Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA NÃO VIOLENCIA CONTRA A MULHER.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA NÃO VIOLENCIA CONTRA A MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/1999 - Página 31812
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, DEBATE, RELAÇÃO, IGUALDADE, SOCIEDADE.
  • ANALISE, DADOS, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, MUNDO, AMBITO, CASAMENTO, COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, LOURDES BANDEIRA, SOCIOLOGO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), REGISTRO, PESQUISA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SITUAÇÃO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, INCENTIVO, DENUNCIA, VITIMA, MULHER, COMBATE, IMPUNIDADE, PRESERVAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA.

           O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, 25 de Novembro é o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher. A data foi instituída durante o 1º Encontro Latino-americano e do Caribe (ocorrido em Bogotá, 1981), e reverencia a memória das irmãs Mirabal, brutalmente assassinadas em 1960 por liderarem movimento de oposição ao regime do ditador Rafael Trujilllo, que comandou ditadura de trinta e um anos na República Dominicana. Este é conhecido internacionalmente como o dia em que ocorreu o maior ato de violência já cometido contra mulheres, conhecido como o assassinato das irmãs Mirabal.

           Este ano as celebrações traz como tema central a difusão dos direitos da mulher - “Violência Contra a Mulher: Interesse de Toda a Sociedade” - cujo objetivo é “envolver a sociedade na busca de uma relação mais igualitária entre mulheres e homens, a partir da qual se possa erradicar todas as formas de violência”.

           A violência de gênero é um problema mundial. Atinge mulheres independente de idade, cor, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual ou condição social, afetando, sobretudo, o bem-estar, a segurança, as possibilidades de educação e desenvolvimento pessoal e a auto-estima das mulheres.

           Historicamente, à violência doméstica e sexual somam-se outras formas de violação dos direitos das mulheres, tais como: diferença de remuneração em relação aos homens; injusta distribuição de renda; tratamento desumano que recebem nos serviços de saúde ou assédio sexual no local de trabalho. A invisibilidade dessas formas discriminatórias de tratamento dispensado à mulher, agravam os efeitos da violência física, sexual e psicológica.

           O Dossiê “Violência Contra a Mulher”, elaborado pela Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos e a mim enviado pelo Centro  
Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), demonstra um panorama mundial bastante preocupante. Exemplos: nos Estados Unidos, pesquisas indicam que 20% das mulheres sofrem pelo menos um tipo de agressão física praticada pelo parceiro durante toda sua vida. No Canadá, a violência de gênero atinge quase um quarto da população feminina. Em 1997, 4% das trabalhadoras na comunidade européia foram vítimas de violência física no trabalho e 8% sofreram algum tipo de intimidação. Em Israel, as cidadãs árabes são duplamente discriminadas, pois cerca de 50% das mulheres árabes casadas são espancadas por seus maridos, sendo que a sociedade justifica as ações como defesa da honra dos homens. Na América Latina e Caribe, de 25 a 50% das mulheres são vítimas de violência doméstica.

           A preferência por filhos do sexo masculino afeta mulheres de muitos países, particularmente na Ásia. Na Índia, pratica-se a seleção do sexo do bebê, onde cerca de 95% dos abortos voluntários são de fetos do sexo feminino (Fonte: ONU, 1999).

           As estatísticas de violência contra a mulher - considerado um “crime menor” pela sociedade - mostram que esse crime cresce a cada dia que passa. Destacamos, aqui, resumo do livro “Primavera já partiu - Retrato dos Homicídios Femininos no Brasil”, da professora do Departamento de Sociologia da UnB, Lourdes Bandeira, lançado no ano passado, apontando escalada da violência em todo o país:

           + maioria das agressões acontecem dentro de casa e são cometidas, na maioria dos casos, pelo pai, padrasto ou parceiro.

           + a cada dia as mulheres estão mais conscientes dos seus direitos e denunciam mais os agressores. Mesmo assim, de cada quatro agressões, apenas uma é denunciada.

