Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTANCIA DOS SIMBOLISMOS, DAS FESTAS E DAS UTOPIAS. ANALISE DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • REFLEXÕES SOBRE A IMPORTANCIA DOS SIMBOLISMOS, DAS FESTAS E DAS UTOPIAS. ANALISE DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/1999 - Página 33393
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, ANUNCIO, AUMENTO, MENSALIDADE, ESCOLA PARTICULAR, ESPECIFICAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, CRITICA, FALTA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, AUSENCIA, PRIORIDADE, QUALIDADE.
  • ANALISE, INSUFICIENCIA, ESCOLA PUBLICA, NIVEL SUPERIOR, ATENDIMENTO, FORMANDO, ENSINO DE SEGUNDO GRAU, AUMENTO, CRIAÇÃO, FACULDADE, INICIATIVA PRIVADA.
  • IMPORTANCIA, INICIATIVA PRIVADA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, ENSINO SUPERIOR, MELHORIA, OPORTUNIDADE, EMPREGO, DEFESA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Carlos Drummond de Andrade, certa feita, afirmou que uma das prerrogativas do décimo terceiro salário é a de criar a oportunidade de os outros planejarem o seu uso.  

Lembrei-me dessa abordagem do poeta em face do que vem ocorrendo nestes dois últimos meses do ano em curso, com o acirramento provocado pelo simbolismo ainda mais carregado de sensibilidade diante da chegada do terceiro milênio: o comércio vive dias de expectativa e se está programando para o aumento das vendas, com os olhos voltados para a captura do décimo terceiro. No setor de turismo e lazer, há programações para virada do ano de todos os tipos, gostos e alcances.  

Nada contra as festividades, nada contra os simbolismos do final de um século ou do início do próximo. O ser humano necessita da festa. A festa projeta um mundo melhor, dias mais felizes, sucessos duradouros e crescentes. E quem não almeja dias melhores no meio de uma sociedade cada vez mais pródiga de violências? A violência dos assassinatos, a violência das drogas, a violência da corrupção, a violência da falta de sentido e de utopias, a violência da privação, para uma imensa maioria, dos meios essenciais para um bem-estar mínimo?  

Bem-vindas, portanto, as festividades! Cumpre, no entanto, um alerta, para que o efeito da festa ou das festas tenha sustentação por tempo mais longo, um tempo que ultrapasse um simples começo de ano novo. Um alerta que chame a atenção para alguns fatos que são engendrados nesses períodos para serem cumpridos no decorrer da etapa que se inicia. Refiro-me à questão do aumento dos preços, justificados por meio de hipóteses várias fundadas todas no comportamento do famigerado livre mercado: são remarcações, reajustes, realinhamentos, recomposições, reposições, repasses, compensações.  

Quero comentar nesta fala, o que já se vem ouvindo em relação às mensalidades das escolas particulares para o ano 2000. Restrinjo-me especificamente ao ensino superior ministrado pelas faculdades particulares, um setor que representa um pesado custo para a numerosa clientela dessas instituições, seja pela quantidade de alunos, seja pelas condições econômicas da grande maioria deles.  

Do ponto de vista quantitativo, no ensino superior particular, hoje, estão matriculados aproximadamente 1 milhão e 300 mil alunos. Esse número corresponde a 64 por cento do total de universitários do Brasil, matriculados nas 973 instituições de nível superior espalhadas pelo País. Nos últimos tempos, a velocidade do surgimento de escolas particulares de ensino superior no Brasil chega a ser surpreendente: de 1996 a 1999, criaram-se duas faculdades por mês.  

No que diz respeito ao Distrito Federal, entre 1994 e 1998, o número de instituições particulares de nível superior cresceu de 14 para 23. Tal fato deveu-se ao aumento de alunos egressos do ensino médio, hoje, ao redor de 18 mil por ano. Em 1998, a Universidade de Brasília - UNB, única instituição pública local de ensino superior, tinha uma disponibilidade de apenas 3 mil e 784 vagas, ficando de fora, portanto, 14 mil estudantes, candidatos ao ensino superior.  

