Discurso no Senado Federal

CONCLUSÕES DO ENCONTRO NACIONAL DO PPS, REALIZADO EM BRASILIA, NO ULTIMO FINAL DE SEMANA. (COMO LIDER)

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • CONCLUSÕES DO ENCONTRO NACIONAL DO PPS, REALIZADO EM BRASILIA, NO ULTIMO FINAL DE SEMANA. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/1999 - Página 34042
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, RESULTADO, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), DEFESA, ETICA, ATIVIDADE POLITICA, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE, OBJETIVO, RETOMADA, DESENVOLVIMENTO, EXTINÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, APOIO, REFORMA TRIBUTARIA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, AGILIZAÇÃO, JUSTIÇA, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, VIOLENCIA, PAIS, IMPORTANCIA, DESCENTRALIZAÇÃO, PODER.

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS - PE. Como Líder, pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dou conhecimento à Casa, para que conste nos Anais, da declaração política aprovada pelo Encontro Nacional do PPS, realizado no último final de semana aqui em Brasília.  

Manifesto pela democracia, pelo diálogo e pela esperança.  

O mundo que abre as portas do Século XXI apresenta um quadro contraditório e ainda dominado pelas desigualdades sociais, mas está melhor. A democracia se afirma cada vez mais como um valor universal, embora persistam ações golpistas e práticas totalitárias. O fenômeno da globalização abre a possibilidade real da construção de uma nova ordem mundial regida pela paz, pela democracia e pelo progresso social, apesar dos revezes sofridos, dos conflitos regionais e localizados, da persistência da intolerância e do arbítrio. A própria concentração mundial de riqueza a favor dos países mais desenvolvidos, que se tem intensificado, não é uma fatalidade e poderá ser revertida. A consciência acerca da preservação da natureza e da prevalência internacional dos direitos humanos já deita fortes raízes em todas as culturas.  

A revolução científica e tecnológica possibilita e contribui para ampliar a expectativa de vida de homens e mulheres. Esses avanços devem ser mediados por políticas e paradigmas democráticos que evitem riscos de uma sociabilidade perversa. A humanidade, hoje, detém conhecimentos e instrumentos com potencial incalculável para resolver os dramas que ela própria gerou ao longo de sua caminhada pela história.  

O novo mundo que emerge na virada do milênio é cada vez mais integrado. Esse processo, contudo, é conduzido quase exclusivamente pelos mercados, por definição, cegos e surdos a vários valores e aos efeitos que produzem em outros campos. O mundo demanda uma globalização democrática, não excludente, que controle os fluxos financeiros e eleve os padrões de desenvolvimento humano, do direito internacional e da justiça social. A nova época não comporta países que insistam em ser gendarmes e controladores dos destinos do Planeta. A crise das ideologias reafirmou valores civilizatórios universais, em que pese a ofensiva do chamado pensamento único e de ideologias conservadoras que almejam moldar o mundo apenas aos valores do mercado. A utopia e o sonho por mais igualdade continuam a embalar partidos, movimentos sociais e o pensamento de milhões de pessoas.  

O século XXI cria condições favoráveis para se pensar com otimismo o futuro da humanidade. Mesmo assim, enormes desafios como as crises de civilização e ambiental, a exclusão social e a dificuldade de acesso à cultura para milhões de pessoas terão que ser resolvidos. Novas formas de ação política precisam ser inventadas. Na ordem do dia, por exemplo, já está colocada a proposta de criação de um espaço político planetário para a afirmação dos valores humanos e democráticos, abrindo perspectivas radiantes para a história da civilização. As políticas públicas não devem formular o local e o global como se fossem processos antagônicos.  

A Nação brasileira, neste final de século, apresenta grandes avanços democráticos e um despertar crescente da importância da cidadania e não corre o risco do caos e da sua desconstituição. Apesar dos gravíssimos desequilíbrios sociais e regionais, a economia do País oferece muita vitalidade, o que assegura a esperança e a possibilidade da retomada do desenvolvimento, sob novos paradigmas.  

Cenário de retrocessos políticos e ditaduras que se prolongaram no tempo, o Brasil que se aproxima dos 500 anos fez as pazes com a democracia, caminho único e insubstituível para refundar a República e harmonizar os interesses da sociedade na direção das maiorias sociais. A cidadania começa a deixar de ser sinônimo de regulamentação de direitos apenas do mercado para, aos poucos, reclamar a sua condição de fiadora de uma nova organização social, política e econômica.  

