Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENCONTRO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO DENOMINADO 'RODADA DO MILENIO', REALIZADO NA SEMANA PASSADA EM SEATTE - EUA.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. ECONOMIA NACIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENCONTRO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO DENOMINADO 'RODADA DO MILENIO', REALIZADO NA SEMANA PASSADA EM SEATTE - EUA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/1999 - Página 34272
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMENTARIO, OCORRENCIA, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, LUIS FELIPE LAMPREIA, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), REFERENCIA, NECESSIDADE, REDUÇÃO, RESTRIÇÃO, PRODUÇÃO, PAIS, COMERCIO EXTERIOR.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ADOÇÃO, POLITICA, INVESTIMENTO, EMPREGO, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, BUSCA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • APOIO, DESENVOLVIMENTO, MODELO, AUTONOMIA, GESTÃO, EMPRESA NACIONAL, REFERENCIA, EXERCICIO, TRABALHADOR, FUNÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, OBJETIVO, GARANTIA, EMPREGO.

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, preparei uma nota sobre um tema importante a ser discutido pelo Parlamento brasileiro: as empresas de autogestão.  

Entretanto, Sr. Presidente, antes de entrar propriamente neste tema, queria fazer um brevíssimo comentário sobre a chamada Rodada do Milênio, reunião da Organização Mundial de Comércio ocorrida em Seattle, nos Estados Unidos, há poucos dias.  

Tenho lido na imprensa muitas observações de que essa reunião fracassou. Não tenho certeza sobre se realmente fracassou, até porque não tenho informações suficientes sobre as forças que impediram uma discussão mais racional, equilibrada e justa da questão do comércio internacional. Se fracassou ou não sinceramente não sei. Porém, sei que essa reunião e as manifestações ocorridas durante a sua realização evidenciaram os graves problemas existentes na área de comércio exterior no mundo global.  

Lembro muito bem, Sr. Presidente, que, há poucos anos, era muito comum dizer que, para um país integrar-se competitivamente no mundo, bastava que avançasse na qualidade de seus produtos e no preço. Se assim procedesse, tornar-se-ia um país competitivo. A realidade não é bem essa, mas muito diferente. Quando vemos as restrições ao aço brasileiro nos Estados Unidos, ao suco de laranja e ao sapato, percebemos que é necessário refletir que o contexto de mercado e de comércio internacional tem uma complexidade muito maior.  

Se essa reunião não acarretou avanços nos acordos e tratados, avançou com relação à consciência das pessoas e à reflexão que um país como o nosso precisa ter. O Brasil escancarou a sua economia para o mundo, não negociou sua abertura comercial, nem a realizou com regras de transição — a exemplo do que acompanhamos em diversos países, como no caso da própria comunidade européia.  

Acredito que essa reunião traz essa reflexão. É evidente que quero aprofundar-me mais no tema. Espero voltar à tribuna desta Casa, antes do início do recesso parlamentar, para um debate mais profundo. Tenho boas informações sobre a presença da delegação brasileira, sobre o pronunciamento proferido pelo Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, mas acredito que o tema pode ser melhor discutido. Sobre a reunião, talvez o seu "fracasso" possa servir para abrir corações e mentes que se empolgaram muito com o pensamento liberal e agora precisam recolocar o País em um debate correto em relação a sua integração no mundo global, processo em que, embora estejam embutidas muitas oportunidades, muitas ameaças, não há lugar para ninguém com posturas ingênuas, inadequadas, neste momento que estamos vivendo.  

Por isso, Sr. Presidente, passo ao segundo tema, referente a uma nota que preparei, até porque enfoca um debate até então ausente no Parlamento brasileiro, a que já me referi no início do meu pronunciamento: as empresas de autogestão.  

Apesar de todo o nosso potencial de crescimento e desenvolvimento, a desigualdade social, a exclusão, o desemprego são características marcantes da sociedade brasileira nos dias de hoje.  

Para superar esse estado de coisas, a estabilidade da economia é uma das condições necessárias - e já falamos disso por diversas vezes desta tribuna. Precisamos ter claro, entretanto, que a estabilidade não produz automaticamente o crescimento econômico e que este - é importante dizer - não produz naturalmente a elevação do nível de emprego, até porque a produtividade, muitas vezes, corrói os níveis de emprego. Da mesma forma, a elevação do nível de emprego está longe de remover os traços mais notórios de desigualdade e de exclusão que marcam a nossa sociedade.  

Agora mesmo, a Comissão Mista que estudou a questão da pobreza, da exclusão e da miséria no País documentou essa minha afirmação em diversos depoimentos e em estudos apresentados na Comissão.  

Assim, precisamos de políticas explícitas de crescimento, de emprego e de inclusão social. Precisamos, enfim, inovar quando tivermos como objetivo a criação de postos de trabalho e a redução das desigualdades sociais e regionais do nosso País. Nesse quadro, a autogestão, tema pouco discutido no Parlamento brasileiro, se apresenta como uma modalidade muito criativa e eficiente.  

O modelo autogestionário caracteriza-se basicamente por experiências empresariais nas quais o controle do capital e a gestão do processo econômico são exercidos pelos trabalhadores. Resulta, em grande parte, da tentativa de os trabalhadores garantirem, pela ajuda mútua, a manutenção de seus empregos e rendas. Um dos traços mais característicos da autogestão é que todo membro tem total e igual direito de participação em todas as decisões da empresa.  

