Pronunciamento de Carlos Patrocínio em 08/12/1999
Discurso no Senado Federal
CAUTELA NA REFORMA DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA, EM PARTICULAR COM RELAÇÃO A TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES HEDIONDOS.
- Autor
- Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
- Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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LEGISLAÇÃO PENAL.:
- CAUTELA NA REFORMA DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA, EM PARTICULAR COM RELAÇÃO A TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES HEDIONDOS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/12/1999 - Página 34231
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
- Indexação
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- DEFESA, REVISÃO, MODERNIZAÇÃO, CODIGO PENAL, CRITICA, COMISSÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), URGENCIA, ESTUDO, FALTA, TEMPO, ATENÇÃO, COMPLEXIDADE, ASSUNTO, AUSENCIA, DIRETRIZ.
- QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ALTERNATIVA, PENA, OBJETIVO, REDUÇÃO, PRESO, REVOGAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DEFINIÇÃO, CRIME HEDIONDO, APREENSÃO, ORADOR, FALTA, SEGURANÇA, SOCIEDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME.
- DEFESA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, REVISÃO, CODIGO PENAL, APROVEITAMENTO, ESTUDO, JURISTA.
O SR. CARLOS PATROCÍNIO
(PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há já alguns anos, o Executivo e o Legislativo discutem sobre a necessidade de reforma na legislação penal brasileira, visando a abranger crimes novos, decorrentes da modernização, que chocam a sociedade. A escuta telefônica, o assédio sexual, as invasões de hackers nos sistemas de informática, os crimes contra o meio ambiente, entre outros, enquadram-se na categoria de crimes cujas penas devem ser bem definidas, a fim de que não pairem dúvidas sobre a sua gravidade.
Elaborado em 1940, o nosso Código Penal não poderia prever toda uma gama de tipos de crime que viriam a acontecer no decorrer dos tempos. O atraso em relação às modificações sociais obriga os legisladores a pensar, permanentemente, em reforma desse ordenamento jurídico. É necessário adaptá-lo às modernas idéias da Criminologia e enquadrar em seus artigos as novas figuras delituosas decorrentes de fatos puníveis, antes não imaginados. A importância de tornar eficaz o Código Penal tem dominado os legisladores desde a sua edição.
Por essa razão, diversas foram as tentativas de modificação total do Código Penal brasileiro nos últimos 50 anos. Inúmeras leis foram elaboradas visando à atualização desse estatuto de nosso Direito positivo. Muitas leis que o modificaram já se tornaram obsoletas, e a legislação extravagante, sem que seja simplesmente revogada, precisa ser revista para que possa conviver com um novo Código Penal.
Essa preocupação vem ocupando os juristas desde o tempo do Império. O nosso primeiro Código Criminal data de 1830 e um novo Código Penal surgiu na mudança da Monarquia para a República. Mas só quase cem anos depois, graças aos esforços de Vicente Piragibe, foram consolidadas todas as nossas leis penais no Código Penal brasileiro, completado com as leis modificadoras em vigor. Poucos anos depois, novos delitos, até então não previstos, foram acrescentados ao novo Código Penal de 1940, o Código do Estado Novo, como os crimes contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, os crimes de falência e de imprensa e os crimes de responsabilidade do Presidente da República e dos Governadores, entre outros.
Leis extravagantes punindo tipos de crime não previstos ou mal previstos no Código Penal começaram a ser sancionadas, valendo lembrar, nas décadas de 60 e 70, as referentes a ilícitos administrativos e fiscais. De qualquer maneira, as modificações introduzidas não seguiram um critério uniforme e, algumas vezes, agrediram princípios fundamentais do Direito Penal. Diversas comissões dedicaram-se ao estudo da reforma do Código Penal brasileiro nos últimos anos. A influência da mídia, dedicando páginas e páginas a crimes inabituais, fazia com que os Ministros da Justiça decidissem estudar a fundo o assunto.
Reformas parciais como as acontecidas com as Leis nºs 7.209 e 7.210, de 11 de julho de 1984 - a primeira alterando a Parte Geral do Código Penal, e a segunda regulando os problemas de execução penal -, foram paliativas, uma vez que não resolveram definitivamente o assunto. Em 1963, houve uma tentativa de reforma global do Código Penal, com a publicação do Anteprojeto Hungria, que havia sido examinado por três diferentes comissões no Ministério da Justiça. Entretanto, só em 1969, por meio do Decreto-Lei nº 1.004, foi sancionado o novo Código Penal, cuja vigência foi protelada indefinidamente, durante dez anos, e acabou não entrando em vigor.