As potencialidades da Nação neste século, entretanto, não foram plenamente utilizadas para resolver a angústia e a desesperança que rondam o nosso povo. A crise estrutural que nos acompanha é fruto de políticas equivocadas e excludentes de vários governos. E ela permanece. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, no início do seu Governo, dava sinais no sentido de avançar para uma ampla coalizão democrática, preferiu ceder a um bloco conservador e a um pacto político de concepção neoliberal, concepção esta já derrotada em inúmeros países.  

A estabilidade da moeda, política sempre defendida pelo PPS, é uma conquista a ser preservada. O fim da inflação funcionou como instrumento de distribuição de renda e incorporou ao mercado milhões de brasileiros, mas não criou as bases de uma política de desenvolvimento. Na atualidade, os próprios índices que apontam para uma melhoria nas condições gerais de parcela das massas empobrecidas são mais o resultado da força da nossa economia, do Brasil do interior e da economia informal do que da capacidade de intervenção do Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso e das atuais políticas públicas.  

As reformas reclamadas pela sociedade não foram realizadas em sua plenitude, bloqueadas pela política de conciliação do Palácio do Planalto com a sua base de sustentação e as oligarquias regionais. Temos ainda um Estado privatizado, que não dá mostras de competência nem de vocação verdadeiramente pública quando está em jogo a prestação de serviços à sociedade. Há necessidade de uma moderna relação entre o Estado e a sociedade civil, dentro de uma parceria que afirme espaço público e assuma novas funções e responsabilidades.  

O atual Governo é o principal responsável pelos déficits comerciais, o endividamento público, o desemprego, a descapitalização das empresas nacionais, a queda da qualidade de vida de amplos setores da classe média, as privatizações selvagens e grande parte delas lesivas aos interesses nacionais.  

O Brasil, embora em crise, não pode ser classificado como um país sem saídas ou situado à beira do precipício. A resistência do seu povo e de sua própria economia agora alicerçada em um regime democrático garante a renovação da esperança e permite imaginar um novo padrão de desenvolvimento. Não nos marcos do atual sistema de poder instalado, mas liderado por um bloco de força de centro-esquerda, do qual o PPS é importante parceiro.  

A partir disso, Sr. Presidente, o nosso documento define alguns dos princípios básicos e seus objetivos. Fala da ética, algo que merece capítulo especial em ação política de quaisquer dos partidos políticos brasileiros, até porque é uma exigência da sociedade.  

Situamos também como objetivo fundamental, do ponto de vista econômico, a retomada do desenvolvimento, que nos causa preocupação, já que hoje ressurge a ameaça da volta da inflação. É necessário ter a clareza de como impedi-la, até porque quem perde não são os setores que sempre foram dominantes, nem o Governo, que ganham com a inflação, mas a grande maioria do nosso povo, os assalariados, e o capital produtivo.  

Combate às desigualdades. Talvez seja a grande questão a ser inserida pelo Partido Popular Socialista na sua perspectiva, na sua vocação de poder e nos seus objetivos de alcançá-lo. O nosso Brasil talvez tenha sido o país que mais cresceu, pois teve recordes de índices de crescimento do seu Produto Interno Bruto. Melhoramos condições sociais, mas não conseguimos evitar que aqui houvesse uma sociedade mais perversa do ponto de vista da desigualdade e injustiça. O Brasil é o campeão mundial de injustiça social. E quem pensa em lutar pela igualdade de oportunidades evidentemente tem de lutar fundamentalmente contra a desigualdade. Esse é um combate que o PPS considera essencial ao seu objetivo político de conquista do poder.  

Meio ambiente. Hoje é crise planetária e preocupação de todos os partidos e de todo o mundo. Preocupação que determina este século XX. São questões emergentes. Ao discutir-se o que marcou o século XX, costumo dizer que não foi o combate entre o capitalismo e o comunismo, sendo, no final, vitorioso o capitalismo com o fim da experiência do socialismo real. Talvez este século seja marcado pela emergência de questões predominantes no século do futuro: a questão da mulher, do gênero, da sua libertação, sua ascensão política em toda humanidade e a questão do meio ambiente. A luta contínua da sociedade nessa sua relação intensa ser humano-natureza.  