O percentual desses candidatos deverá ainda aumentar nos próximos anos diante da cada vez mais restrita capacidade do setor público de atender à crescente procura do ensino superior. De acordo com os dados do Ministério da Educação, o número de matrículas no ensino médio cresceu significativamente nos últimos anos. Tal fato indica que, em curto e médio prazo, haverá crescimento da demanda por ensino superior. Além disso, deve-se levar em conta a existência de uma considerável demanda reprimida, verificável quando se considera que, no Brasil, apenas 12 por cento dos jovens de 18 a 21 anos de idade se encontram matriculados em cursos superiores, percentual consideravelmente inferior, por exemplo aos 20,6 por cento do Chile e da Bolívia, aos 26 por cento da Venezuela e aos 46 por cento da Argentina.  

Do ponto de vista econômico, as universidades e faculdades particulares possuem um imobilizado correspondente a 1 bilhão e 600 milhões de reais, com 4 milhões de metros quadrados de área construída. Trata-se inclusive de um agregado em evolução: cerca de 200 instituições estão acrescentando mais de 3 milhões de m2 a seu patrimônio, isso sem falar dos investimentos com mobiliário, laboratórios e tecnologia.  

Nelas, exercem efetivamente atividades docentes 164 mil professores. Nos prontos - socorros, são assistidas, anualmente, cerca de 1 milhão de pessoas, são feitos 441 mil atendimentos em centros de reabilitação, 973 mil em clínicas odontológicas e 75 mil nos ambulatórios, segundo dados apresentados por Gabriel Mário Rodrigues - Presidente do Sindicato das Matenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo. (A força econômica e social do ensino superior privado, in Correio Braziliense de 17 de outubro de 1999).  

Na verdade, com a estagnação da atividade relacionada ao ensino superior público, a democratização do acesso à universidade para milhões de jovens brasileiros deu-se graças à iniciativa privada que lhes abriu as portas do mercado para melhores oportunidades de trabalho.  

É fato incontestável que a educação é fator decisivo para ampliação das oportunidades de emprego no mercado de trabalho. De acordo com levantamentos realizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, entre os profissionais com nível superior, apenas 3,2 por cento estão desempregados, enquanto que 14,3 por cento dos que concluíram o ensino médio estão sem trabalho.  

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, os dados apresentados até aqui esboçam o peso representado pela sustentação dos estudos superiores pela grande maioria das famílias brasileiras.  

É equivocada a visão de quem julga essa massa de estudantes das instituições superiores particulares de competência inferior por não terem conseguido vencer no vestibular da universidade pública, deixando no ar a impressão de que estudar em faculdade particular corresponde a um castigo pelo desleixo nos estudos. Na verdade, o problema aloja-se simplesmente numa questão de oportunidade. O vestibular, de modo geral, não pode ser considerado um teste de inteligência, um concurso seletivo, demonstrativo de preparação e qualificação. Em geral, é apenas uma questão de oportunidade.  

O que acontece, na verdade, é que esses jovens cidadãos brasileiros sofrem as conseqüências da incapacidade do Estado em proporcionar-lhes estrutura adequada para cursar estudos de nível superior, uma necessidade impostergável nas atuais circunstâncias históricas. Na verdade, são cidadãos acossados de forma polivalente: pelo Estado e pela chamada industrial particular da educação. Por aquele, em função de sua incapacidade de fornecer estruturas em suficiência, e por esta porque, na esteira da incapacidade daquele, avança sobre a economia das famílias, estabelecendo e reajustando mensalidades cujos valores nem sempre primam pela transferência e pelo respeito para com a realidade da clientela e do mercado.  