No Brasil, em regra, as empresas de autogestão são de pequeno e médio portes, intensivas em mão-de-obra e predominantemente no setor industrial. O faturamento mensal varia, segundo estudos, entre R$100 mil e R$800 mil e o número de empregados entre 15 e 300 trabalhadores.  

Desde 1994, Sr. Presidente, o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, preocupado em preservar postos de trabalho e em promover, ao mesmo tempo, iniciativas conseqüentes de trabalhadores organizados, vem emprestando apoio financeiro a empresas autogestionárias. Além dos casos nos quais a empresa autogestionária decorre da assunção, pelos trabalhadores, dos ativos operacionais de empresas falidas, em troca de passivos trabalhistas, o Programa de Autogestão do BNDES contempla também o financiamento aos casos em que a autogestão decorre da terceirização - tão presente nos dias atuais - dos serviços de apoio ou mesmo da desverticalização de setores do processo produtivo, seja em empresas privadas consolidadas, seja em empresas privatizadas.  

Devemos ressaltar, Sr. Presidente, que para a constituição e a consolidação de empresas de autogestão, além do firme propósito dos trabalhadores, é fundamental a colaboração de todos os segmentos do setor público, assim como dos órgãos e entidades de classe, visando à busca de soluções articuladas entre os diversos agentes envolvidos, inclusive os agentes financeiros.  

As instituições envolvidas podem exercer sua responsabilidade social por meio de mecanismos diversos, como dispensa fiscal por prazo limitado, financiamentos adequados, doação ou comodato de terrenos e instalações, conscientização e formação de mão-de-obra, educação básica para adultos e formação empresarial.  

O fato, Sr. Presidente, é que as experiências de autogestão são muito complexas, heterogêneas, têm origens muito distintas e, por serem muito recentes e inovadoras, ainda não são bem compreendidas pelas esferas governamentais, pelos agentes financeiros, pelos empresários e, muitas vezes, não são compreendidas pelos próprios trabalhadores. Essa baixa compreensão por parte dos trabalhadores levou, por exemplo, belíssimas experiências iniciadas em São Paulo a terem um fim insatisfatório, a não conseguirem êxito.  

A modalidade de relacionamento e negociação entre trabalhadores e a empresa de origem poderá não somente redundar em uma empresa autogestionária bem constituída mas, também, assegurar algumas vantagens para a empresa que surge, tais como a assistência técnica, a garantia de compra de produtos por período determinado e, até mesmo, algum suporte financeiro inicial. No entanto, a falta de sensibilidade da empresa de origem, combinada com a baixa qualidade da organização dos trabalhadores e com a omissão do setor público, tem levado a resultados diversos: ao desemprego e à precarização das condições de trabalho - o que é muito grave!  

Dessa forma, a autogestão, para ser adequadamente implementada, carece de um instrumento regulamentador que possa dar-lhes contornos legais precisos e normas operacionais nítidas, para que possa, ao lado de outros instrumentos recentemente aprovados nesta Casa - particularmente em relação à pequena e à microempresa -, servir de apoio ao desenvolvimento econômico e social do País.  

Neste particular, o interessante a ser observado é que os processos de terceirização - volto a dizer, extremamente comuns nos dias atuais - e desverticalização de grandes empresas, que vêm se apresentando como uma ameaça aos empregos, podem se transformar em oportunidades extremamente promissoras para os trabalhadores, especialmente pela manutenção do emprego e pelo aumento dos rendimentos decorrentes do trabalho.  

Poderia, Sr. Presidente, citar diversas experiências presenciadas quando estive à frente da Diretoria Social do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Citarei apenas uma, que teve origem na privatização do setor elétrico do Estado do Rio de Janeiro, em que os controladores, ao assumirem, passaram por um processo de reorganização da empresa, de terceirização de serviços, de reorganização no organograma da empresa, com um processo de desverticalização. Muitos técnicos competentes, vividos, que haviam ganho muita experiência ao longo da sua vida funcional, dedicaram-se a organizar uma cooperativa de nome Tecsel, que passou a ser uma empresa prestadora de serviço no setor elétrico do Rio, conseguindo inclusive êxito em concorrências nacionais e internacionais, garantindo – volto a dizer – não só o emprego mas, saindo dessa visão de terceirização, de precariedade do trabalho, aumentando a renda de seus associados, de seus cooperativados.  

Essa é uma das experiências exitosas, mas, evidentemente, temos que avançar muito no marco institucional, para que essas e outras experiências possam gerar emprego, ocupação produtiva e a renda tão necessária à sobrevivência do nosso povo.  

É pelo caminho da criatividade, num momento em que as novas tecnologias, os novos processos administrativos e gerenciais queimam postos de trabalho, e por uma visão criativa de buscar experiências de êxito como a autogestão, como o Banco do Povo, que financia o microcrédito, o microempreendedor, o auto-emprego, que devemos buscar nessas experiências exitosas a solução para o gravíssimo problema que temos no mercado de trabalho, neste final de século, não só no Brasil mas em todos os países do mundo.

 

Voltarei à tribuna para discutir um pouco mais este assunto. É necessário que haja políticas de comércio exterior, de crédito, agrícola e industrial. São políticas básicas para a reorientação da produção, imprimindo-lhe competitividade em um mundo difícil, disputado, que oferece ameaças, mas que - em minha visão otimista em relação ao futuro da humanidade - também oferece grandes oportunidades. O País tem que estar credenciado para alcançá-las.  

Era a comunicação que tinha a fazer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

FAC d


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/1999 - Página 34272