Pronunciamento de Alvaro Dias em 02/12/1999
Discurso no Senado Federal
CRITICAS AO MODELO DE PRIVATIZAÇÃO ADOTADO PELO GOVERNO BRASILEIRO.
- Autor
- Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PRIVATIZAÇÃO.:
- CRITICAS AO MODELO DE PRIVATIZAÇÃO ADOTADO PELO GOVERNO BRASILEIRO.
- Aparteantes
- Geraldo Melo.
- Publicação
- Publicação no DSF de 03/12/1999 - Página 33346
- Assunto
- Outros > PRIVATIZAÇÃO.
- Indexação
-
- CRITICA, MODELO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS, MOTIVO, OCORRENCIA, DESTRUIÇÃO, PATRIMONIO DA UNIÃO.
- COMENTARIO, EXISTENCIA, RECONHECIMENTO, ERRO, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, ANDREA CALABI, PRESIDENTE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ALTERAÇÃO, CONTRATO, CONCESSÃO, EXPLORAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, MOTIVO, EXCESSO, AUMENTO, TARIFAS.
- DEFESA, IMPORTANCIA, GOVERNO FEDERAL, RECONSIDERAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, AREA ESTRATEGICA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, SERVIÇO, ENERGIA ELETRICA, SANEAMENTO BASICO.
O SR.
ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o modelo de privatização adotado no Brasil certamente será motivo de muita polêmica por muito tempo neste País. Tenho insistido no debate dessa questão, porque entendo ter o Brasil perdido já muito com o processo de privatização. O modelo é predador e vem dilapidando o patrimônio nacional de forma impressionante.
Agora o próprio Governo começa a reconhecer erros, por intermédio do Presidente do BNDES, Andrea Calabi. A imprensa nacional divulga: "Calabi ameaça mudar contratos se tarifas de concessões subirem demais. Considera diz que ganhos de produtividade precisam ser descontados". Diz a notícia:
"O Presidente do BNDES, Andrea Calabi, ameaçou ontem mudar os contratos de concessão de serviços públicos se o mercado não absorver os reajustes das tarifas que, nos últimos meses, provocaram alta da inflação. Segundo Calabi, ou o mercado se ajusta ou algumas cláusulas dos contratos poderão ser alteradas.
- Ou o mercado resolve, ou os mercados serão revistos - disse Calabi, após reunião com um dos articuladores políticos do Governo, o Ministro Pimenta da Veiga."
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não creio ser fácil alterar cláusulas contratuais firmadas pelo Governo, mas a manifestação do Presidente do BNDES é o primeiro reconhecimento do Governo de que o modelo é falho.
Houve uma preparação das empresas estatais para que algumas delas, especialmente, fossem entregues generosamente a empresas estrangeiras, numa espécie de presente de casamento real. Antes do leilão dessas empresas, o Governo promoveu o reajuste tarifário, em alguns casos chegando a 500% de reajuste, permitindo, por meio desses contratos que agora o Presidente do BNDES ameaça alterar, reajustes anuais de conformidade com a inflação ou quando houver imprevisto. O contrato não define que tipo de imprevisto vale para que uma empresa possa reajustar as tarifas.
Na verdade, essas empresas estatais foram utilizadas sempre pelo Governo para a política social, para a política de contenção do processo inflacionário com o congelamento tarifário. O Governo subsidiou tarifas, e é justo que o tenha feito, porque, num País com tantos problemas sociais, deve o Governo realizar políticas públicas de natureza social que possam significar um mínimo de distribuição de renda. O Governo procurou também, por meio das estatais, beneficiar setores estratégicos - como, por exemplo, o setor do petróleo e o setor do aço - com o fornecimento de matéria-prima com preços subsidiados, para que as empresas brasileiras pudessem competir com empresas multinacionais que vendem no nosso País os seus produtos industrializados.