           + “Os agressores batem porque têm auto-estima baixa e porque se acham depositários do poder. Eles acreditam que é dever deles controlar a mulher. Esse suposto poder masculino está tão enraizado que até as mulheres acreditam nele. As mulheres não recorrem à justiça porque acham que ‘a justiça é dos homens, que são eles que controlam tudo”.

           + Sessenta por cento das denúncias de estupro são entre pessoas conhecidas.

           + “Não há no Brasil política preventiva para a violência contra a mulher”.

           ‘‘Apesar do índice de violência contra a mulher ser baixo, dentro de casa ela fica mais vulnerável’’. É senso comum o fato de que os homens morrem na rua e as mulheres em casa. O que permeia a violência doméstica, explica a socióloga Lourdes Bandeira, são as relações homem-mulher que, no geral, interpretam o corpo feminino como um ‘‘mercado de desejos masculinos’’. Assim, casos de estupro seguidos de assassinato, lesões corporais, incestos, não são vistos por muitos homens como práticas de violência. ‘‘Ao contrário, fazem parte do débito conjugal’’.

           A violência contra a mulher, muitas vezes, é invisível. São agressões como ameaça de morte, opressão, cárcere privado (quando os familiares impedem a mulher de sair na rua), entre outros. E mais: o medo de expor a vida íntima, de apresentar explicitamente uma família infeliz para a sociedade, impede as mulheres de procurar ajuda nas delegacias e organizações capazes de protegê-las de futuras violências.

           As conclusões de outro estudo, publicado pela revista VEJA, de 01/07/98, apontam na seguinte direção:

           1. Quanto mais tempo de casado, maior a chance de haver violência: o direito ao abuso parece consolidar-se.

           2. Quando a mulher tem trabalho remunerado, a violência física mais bruta diminui; porém, a violência psicológica permanece igual.

           3. O agressor costuma estar na idade máxima de produção, entre 25 e 40 anos e recorre à violência quando acha que não está conseguindo cumprir o mandato social de ser o provedor, a autoridade;

           4. A teoria do agressor descontrolado, sob stress intenso, não se sustenta: quanto mais ele brutaliza a mulher, mais diminui seu batimento cardíaco; ele focaliza com frieza a agressão.

           5. Quando o homem bate na própria mãe, a sociedade reprova. Mas quando essa mesma mãe apanha do marido, a sociedade é omissa.

           6. O Banco Mundial estima que um em cada cinco dias de falta ao trabalho feminino decorre da violência doméstica.

           7. Somando-se ao atendimento médico e queda de produtividade, a violência de gênero custa, no Canadá, 1,6 bilhão de dólares por ano. Nos Estados Unidos, entre 10 e 67 bilhões de dólares/ano. No Chile, custa 2% do PIB.

           8. 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica.

           9. Os homens que espancam suas mulheres também são violentos com as crianças da casa. Um terço dessas crianças tende a perpetuar a agressividade quando crescer.

           10. No Rio de Janeiro registram-se 5.098 ocorrências de violência doméstica por mês, ou 170 por dia. Isso significa que a cada hora há sete mulheres em situação de violência, segundo o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher - CEDIM).

           Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, milhares de mulheres vivem o drama da violência física, psicológica ou sexual. Isto só vai acabar quando for rompida a barreira do medo, da vergonha e da crença na impunidade. As vítimas de violência devem buscar ajuda e denunciar seus agressores. Só assim cairão os números da triste estatística da violência contra a mulher. Se hoje existem leis que avançam no campo dos direitos humanos, outras ainda precisam ser alteradas com urgência. “A incompatibilidade entre a lei e a prática social, assim como os esforços insuficientes dos governos para fazer valer os acordos internacionais nesta questão, constituem-se em negação dos direitos humanos das mulheres”.

           Se o exercício da cidadania se dá no cotidiano, lutar pelo fim da violência contra a mulher requer um esforço diário, pois a justiça com equidade social só será alcançada se toda a sociedade se comprometer a erradicar a violência e promover a democracia não apenas no espaço público, mas também nas relações privadas.

           Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/1999 - Página 31812