Nesse ponto, partimos para questões pontuais. No documento, definições sobre aquilo que é agenda do debate, seja no Congresso, seja na sociedade brasileira. Não apenas para definir o que demonstra a expectativa de um partido que marcou este século. Eu comentava, no nosso encontro, que este século tem conosco uma relação muito intensa. Desde 1922, recebe nossos manifestos, alguns deles de esperança, outros profundamente equivocados, mas todos muito vinculados à história do povo brasileiro, com o compromisso de transformação e com a utopia e o sonho da sociedade mais justa.  

Este é o último documento do século, não teremos nenhum outro manifesto e estamos nos preparando para o século XXI. É fundamental que tenhamos, portanto, uma visão da expectativa e da esperança, mas não podemos nos esquecer da conjuntura, de como agora temos que votar, de como agora temos que nos posicionar. E vamos nos posicionar em relação à reforma tributária, entendendo ser fundamental a sua imediata aprovação pelo Congresso Nacional.  

Discutimos aqui alguns avanços na sua formulação, seja em relação ao IVA - Imposto Sobre Valor Agregado, seja em relação à incidência de tributos sobre as heranças e doações. Há discussões sobre a CPMF, inclusive com contradições do partido; considerando a sua importância não como mais um imposto, mas como sucedâneo de algumas das tributações ou contribuições existentes. Considerando tudo isso, este partido, no início do Governo Fernando Henrique Cardoso, talvez tenha se distanciado e se diferenciado da Esquerda ao discutir a necessidade da reforma democrática do Estado brasileiro. E continuamos afirmando que é fundamental a reforma democrática... (Pausa)

 

Estamos terminando, Sr. Presidente. Há mais de dois itens a serem apreciados.  

Já nos referimos à reforma da Previdência inúmeras vezes, e até eu poderia falar muito mais; todavia, vou levar em consideração a questão do tempo, até porque tenho uma proposta concreta de reforma radical da questão da Previdência. Considero que ela está ferida de morte pelo seu sistema básico, que é de repartição simples. E temos que discutir a capitalização da Previdência. Sem a capitalização não teremos uma solução, mesmo que enfrentemos a questão das injustiças, dos privilégios, da malversação, da arrecadação equivocada. Medidas como o aumento de alíquota ou cobrança de inativos são meramente paliativas. Repito: é fundamental mudarmos o sistema da Previdência, tornando-o um sistema de capitalização básico de repartição universal .  

Essa é uma proposta nossa e do Deputado Eduardo Jorge, do PT. São dois os critérios que estamos definindo.  

Em relação à reforma do Judiciário, em princípio, votamos contra o projeto que está na Câmara, porquanto algumas das questões ali contempladas são contrárias a uma visão democrática. São centralizadoras, e em tudo no mundo busca-se o local, embora com a visão do global. É fundamental pensar o poder local, é fundamental também pensar numa Justiça que se abra para a cidadania. Não se pode pensar que se vai garantir melhores condições para a governabilidade, concentrando poder nos tribunais superiores. Não é com o efeito vinculante, não é com a avocatória, que vamos resolver a questão da Justiça no Brasil. Para resolver esse problema é preciso acabar com a impunidade, é preciso ampliar o raio de ação da Justiça, é preciso dar-lhe mais agilidade e, fundamentalmente, é preciso ter uma Justiça democrática, com controle da sociedade.  

Poderíamos voltar a esse assunto, mas não temos tempo agora. Ainda bem que fiz o aparte, porque talvez pudesse criar um contraditório desnecessário nessa questão, uma vez que avançamos em virtude da clareza e, eu diria, do bom senso que presidiram os trabalhos da CPI do Judiciário.  

Em relação à violência e à CPI do Narcotráfico, eu diria que, apesar de alguns excessos, a CPI do Narcotráfico tem prestado um grande serviço ao país. O primeiro deles foi mostrar que se pode combater o crime organizado num sistema democrático. Essa talvez seja a grande conquista que estamos vendo. Alguns, mais apressados, ficam imaginando que se poderia chamar as Forças Armadas e modificar a institucionalidade, como se fosse necessário um regime de exceção para combater o crime organizado. Há o exemplo da Itália - que evidentemente é distinto -, que combateu o terrorismo das Brigadas Vermelhas sem atingir em nada as liberdades democráticas no país, mantendo todas as instituições em funcionamento. E não era um terrorismo qualquer. Da mesma forma, precisamos combater o crime organizado, é preciso combater todo e qualquer atentado que exista contra as instituições dentro das instituições democráticas. E essa conquista, estamos obtendo-a com a CPI do Narcotráfico.  