Portanto, as empresas estatais cumpriam uma missão social relevante no País. Agora ocorre o contrário: há um apetite desmesurado pelo ganho fácil, pelo lucro. E o Governo facilitou o lucro. Essas empresas hoje proclamam lucros rápidos e fáceis. Mas é preciso destacar que o Governo as preparou para a obtenção desse lucro rápido e fácil. Passou, por exemplo, para o Tesouro Nacional dívidas das estatais que deveriam ser pagas pelas empresas compradoras. E, com essas dívidas, os juros decorrentes delas também deixaram de ser pagos pelas empresas compradoras.
O Governo engoliu aposentadorias das empresas estatais. É bom, para não ser irresponsável, citar exemplos. E cito dois exemplos. A Cosipa transferiu para o Tesouro Nacional R$1,5 bilhão, além de o Governo adiar o recebimento de R$400 milhões de ICMS atrasado. Entretanto, o Governo recebeu, com a venda da Cosipa, apenas R$300 milhões. É um negócio inexplicável. Até hoje não entendi o modelo de privatização do Brasil e, por isso, estou nesta tribuna constantemente questionando-o, na esperança de que o Governo me esclareça. Quem sabe estou redondamente equivocado? Quem sabe não compreendi esse modelo? É possível que eu não tenha a inteligência necessária para compreender esse modelo de privatização, e, por isso, desejo ser esclarecido sobre ele.
Cito um outro exemplo, nobre Senador Geraldo Melo: a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, antes da sua privatização, repassou ao Tesouro Nacional cerca de R$1 bilhão de compromissos. Portanto, as tarifas foram aumentadas nos momentos que precediam o leilão; houve até 500% de reajuste. E - pasmem - dois dias antes do leilão da Light houve um reajuste de tarifa para que a população do Rio de Janeiro pagasse posteriormente, a fim de engordar os lucros de uma empresa que se tornou administrada por estrangeiros.
As tarifas, portanto, foram aumentadas. A folha se tornou menor, porque o Governo também cuidou de demitir empregados das empresas estatais, preparando-as para a privatização. As dívidas - como eu já disse - foram eliminadas, como também foram eliminados os juros que recaíam sobre essas dívidas.
Daí o lucro rápido e fácil, talvez satisfazendo aqueles preconceituosos que sempre imaginaram ser a empresa pública, por natureza, incompetente, incapaz de atender às aspirações da sociedade com eficiência empresarial. Aliás, esse é realmente um preconceito. Sempre houve empresas estatais eficientes. É óbvio que, por omissão de alguns governantes, pela irresponsabilidade de outros, pela incompetência de tantos, algumas delas não se tornaram eficientes, mas elas não são por natureza incapazes, já que existem tantas empresas estatais que demonstram competência absoluta.
O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Álvaro Dias?
O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) - Ouço o aparte de V. Exª.
O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Álvaro Dias, e peço desculpas pela interrupção. O seu discurso não só abre a possibilidade dessa visão crítica de V. Exª em relação ao que aconteceu no passado, no início do processo de privatização - portanto, em relação àquilo que já foi feito -, mas também é uma advertência importante em relação ao que resta fazer. Há dois aspectos que precisavam ser registrados aqui, e eu o farei com muita tranqüilidade, porque, até agora, fui inteiramente favorável ao programa de privatização. O primeiro aspecto é: até onde se deve privatizar? A tese global da privatização não pode significar que estamos de acordo com a privatização universal do Estado. Há coisas, no Poder Público, como eu disse há pouco da tribuna do Senado Federal, que não podem ser privatizadas. A Polícia, a Justiça, o Fisco, acredito que não se cogite privatizá-los.
