Pronunciamento de Nabor Júnior em 26/11/1999
Discurso no Senado Federal
ANALISE DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER.
- Autor
- Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
- Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
FEMINISMO.:
- ANALISE DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/11/1999 - Página 32236
- Assunto
- Outros > FEMINISMO.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ALTERAÇÃO, SOCIEDADE CONJUGAL, ATUALIDADE, AUMENTO, INCENTIVO, DENUNCIA, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, AMBITO, CASAMENTO.
- COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, VITIMA, MULHER, DEFESA, AUMENTO, DEBATE, ASSUNTO, CRITICA, OMISSÃO, ESTADO, IMPUNIDADE, DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, MUNDO.
O SR. NABOR JÚNIOR
(PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sr as. e Sr
s. Senadores, a evolução dos costumes nesta virada de milênio acarreta, muitas vezes, a perda de valores essenciais ao bem-estar dos cidadãos e graves prejuízos à solidez
da família como núcleo-base da sociedade
, qualquer que seja o regime político, a doutrina prioritária ou as diretrizes administrativas implantadas pelos governos em praticamente todas as nações.
A saída da mulher do perímetro doméstico, em busca de espaços no mercado de trabalho, desequilibrou os formatos tradicionais. Maridos e esposas, não raro, encontram hoje dificuldades para definir os papéis que cabe a cada um na gerência dos problemas que envolvem os lares. O homem perdeu sua característica de provedor único das necessidades financeiras da prole e, com isso, viu-se privado também da aura da instância suprema nas pendências e na definição dos rumos a serem seguidos por seus dependentes, embora relute em assumir a parte mais ativa do dia-a-dia das lidas da cozinha, na manutenção e na limpeza da casa. Já a mulher, mesmo conquistando um espaço econômico independente e arcando em proporções variáveis com os custos domésticos, continua recebendo a maior parte das responsabilidades estruturais do lar. Não são raras as que seguem carregando 100% desse peso.
O fato é que existe hoje uma transparência inédita dentro dos lares, com reflexos na visão do exterior sobre o que acontece entre suas paredes . Situações até recentemente mantidas sob o mais absoluto sigilo estão expostas, nos últimos tempos, às vistas da vizinhança, dos veículos de comunicação e da sociedade.
A violência doméstica é um dos problemas que hoje ressalta ante a visão crítica da sociedade e dela provoca uma forte cobrança, não apenas às autoridades, mas também às próprias vítimas desses incidentes deploráveis.
Todos nós, até a atual geração, crescemos ouvindo que "em briga de marido e mulher, sem-vergonha é quem mete a colher". Um fartíssimo anedotário fala de agressões dentro dos lares e ironiza a pretensa importância do conformismo feminino, o dever de "apanhar" calada . Todos já ouviram, seguramente, uma tia ou uma comadre afirmar que "quem apanha e se queixa pena duas vezes: sofre a dor de levar a pancada e a vergonha de todo mundo ficar sabendo".
Isso mudou radicalmente.
Hoje, as vítimas da violência doméstica são incentivadas a denunciar seus agressores. Existem delegacias especializadas no atendimento aos crimes cometidos dentro de casa; todos os organismos internacionais se voltam para orientar governos e entidades não-governamentais no combate àquela triste prática. Lamentavelmente, todavia, tal consciência defensiva e justiceira ainda não atingiu as proporções que seria de desejar - e a certeza dessas limitações tem levado a ONU e personalidades como o Papa João Paulo II a abraçarem a causa da "paz no lar".
Ontem, dia 25 de novembro, comemorou-se em todo o mundo o Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher. O movimento em torno da data ficou aquém de sua importância; no Senado, apenas a Senadora Emilia Fernandes e o Senador Francelino Pereira trouxeram o assunto a debate, o que foi muito pouco face à sua relevância no atual contexto social da humanidade.
Hoje, ao reabrir a discussão, reitero a necessidade de que o assunto seja levado a sério e profundamente analisado. Destaco a frase que sintetizou o pronunciamento da nobre Representante do Rio Grande do Sul, Senadora Emilia Fernandes: "O Estado precisa tornar eficaz sua prevenção a esse tipo de violência".
O juízo da Senadora Emilia Fernandes encontra respaldo em uma consideração mais ampla, porém não menos incisiva, do saudoso ex-Presidente Juscelino Kubitschek, que afirmou pouco antes de morrer: "dezenas de milhões de brasileiros enfrentam uma existência que, sozinhos, não poderiam vencer" . Sim, porque o princípio da não-intervenção do Estado na vida dos cidadãos tem um limite: a omissão.
