cessaram os reajustes freqüentes das tarifas; mas, para compensar a inflação pequena que se acumulava, houve dois reajustes generalizados: em novembro de 1995 e em abril de 1997.
Portanto, no momento em que se iniciavam as privatizações, que se deram intensamente em 1997 e 1998, a tarifa de energia elétrica estava bem calibrada, estava de bom tamanho, e as empresas se encontravam em equilíbrio econômico. Ora, a iniciativa privada é sabidamente eficiente na gestão empresarial. Nas mãos dos novos controladores privados, que promoveram forte enxugamento de custos, as empresas de energia elétrica, com aquele patamar tarifário, passaram a propiciar lucros altíssimos. Prova é que, após as primeiras privatizações, grupos espanhóis, franceses, portugueses, americanos, e mesmo brasileiros, lançaram-se com grande apetite à disputa de novas compras de estatais. Quem não comprou, queria comprar; quem comprou, queria comprar mais. Os altos ágios oferecidos nos leilões eram sobeja evidência da boa atratividade do negócio.
No entanto, foi excessivamente tímida e atemorizada a postura do Governo ao preparar os contratos padronizados de concessão incorporados em cada edital de privatização. O BNDES, instrumento operacional do Governo nesse processo, deixou-se, ao que parece, convencer de que era preciso acumular atrações sobre atrações nos contratos de concessão. Por exemplo, as empresas ganharam um período de 5 anos, a partir da data de privatização, durante o qual se manterá o nível tarifário inicial, por mais que tenham sido reduzidos os custos do serviço. Só ao cabo dos 5 anos poderá a ANEEL promover uma avaliação dos custos reais do serviço e repassar os ganhos de eficiência aos consumidores, favorecendo-os com uma redução de tarifa.
Além de ganharem essa imunidade de 5 anos, as novas controladoras passaram a ter diversos direitos que asseguram que, nesse período, a tarifa só possa subir, jamais baixar. Os custos administrativos das empresas contidos nas tarifas ficaram indexados ao IGPM, um índice muito influenciado pelos preços no atacado. Para se ter uma idéia do que isso significa, o aumento do IGPM deverá ser, este ano, de cerca de 20%, contra 10% da inflação dos preços ao consumidor. Tenham ou não aumentados seus custos administrativos, as empresas de energia elétrica poderão reajustá-los em 20%, no que tange à participação desses custos na fórmula tarifária. Ora, é evidente que um dos principais custos administrativos dessas empresas, o de pessoal, não subirá 20%, nem de longe.
Quanto aos custos que não dependem de sua gestão direta, as empresas distribuidoras têm o direito de repassá-los para o consumidor, na forma de aumento de tarifa. O principal desses custos é a energia a grosso comprada das empresas geradoras. A tarifa de geração estava relativamente baixa no início do processo de privatização, e esses preços de energia a grosso estão seguindo um programa de aumento gradual, ano a ano, para equipará-los ao preço livre do mercado gerador competitivo. Resulta que, até que se dê essa equiparação, a tendência é inevitavelmente altista na energia a grosso comprada pelas distribuidoras, uma alta que elas estão repassando para o consumidor.
É preciso salientar que as tarifas não são estabelecidas pelas empresas, mas pela ANEEL. No entanto, no caso de contratos de concessão contendo todas essas defesas em favor das empresas e em desfavor dos consumidores, a ANEEL pode apenas fixar os detalhes dos mecanismos dos reajustes automáticos para mais, mas não pode exercer efetivamente suas atribuições de árbitro imparcial entre os interesses de consumidores e de empresas. Outra função da ANEEL, a de promover a concorrência entre as usinas geradoras, bem como no fornecimento de energia a grandes consumidores, mesmo se exercitada plenamente desde já, só surtirá efeitos práticos no médio e no longo prazo.
Um dos principais fatores que estão contribuindo para a elevação das tarifas neste ano é a energia elétrica suprida por Itaipu. Por lei, a energia de Itaipu é cotada em dólares. Com a maxidesvalorização do real havida em janeiro, tiveram aumento de tarifa, por conta disso, todas as empresas que compram energia de Itaipu. E são muitas, nas regiões sudeste, sul e centro-oeste; 25% da energia elétrica consumida no Brasil é de Itaipu. Mesmo sendo a absorção desse choque de custos, gradual, ao longo de alguns meses, é forte o efeito desse aumento no bolso do consumidor brasileiro de energia elétrica, e substancial a pressão inflacionária disso resultante.
No futuro, é possível até que sejamos testemunhas do milagre da redução de tarifas de energia elétrica no Brasil; mas, para que essa perspectiva promissora se transforme em realidade, será necessário que coincidam vários processos ainda em curso e de desfecho desconhecido. Primeiro, é preciso que, ao final do período de imunidade, a ANEEL faça uma avaliação do equilíbrio econômico das concessionárias e do custo de seu serviço, fixando as correspondentes novas tarifas. Segundo, é necessário que, nos próximos anos, se desenvolvam, como se espera, os dois mecanismos de competição já citados: o de fornecimento a grandes consumidores, favorecendo a cadeia produtiva, e a concorrência entre centrais geradoras, disponibilizando energia a grosso a preços moderados para as distribuidoras. Cogita-se, nesse particular, de criar norma legal que inclua a energia de Itaipu no mercado competitivo de geração.