Isso significa que existe um limite a partir do qual se ingressa em uma área de atuação do poder público que não pode ser privatizada. Penso que, talvez, tenhamos excedido esse limite sempre que fizemos a privatização de alguma coisa que, uma vez privatizada, não está sujeita à competição, não está sujeita às regras do mercado. Isso talvez ocorra com as empresas distribuidoras de energia elétrica e também com aquelas que me preocupam fortemente hoje: as empresas distribuidoras de água e prestadoras de serviço de esgotamento sanitário. Não vejo como uma empresa dessa, privatizada, possa oferecer ao consumidor qualquer possibilidade de escolha. O outro aspecto tem a ver com a questão do formato da privatização propriamente dita. Veja V. Exª o caso das empresas de abastecimento de água: se há tanta necessidade de ampliar esses sistemas, por que se cogita de vender o que o Estado tem nas empresas e não, em vez disso, de promover um aumento de capital de tal maneira que os recursos novos que ingressem no País para adquirir esse controle sejam utilizados inteiramente, ou quase inteiramente, na ampliação dos serviços, e não no financiamento da retirada do Governo desse tipo de atividade? Acredito, portanto, que V. Exª oferece ao Senado Federal uma possibilidade de refletir com mais profundidade sobre essa questão e de avaliar, com base nos erros do passado - muitos dos quais V. Exª está assinalando -, o que deveria ser evitado daqui para frente. Por isso, quero me congratular com V. Exª e, desde já, lhe dizer que, em relação às empresas de abastecimento de água e esgoto, está em tramitação no Senado Federal um projeto pelo qual procuro disciplinar esse assunto e espero que a ele não falte o apoio fundamental de V. Exª.
O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) - Sem dúvida, Senador Geraldo Melo. Não somos contrários à privatização, seríamos retrógrados se assim nos colocássemos, mas pensamos em privatização como ocorreu na Inglaterra, na França, na Itália. O que combatemos é esse modelo predador de privatização que se instalou no Brasil. Não se privatizam empresas em áreas estratégicas como energia elétrica e saneamento básico!
Perguntem ao povo norte-americano por que os Estados Unidos não privatizaram as suas empresas de energia elétrica. O capital exemplar ou o capitalismo de forma absoluta é exercido naquela nação e, no entanto, seus governantes não privatizaram empresas do setor energético, ao contrário do que ocorre agora no Brasil.
Quanto o nosso País já perdeu com as privatizações? É impossível avaliar o prejuízo nacional. Eu não teria possibilidade de fazer esse tipo de avaliação, mas vamos a alguns exemplos particulares.
No setor de telecomunicações, alardeou-se um grande lucro do Governo brasileiro ao vender o sistema Telebrás por R$22 bilhões, com 40% de entrada, ou seja, R$8,8 bilhões, e mais duas prestações de 30% e financiamento do BNDES. Grande vantagem para o Governo Brasileiro! Esqueceu-se, no entanto, de dizer que, nos dois anos e meio anteriores, o Governo investiu R$21 bilhões em telecomunicações no País. Em dois anos e meio, investimentos de R$ 21 bilhões, e, logo a seguir, comemora-se um negócio de R$ 22 bilhões.
E, posteriormente ao leilão, os empréstimos do BNDES para investimentos! Empresas estrangeiras que chegam ao nosso País adquirem o nosso patrimônio por preço indiscutivelmente menor e passam a obter empréstimos privilegiados, em reais, por intermédio do BNDES, para novos investimentos, na esperança do atendimento às exigências contratuais estabelecidas pelo Governo brasileiro.
Esse setor de telecomunicações, posteriormente, em função também das concessões do nosso Governo, passou a importar serviços, peças, equipamentos, em detrimento da empresa genuinamente nacional, porque o Governo brasileiro permitiu absoluta liberdade tecnológica. Essas empresas decidem a tecnologia e preferem, evidentemente, importar serviços, peças, equipamentos da matriz localizada no exterior. Com isso, há a fragilização da empresa brasileira, a demissão de empregados e, em alguns casos, a concordata e a falência inevitável, a promoção do desemprego crescente no nosso País.
No setor financeiro, o que ocorreu, por exemplo, com o Banerj, no Rio de Janeiro? O governo do Rio de Janeiro tomou emprestado R$3,3 bilhões para o saneamento do Banco. Limpou o Banco, que se tornou enxuto, sem passivos, pois esses foram transferidos para o Tesouro Estadual. E o Banco foi generosamente ofertado por R$330 milhões.