Legisladores, governantes, magistrados, todos, enfim, temos um duplo dever comum: o de proteger quem não consegue se defender sozinho e castigar aquele que, fiado na sua própria força, julga-se acima de qualquer punição pelos crimes que comete.
Um dos postulados socialistas dizia que se o homem é explorado pelo homem, a mulher é muito mais explorada, porque, além de sofrer as mesmas explorações sociais vividas pelo companheiro, ainda é explorada pelo companheiro, situação que gerou um axioma, segundo o qual "a mulher é o proletário do proletário".
O jargão esquerdista, entretanto, peca ao fornecer a falsa imagem de que esse triste privilégio se restringe às classes menos favorecidas da sociedade. Ao contrário, a exploração e a violência contra a mulher são fenômenos generalizados, não se prendendo a parâmetros financeiros, a estratos sociais ou núcleos de cultura - embora seja claro que, em regiões marcadas pela repressão obscurantista, a mulher vê ainda mais degradada a sua condição de vida.
Custa crer que, às vésperas do Terceiro Milênio, persistam práticas revoltantemente bárbaras , como a chamada circuncisão feminina, amplamente praticada na África e em países islâmicos, que consiste na extirpação cirúrgica do clitóris das meninas, para que, ao longo de sua vida, elas não tenham qualquer gratificação emocional na prática do sexo.
O jornal Persona, edição nº 63, de novembro corrente, cita o Egito como exemplo, ao denunciar que 97% de suas mulheres sofreram aquela terrível mutilação. E desce a alguns detalhes repulsivos, citando mais 28 países africanos e do Oriente Médio onde, a cada minuto, quatro meninas sofrem mutilação parcial ou total de suas genitálias. E dramáticas são as condições em que essa prática se repete , sem qualquer precaução de ordem sanitária ou higiênica, com o uso de lâminas de barbear, machadinhas e até mesmo cacos de vidro.
As matérias publicadas, na edição de Persona que me chegou às mãos, são fartas em denúncias de violências contra a mulher, desde a mais tenra idade – porque violência não é apenas pancada física; pode, até, ser muito pior, como a exploração sexual de uma criança ainda impúbere. E isso é uma prática comum, não apenas nos paraísos asiáticos do sexo, ocorre bem perto de cada um de nós, aqui no Brasil , nas grandes cidades e nos pólos turísticos voltados para os visitantes estrangeiros.
A defesa da incolumidade física e emocional da mulher, como se vê, é um campo vastíssimo, que vai muito além de qualquer bloco social ou étnico; extrapola todos os critérios analíticos, intercomunica-se através das mais diversas atividades humanas. Contra ela se voltam até mesmo as mais recentes e festejadas descobertas da medicina, como as modernas técnicas de identificação do sexo dos fetos. Isso, em países como a China e a Índia, propicia uma avalanche de abortos de bebês do sexo feminino; em Bombaim, por exemplo, os hospitais atestam que em 95% dos abortos voluntários foram sacrificadas futuras meninas.
A afirmação é da ONU, em relatório publicado há poucos meses e reproduzido pelo boletim "Panorama", do Centro Feminino de Estudos e Assessoria, CFEMEA. O mesmo documento, aliás, dá números concretos aos atentados contra a mulher, no Brasil: os últimos dados disponíveis pela entidade afirmam que 16,4% dos crimes denunciados foram de ameaças, sendo que as agressões concretas representaram quase o dobro, 26,2% .
Sr. Presidentes, Srªs e Srs. Senadores, não temos o direito de nos eximir da responsabilidade de ampliar os mecanismos nacionais de proteção à mulher e de aliar-nos às forças que buscam tornar menos penosas as condições de vida feminina em países que, no vestíbulo do século XXI, fazem da barbárie e da covardia a sua política para a mulher.
Mas, repito, não podemos cair no estereótipo que procura conferir às classes mais baixas o monopólio da violência contra a mulher. Ao contrário, todas as pesquisas atestam a disseminação dessa prática covarde e aviltante; sucede, apenas, que a chamada elite procura ser mais discreta e evita levar às delegacias as explosões de agressividade ocorridas no âmbito doméstico.
De qualquer forma, o problema só poderá ser dado como atendido no momento em que a polícia não mais registrar sucessivos aumentos nas estatísticas de ocorrências desse tipo - e, acima de tudo, que todas as ocorrências desse tipo sejam efetivamente levadas ao conhecimento das autoridades e por elas atendidas.
Porque a maior das violências é justamente exigir da vítima o silêncio e a cumplicidade com seu agressor, numa submissão a regras que se prendem à mais tenebrosa pré-história do gênero humano.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.