A violência, que tanto preocupa os cidadãos - talvez mais do que o desemprego - é questão que não pode ser resolvida pondo em prática algumas idéias que o senso comum busca com muita facilidade. Buscam a solução na pena de morte, na diminuição da imputabilidade para menores de 16 anos e no agravamento da pena.  

Temos uma visão humanista, completamente diversa. Não é com pena de morte, não é com diminuição da imputabilidade de menor idade e não é com agravamento de pena que acabaremos com a violência; ao contrário, a solução está nas penas alternativas. É a visão humanista que esse partido de há muito tem e que é afirmada também quando se discute a questão do combate à violência. É preciso combater a violência, porque ela é hoje uma grande chaga em todas as nossas grandes cidades.  

E a penúltima questão - a última é questão das alianças - é o objetivo do nosso encontro: o poder local. O partido tem a visão de que a democracia se exerce fundamentalmente onde o cidadão vive, onde o cidadão tem que ser atendida no seu cotidiano, nas suas necessidades , e isso está no Município. Então o poder local é o poder mais democrático, é o que melhor pode exercer controle. Também é o poder que necessita de maioridade entre nós. Não pode viver de pires na mão, dependendo do Governo Federal. É preciso encontrar potencialidades em cada um dos nossos municípios.  

Falam das décadas perdidas. Talvez possamos dizer que se não as perdemos totalmente, isso ocorreu, em grande parte, pelas administrações que alcançaram grande êxito na maioria dos municípios brasileiros.  

Devemos experimentar esse potencial em uma visão municipalista de descentralização na saúde e na educação. No caso da saúde, aproveitando-se e apropriando-se do positivo: o Fundef.  

Este país não pode continuar remunerando doença. Tem de transferir recursos de saúde em função do número de habitantes de cada município brasileiro e não em função de internamentos, de doenças e de interesses da Medicina privada. Se não houvesse o desperdício, a malversação e a corrupção em relação à saúde neste país, talvez não precisássemos estar aqui discutindo aumento da arrecadação para a saúde, especificamente. Precisamos pensar sobre isso e talvez começássemos a pensar se o poder local insistisse na mudança básica de transferência de recursos para a saúde, transferindo recursos vinculados ao número de habitantes de cada Município, como se faz para a educação, caso em que é considerado o número de alunos matriculados na rede municipal. Talvez o Fundef precise de mais recursos do Governo Federal, que são poucos.  

Por último, discutiremos talvez também no poder local a municipalização da reforma agrária, a municipalização da educação de forma radical e, por fim, a questão das alianças. Quero anunciar que amanhã terei um encontro marcado com o Presidente do Partido dos Trabalhadores, Deputado José Dirceu. Isso não foi fruto do nosso encontro, até porque o Partido, há muito tempo, já havia definido que queria diálogo com todas as forças democráticas -evidentemente, o PT se situa no campo democrático e no campo de esquerda -, mas em virtude do Congresso do PT. Quando se imaginava que talvez os setores mais radicalizados no processo impedissem uma visão mais ampla na busca das alianças, o PT terminou o seu congresso abrindo a perspectiva da amplitude. Fixou’ critérios e quer debater com o PPS, de acordo com um programa. O PPS não pediu outra coisa – não desejamos falar sobre interesses menores oportunistas, mas acerca de um projeto político de poder para o País. Em virtude dessa decisão, entraremos em contato amanhã com o PT, dando a dimensão da vocação do nosso partido, vocação aliancista, voltada para o diálogo e para a capacidade de discutir com todas as forças, com o respeito que impôs perante a sociedade e os adversários.  

Com essa posição, o PPS vocaciona-se para disputar o poder em 2002. Vamos discutir 2000, que é talvez o primeiro passo para construirmos um grande bloco de alianças de centro-esquerda. Oferecemos a candidatura Ciro Gomes como alternativa desse bloco, que pode ser perspectiva de esperança, de diálogo, de democracia e de um Brasil melhor.  

Muito obrigado.  

 

u/


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/1999 - Página 34042