Nova comissão trabalhou para a reforma da Parte Especial do Código Penal e da Lei das Contravenções Penais durante os anos de 1983 e 1984. O texto final, entregue ao então Ministro da Justiça, Deputado Ibrahim Abi-Ackel, só foi publicado três anos depois e, como os demais estudos, também caiu no esquecimento. Em 1992, houve nova tentativa de reforma por meio de uma comissão integrada por grandes especialistas de Direito Penal, tendo à frente o Ministro Evandro Lins e Silva. Apesar de todo o esforço, não foi possível concluir os trabalhos devido à exigüidade do prazo. A comissão elaborou um esboço que deveria receber sugestões da classe penalista e da sociedade em geral.
O único aproveitamento do esboço Evandro Lins, concluído no fim do Governo Itamar Franco, é o de que ele deveria servir de base para nova comissão instalada em 1997, por iniciativa do então Ministro e nosso Colega, eminente Senador Iris Rezende. Tal comissão, embora devesse examinar todos os trabalhos anteriormente realizados, acabou precipitando-se em suas atividades, tentando cumprir um prazo prefixado, procedimento que levou famosos juristas, como Miguel Reale Júnior, Juarez Tavares e René Ariel Dotti, a abandonarem-na, pois discordavam totalmente do açodamento imprimido aos estudos. Acharam impossível elaborar uma reforma geral da Parte Especial do Código Penal brasileiro no período de trinta e oito dias, quando outros países levaram mais de uma década para terminá-la.
René Ariel Dotti, em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais , nº 24, defende a tese de cautela na revisão da Parte Especial do Código Penal ao dizer "é impensável elaborar um novo Código Penal sem enfrentar o problema de eficácia de todas as leis vigentes ao tempo do início da sua vigência. Não é possível operacionalizar um sistema de prevenção e repressão da criminalidade sem definir quais são as leis velhas que devem ser revogadas e quais são as leis extravagantes a serem recepcionadas pelo novo ordenamento e que com ele podem conviver."
Os novos estudos, que estão sendo feitos às carreiras no Ministério da Justiça e que devem chegar logo ao Congresso Nacional, têm recebido alguns elogios, mas, em número maior, críticas contundentes, como as feitas pela Promotora de Justiça Kedyma Almeida e Silva, que considera "a falta de uma política criminal, ou seja, de uma diretriz, de parâmetros de atuação, acaba fazendo com que esta revisão do código tenha um caráter imediatista". E acrescenta: "Acho que esta reforma continua atendendo à pressão da mídia. São alterações de momento".
Sr. Presidente, Srs. Senadores, a reforma do nosso Código Penal é imprescindível, mas deve ser feita com bom senso e cautela. O postulado básico que rege o Direito Penal está no princípio do nullum crimen sine lege. E, para que seja respeitado, uma revisão urgente da tipicidade dos crimes se impõe, especialmente para aqueles ainda não previstos em nosso ordenamento jurídico próprio.
No Brasil, o juiz penal tem poder discricionário para determinar a individualização da pena. Pode substituí-la por prestação de atividades comunitárias, multas e até mesmo suspendê-la condicionalmente. Já nos Estados Unidos, a aplicação da pena pelo juiz precisa seguir as normas da U.S. Sentencing Commission , ou seja, uma Comissão de Sentenças que estabeleceu critérios rígidos consubstanciados em uma tabela de punição. A finalidade principal é a de que o mesmo ato deva ser punido com a mesma pena. Segundo tais parâmetros, o juiz acaba tendo maior tranqüilidade para estabelecer a penalidade a ser aplicada e menos liberdade de agir a seu bel-prazer. Basta ao juiz decidir o tipo de crime e procurar as penas, como as agravantes ou atenuantes, determinadas nos diferentes níveis da tabela de determinação da pena.