Haveria ainda uma outra medida que poderia ser adotada pelo Governo. Como vimos, as empresas de energia elétrica, nos anos recentes, privatizadas ou não, beneficiaram-se, simultaneamente, de tarifas favoráveis na venda aos consumidores e de tarifas de energia a grosso bastante baixas. Isto é, as distribuidoras gozaram de margem de lucro excessiva, ganharam um mais do que confortável espaço entre o preço do produto que compram e o preço do produto que vendem. Poderia o Governo brasileiro fazer o que fez o governo trabalhista, de terceira via, do primeiro-ministro Tony Blair: diante dos lucros extraordinários auferidos na Grã-Bretanha pelas empresas estatais privatizadas, nas mãos dos novos controladores privados, em desfavor dos consumidores, aquele governo taxou-as com um imposto novo, também extraordinário. Medida em perfeita consonância com a teoria tributária.
Em nosso caso, poder-se-ia acrescentar uma feição a mais na imposição de um imposto sobre lucros extraordinários: a isenção desse imposto para as empresas que baixassem voluntariamente suas tarifas. Assim, reverteriam a favor dos consumidores de cada empresa, compensatoriamente, os lucros obtidos em uma situação de desequilíbrio injusto entre os legítimos interesses de consumidores e de empresas.
Senhor Presidente, o que certamente não deve ser feito é repetir erros já cometidos. É inconcebível promover aumentos de tarifa de empresas geradoras a serem privatizadas, conforme possibilidade anunciada pelo Ministro de Minas e Energia, para torná-las mais atraentes ao capital privado. Qualquer medida que represente um reforço indevido de pressões inflacionárias, como as que estão decorrendo dos aumentos atuais de tarifas de energia elétrica, deve ser repelida. A favor desse princípio prudente espero que se posicionem, não só o meu partido, o PMDB, como todos os Senadores desta Casa.
Muito Obrigado.
NOTAS ADICIONAIS
1 – Empresas estaduais não privatizadas = CEMIG, COPEL, CELESC, CEEE (parte), CEB, CELG, 4 no Nordeste (Piauí, Paraíba, Pernambuco, Alagoas), 5 no Norte (Amazonas, Amapá, Roraima, Acre, Rondônia).
2 – Está havendo atualmente relutância de investidores nacionais e internacionais em investir em geração no Brasil. Em geral suas propostas ao Governo implicam altas tarifas, visando a recuperar em poucos anos o investimentos. O melhor investidor no setor elétrico é o que tolera prazos maiores de recuperação do capital por contar com capitais de fundos de pensão (internacionais ou nacionais).
3 – Mato Grosso precisa muito atrair investimentos em geração, pois se encontra na ponta do sistema interligado, pagando transmissão cara e ficando vulnerável a instabilidade elétrica. A CEMAT privada (Rede) assumiu compromissos de: passar a atender 24 horas quem tinha energia apenas 6 horas por dia; atender a 18 municípios que não contavam com fornecimento da CEMAT.
4 – Algumas tarifas de consumo residencial (novembro 1999, reais por megawatt-hora): CEMAT 162,32; CELG 152,19; CELPA 153,24; COELBA 145,09; LIGHT 181,65; ELETROPAULO 160,48; COPEL 148,17; CELESC 138,85.
5 – Tarifa de geração de Itaipu: cerca de R$80,00 por MWh; média das demais tarifas de geração (usinas existentes) cerca de R$40,00 por MWh; novas usinas: R$55-70/MWh.
6 – O ICMS tem enorme impacto sobre o bolso do consumidor. A chamada alíquota de 25% de ICMS é na verdade 33%. Exemplo: 75 para a concessionária + 25 de ICMS = 100 reais. A alíquota de 30% (MT) é na verdade 43%. Exemplo: 70 para a concessionária + 30 de ICMS = 100 reais.
7 – Outros fatores de aumentos de tarifa este ano: 1) aumento dos combustíveis consumidos nas termelétricas, despesa rateada por todos os consumidores do Brasil. Este ano, consumo alto em especial, devido reservatórios estarem muito baixos. Preço dos combustíveis impactados pela alta do mercado internacional e pela alta do dólar. 2) o PIS/PASEP teve aumentada sua base de incidência, incluindo na base o ICMS.
8 – O mecanismo de aumento gradativo das tarifas de geração é imposto pelos chamados Contratos Iniciais, que repartem eqüitativamente por todas as distribuidoras a energia barata das usinas hidrelétricas mais antigas, já amortizadas. Depois de alguns anos, passarão a pesar mais, no preço médio da geração, os preços mais altos das usinas em construção e a construir. A proposta do Ministro de aumentar tarifas de geração das geradoras a privatizar choca-se com os Contratos Iniciais.
9 – A importação de energia elétrica da Argentina excedente e barata deverá ser, a médio prazo, fator baixista na tarifa média de geração. Na Argentina foram construídas usinas geradoras em excesso, o que vem beneficiando o consumidor, pois a geração tem regime competitivo, como é agora também no Brasil.
10 – Com a desvalorização do real, viram-se em dificuldades os grupos estrangeiros que compraram estatais endividando-se em dólar. Os grupos brasileiros não estão sofrendo esse prejuízo (Rede, VBC).
11 – Empresas privatizadas mais lucrativas: LIGHT, METROPOLITANA (parte da antiga ELETROPAULO). Menos lucrativas: COSERN (passivo trabalhista), ELEKTRA (antiga CESP distribuidora), CERJ (vai melhorar a partir de agora).
12 – A competição para fornecer a grandes consumidores (prevista em lei de 1995, que os designa como "consumidores livres") só agora começou a deslanchar. Nestes dias foi anunciado um grande contrato de fornecimento firmado entre a COPEL e a indústria paulista CARBOCLORO, terceiro maior consumidor da área de concessão da METROPOLITANA. As empresas, privatizadas ou não, estão resistindo à implantação dos mecanismos de competição previstos em lei.
13 – O diretor-geral da ANEEL, Mário Abdo, declarou aos jornais que tarifas e inflação subiram por igual, desde junho de 1994 (~80%).
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