É verdade, seria ingênuo pensar em beneficência e caridade. Patrocinar ensino superior tem custos e são custos altos. Tais custos devem ser obviamente ressarcidos. Além disso, é justa uma bem equacionada remuneração dos promotores do ensino superior particular. Por essa razão, falei em transparência e realismo, características que devem manifestar-se nos orçamentos, nas planilhas, nas metas, na qualidade do ensino ministrado. Não é cabível, por exemplo, que as faculdades particulares projetem para o ano 2000 aumentos de até 50 por cento em suas mensalidades, sem nenhum entendimento, informação ou consideração prévia. Uma semelhante proposta, ou a simples notícia de que uma proposta assim está em cogitação já é suficiente para alarmar e difundir uma sensação de impotência diante da extorsão, especialmente quando o índice inflacionário, de acordo com os dados oficiais, não ultrapassou 10 por cento.  

É claro a gestão educacional deve ser conduzida com critérios empresariais, visando à diminuição dos custos e à eficiência dos resultados, no entanto, considerar um empreendimento educacional sob o prisma do investimento maximamente lucrativo em um país em desenvolvimento soa no mínimo esdrúxulo. Essa é, porém, a idéia que surge quando se considera o enorme interesse na multiplicação dos cursos e na pouca atenção para com a qualidade do ensino e a decorrente qualificação do estudante universitário. Em termos de propostas de abertura de cursos, o Ministério da Educação, nos últimos três anos, recebeu nada menos que 5 mil pedidos novos. Concedeu autorização para 647, isso sem considerar as universidades as quais têm poder de criar ou extinguir cursos quando e quantos quiserem. Em matéria de faturamento, no ano de 1998, o ensino superior particular foi um negócio de 4 bilhões e 2 milhões de reais.  

Com crescimento desenfreado e sem o devido controle de qualidade, o panorama do ensino superior no Brasil abre o horizonte para uma série de dúvidas. As faculdades não têm compromisso com a pesquisa, orientam-se, de preferência, para a formação de profissionais para o mercado de trabalho. O que pensar, porém, quando se verifica que aproximadamente 50 por cento dos bacharéis em direito de Brasília não conseguem aprovação no exame de admissão da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB? Como entender quando, em São Paulo, esse percentual chega a 70 por cento? E o que acontece nos concursos para as carreiras jurídicas, onde a reprovação vai para 90 por cento?  

Todo fim de ano constitui-se período de planejamentos e projeção de metas. Preocupa-me, no entanto, quando o que transparece em termos de planejamento e de metas são apenas equações matemáticas voltadas predominantemente para a excelência dos aspectos financeiros. Preocupa-me o sentimento de que as famílias brasileiras se vejam sem forças diante de decisões herméticas e unilaterais e diante de um Estado que pouca esperança suscita quanto à capacidade de administrar conflitos.

 

Na recente conferência sobre Administração Progressiva no Século XXI realizada na cidade italiana de Florença, entre todas as teses relacionadas com o que se convencionou chamar de terceira via, sobressaiu a convicção da primazia da educação para superar o "fosso digital" entre os países cujos habitantes usufruem de tecnologia de ponta e da internet e aqueles que não têm acesso a esses recursos. Para Tony Blair, educação não é apenas uma questão social, a educação tornou-se uma questão econômica central. Na conferência, firmou-se a certeza de que a resposta aos desafios de um mundo em transformação depende sobretudo da capacidade individual e cabe ao Estado, de qualquer latitude, controlar as estruturas voltadas para o desenvolvimento dessa capacidade, zelando por uma educação adequada.  

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, desejei fazer essas observações para sublinhar a importância dos efeitos duradouros dos simbolismos, das festas e das utopias. Sem efeitos duradouros, as festas, os simbolismos e os décimos terceiros serão apenas eventos que precedem longos períodos de desilusão, diante de necessidades fundamentais e permanentes como a necessidade da educação, fator que toca essencialmente a forma constituinte de uma nação.  

Era o que tinha a dizer!  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/1999 - Página 33393