Sr. Presidente, a tese do Direito Penal Mínimo, recomendada pela Organização das Nações Unidas - ONU, que defende penas alternativas, como serviço comunitário, é hoje uma tendência mundial, pois reserva a cadeia apenas para criminosos que representem risco à integridade física dos cidadãos. Em princípio, é a solução para diminuir o número de detentos dos presídios e permitir que os condenados tenham um tratamento que respeite seus direitos humanos. Essa tese contraria o Direito Penal Simbólico, favorável a punições rigorosas e elevadas, em alguns países chegando até à prisão perpétua e à pena de morte.
No mundo inteiro as penas alternativas estão sendo cada vez mais aplicadas. Na Alemanha, por exemplo, 98% dos condenados cumprem alguma missão social; no Japão, 94%. O índice baixa nos Estados Unidos para 40%, pois esse País adota o Direito Penal mais rígido, onde a pena é a resposta máxima que a sociedade pode dar aos criminosos, especialmente assassinos e traficantes.
O Sr. Ministro da Justiça, favorável à tese do Direito Penal Mínimo, alega que as novas regras por ele defendidas viriam colocar em liberdade 100 mil presos, mais da metade da população carcerária brasileira. Os praticantes de determinados crimes como a agressão física, o furto, o roubo, o falso testemunho, o uso de documentos falsos, o homicídio culposo, o uso de drogas, o não-pagamento de impostos, a receptação de carga roubada, não iriam para a cadeia, segundo o Ministro José Carlos Dias. Eles seriam punidos com penas alternativas: prestação de serviços comunitários ou pagamento de multas.
Por outro lado, o Ministro da Justiça tem propugnado, ainda, a revogação da lei dos crimes hediondos, que voltariam a ser tipificados como crimes comuns. A tipificação de crimes hediondos surgiu na Constituição de 1988, com a finalidade de inibir a prática de alguns crimes violentos. De lá para cá, treze crimes já foram tipificados como hediondos. Se a tipificação mudar, a sociedade terá que conviver com seqüestradores, traficantes, torturadores, terroristas, estupradores e tantos outros mais e ainda estará exposta a toda sorte de crimes, pois seus autores terão punição mínima e cumprirão grande parte da pena em liberdade.
Os índices de criminalidade têm aumentado no País, portanto, abrandar as penas neste momento não seria uma forma de colocar a sociedade contra o sistema penal brasileiro?
Sr. Presidente, tais considerações precisam ser feitas para que o povo brasileiro tenha conhecimento da necessidade de uma séria reforma do Direito Penal brasileiro. A adoção pura e simples, sem qualquer tipo de debate, do Direito Penal Mínimo é uma incógnita. Que penas alternativas são benéficas em muitos casos, não resta a menor dúvida. Mas em que casos? Quando? Até onde vai o poder discricionário do juiz para aplicá-las? A reincidência estará prevista? Os altos níveis de criminalidade não crescerão mais ainda com o afrouxamento das punições? Há anos, grandes juristas estudam o problema da revisão da Parte Geral do Código Penal brasileiro. Esses estudos devem ser simplesmente esquecidos, porque novas propostas estão vindo à tona?
Esperamos, Sr. Presidente, que o Congresso Nacional, ao examinar, em um futuro próximo, projeto de revisão do nosso Código Penal, encontre soluções que atenuem os níveis elevadíssimos de criminalidade, oferecendo para a nossa sociedade um diploma moderno que atenda aos seus legítimos interesses.
Trago este assunto à consideração do Plenário nesta tarde, Sr. Presidente, tendo em vista o posicionamento do Ministro da Justiça, que afirma que a tipificação de crimes hediondos não está diminuindo a criminalidade e propugna o Direito Penal Mínimo que prega penas alternativas.
Porém, existe um questionamento muito grande da sociedade brasileira: os criminosos que cometem crimes hediondos, merecem ter algum tratamento que lhes facilite a liberdade. São questões que trago para apreciação e discussão por parte deste Plenário. Inclusive, a Comissão de Revisão do Código Penal está discutindo questões como o aborto.
Assim, gostaria que esses assuntos fossem discutidos mais vezes aqui, no âmbito desta Casa, como discutimos exaustivamente o novo projeto do Código Civil, tão bem elaborado pelo então Senador Josaphat Marinho, com a colaboração dos ilustres pares desta Casa, e que, infelizmente, está sofrendo uma delonga inesperada na Câmara dos Deputados.
Era essa a contribuição que gostaria de trazer nesta tarde.
Muito obrigado.