O mesmo procedimento se dá, agora, no meu Estado, com o Banco do Estado do Paraná, que já foi, ao tempo em que tive a honra de governar aquele Estado, o 7º Banco no ranking nacional e o 2º Banco Estadual do País. Um extraordinário Banco, que contribuía de forma fantástica com o desenvolvimento estadual. O atual governo levou-o à falência, por uma prática administrativa de improbidades indiscutíveis. E o que faz agora? Toma emprestado R$5 bilhões do Banco Central para o saneamento do Banco do Estado, repassa para o Tesouro Estadual os podres lá existentes, os passivos, inclusive títulos podres denunciados na CPI dos Precatórios. O Banco, saneado, será vendido por cerca de R$400 milhões.
Se qualquer empresário no setor privado agisse dessa forma, tomando um empréstimo, vamos supor, de R$500 milhões para o saneamento de sua empresa e a vendesse depois por R$100 milhões, certamente seria acusado de loucura plena. E vamos acusar o Governo do quê?
Bom exemplo talvez seja o do Governador de São Paulo, que não permitiu esse tipo de ação administrativa perniciosa para os interesses do Estado. Lá no Paraná, o povo fica com a dívida de R$5 bilhões e o Governo dá de presente a sua instituição financeira, que era a alavancagem do desenvolvimento do Estado. Em São Paulo, não; o Governador defende os interesses de seu Estado. Transfere o Banespa para o Governo Federal, federalizando-o, e recebe cerca de R$1,9 bilhão. Há aí uma prática administrativa diferente. No Paraná, a realidade para o Governo é uma; em São Paulo, apesar de ser um Estado vizinho, é outra. Quem está certo: o Governador de São Paulo ou o Governador do Paraná?
Essas transações escusas, no mínimo, e eu não gosto de ser injusto, se não revelam desonestidade, fazem com que a incompetência seja alardeada, seja colocada à luz dos olhos da população. Uma incompetência absoluta!
Gostaria também, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nesta dissertação sobre as mazelas desse modelo predador de privatização no Brasil, de transferência de capital público para o setor privado de forma a empobrecer a população brasileira, de trazer mais um fato que considero triste: o capítulo das moedas podres. São aqueles títulos antigos, encalhados nas gavetas do setor público brasileiro, que são agora recuperados para que possam ser colocados como dinheiro vivo na aquisição de empresas estatais brasileiras. Aliás, títulos que são negociados com desconto de 50% e financiados pelo valor de face. O BNDES financia-os integralmente, o que significa que esses títulos passam a ter um valor vinte vezes menor, para a empresa estrangeira que adquiriu a empresa estatal, do que o valor do empréstimo efetuado pelo BNDES.
Implica dizer que, no início do processo de privatizações, algumas empresas estatais no Brasil foram negociadas sem que os seus compradores tivessem que disponibilizar um centavo de dólar sequer, porque se valeram dos empréstimos do BNDES e apresentaram as tais moedas podres como complementação do pagamento que deveriam realizar.
O SR. PRESIDENTE ( Carlos Patrocínio. Faz soar a campainha.)
O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR) - A Companhia Siderúrgica Nacional, por exemplo, um patrimônio histórico do nosso País, foi vendida por R$1,05 bilhão, dos quais R$1,01 bilhão com moedas podres, financiadas pelo BNDES por 12 anos.
É difícil defender esse tipo de transação. Dinheiro público não pertence individualmente a ninguém. É por isso que não é valorizado?
Sr. Presidente, vou atender ao chamamento de V. Exª e concluir este pronunciamento, este capítulo, porque voltaremos a falar sobre ele. Creio ser este um dos temas fundamentais para o debate nesta Casa no momento, quem sabe com a esperança de corrigir rumos. O prejuízo passado não se recupera. Mas quem sabe possamos ainda evitar prejuízos futuros?
Temos empresas estatais ainda não privatizadas. No meu Estado, o Governo anuncia a venda da Companhia de Energia Elétrica, modelo de empresa estatal no País: competência ímpar, know-how, inteligência técnica, eficiência, prestação de serviço público, alavancagem do desenvolvimento industrial do meu Estado. Querem vendê-la a preço de banana - se não for ofensa para a banana, tal o preço que acabam definindo para a entrega de empresas estatais, construídas pela população brasileira com sacrifício, com esforço, com trabalho, durante décadas. Entregam essas empresas como se fossem presentes em dia de casamento real.
Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.