Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA FORMULAÇÃO DE UMA POLITICA NACIONAL PARA A QUESTÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL E REDUÇÃO DA EMISSÃO DE DIOXIDO DE CARBONO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • NECESSIDADE DA FORMULAÇÃO DE UMA POLITICA NACIONAL PARA A QUESTÃO DO AQUECIMENTO GLOBAL E REDUÇÃO DA EMISSÃO DE DIOXIDO DE CARBONO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1999 - Página 34607
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, AMBITO INTERNACIONAL, PROBLEMA, ALTERAÇÃO, AUMENTO, TEMPERATURA, PLANETA TERRA, MOTIVO, EXCESSO, EMISSÃO, DIVERSIDADE, GAS, ATMOSFERA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, ADOÇÃO, POLITICA NACIONAL, INVESTIMENTO, PROJETO, CONSERVAÇÃO, FONTE, ENERGIA RENOVAVEL, REFLORESTAMENTO, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS, ATMOSFERA, DESENVOLVIMENTO, ATERRO, CONTROLE SANITARIO, INCENTIVO, PRODUÇÃO AGROPECUARIA.
  • COMENTARIO, BENEFICIO, ADOÇÃO, POLITICA NACIONAL, CONTRIBUIÇÃO, PRESERVAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, BIODIVERSIDADE, EFEITO, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, RENDA, SOCIEDADE, REGIÃO AMAZONICA, PAIS.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Amazônia, em razão da grandeza de suas dimensões e potencialidades, e também devido ao desconhecimento científico sobre suas reais características, tem suscitado curiosidade e alimentado mitos.  

No crepúsculo do século XX e no alvorecer do século XXI, após mais de 200 anos de investigação científica, a Região Amazônica ainda representa para o homem uma grande expectativa quanto à sua importância para os destinos da humanidade, tendo-se em vista os mecanismos exercidos por ela sobre o regime climático, absorção de gás carbônico, manutenção da água doce, recursos da biodiversidade e potencial biogenético, entre outros.  

Uma das questões que têm, ultimamente, despertado grande interesse é a questão do aquecimento global, que foi objeto da Convenção-Quatro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizada em Nova Iorque em 1992. Essa Convenção foi estabelecida com o propósito de enfrentar o problema representado pelo aquecimento global, resultante do aumento da concentração, na atmosfera, dos gases de efeito estufa.  

Apesar de evidências muito fortes sobre as causas, a questão do aquecimento global ainda suscita controvérsia de caráter científico. Em conseqüência, a Convenção vem sendo implementada com base no princípio da precaução, pelo qual as atividade capazes de contribuir para esse aquecimento poderão ser limitadas ou, em casos extremos, até proibidas, antes mesmo de evidências científicas conclusivas.  

Houve concordância quanto ao fato de que os países industrializados, responsáveis por mais de três quartos das emissões de gases supracitados, devem assumir a maior parte da responsabilidade pelas medidas de ajuste e os custos associados a elas. Os conflitos de interesses e as implicações políticas da Convenção impediram cortes obrigatórios nos níveis de emissão desses gases. Foi sugerida, assim, a adoção de cortes voluntários pelos países desenvolvidos e os do Leste Europeu, com redução dessas emissões, a partir do ano 2000, aos níveis vigentes em 1990.  

Com vistas a transformar esses objetivos gerais em compromissos concretos e verificáveis, foram celebradas diversas Conferências das Partes da Convenção: a primeira em Berlim (1995), a segunda em Genebra (1996), a terceira em Quioto (1997) e a quarta em Buenos Aires (1998).  

Na terceira Conferência das Partes, foi adotado o Protocolo de Quioto que, embora continue representando marco fundamental e venha orientando todas as discussões sobre aquecimento global, ainda não entrou em vigor, principalmente pelo fato de não ter sido ratificado pelos Estados Unidos. O Protocolo representou um avanço, pelo fato de ter estabelecido metas obrigatórias para a redução global das emissões e ter mantido o princípio da responsabilidade diferenciada entre os países desenvolvidos e o resto do mundo.  

Em documentos trazidos a público pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, é explicitada a posição brasileira sobre a implementação do Protocolo de Quioto. De acordo com o ponto de vista do Brasil, embora os projetos possam ser apresentados por entidades estatais, organizações não-governamentais e empresas privadas, deve ser prerrogativa do Estado o estabelecimento das diretrizes para esse processo.  

A posição brasileira é conceder prioridade, em princípio, a projetos nos seguintes setores: fontes renováveis de energia; eficiência e conservação de energia; reflorestamento e estabelecimento de novas florestas; projetos de redução de emissões; projetos de aterros sanitários e projetos agropecuários.  

Por tais critérios, estariam excluídos projetos destinados à conservação de florestas ou à condução de florestas sob manejo sustentável. É o caso, por exemplo, de uma proposta destinada a viabilizar iniciativa denominada Programa Sítios Ecológicos, desenvolvido pelo Banco da Terra - Empreendimentos Imobiliários e Negócios Ecológicos Ltda. O programa seria estabelecido com base na "proteção e conservação" de frações de terreno com área mínima de 5.000 m 2, as chamadas "células ecológicas". A exploração dessas unidades estaria fundamentada no princípio do desenvolvimento sustentável, por meio do gerenciamento dos usos múltiplos a que se destina cada fração de terra, segundo suas potencialidades econômicas. A exploração e utilização desses produtos, em bases reconhecidamente sustentáveis, teriam na própria terra seu lastro financeiro, sob o gerenciamento do Banco da Terra.  

Nesse sentido, é sugerida a criação de um título mercantil – e aí eu chamo a atenção da Casa –, desenvolvido pelo próprio Banco da Terra, que constituiria uma forma representativa de promessa de exploração e/ou utilização sustentável de recursos ambientais, de modo conservacionista ou preservacionista, respectivamente, com ou sem garantia cedularmente constituída.  

A posição do Governo brasileiro a respeito da proteção de florestas nativas é de que não há garantia de que essa proteção será incapaz de impedir desmatamentos futuros e de que já é obrigatória.  

O argumento em favor da conservação de florestas pode ser desdobrado em várias lógicas diferentes: contribui para a preservação dos mananciais hídricos; contribui para a preservação e desenvolvimento de biodiversidade; permite a criação de atividades e, conseqüentemente, emprego e remuneração para comunidades isoladas, em especial povos indígenas. Todos esses argumentos têm mérito por si sós.  

Entretanto, sob o ponto de vista estrito da atmosfera, ou ainda da Convenção do Clima, o fato de conservar uma floresta não contribui para mitigar o efeito estufa, ou, em outras palavras, tornar a mudança do clima menos severa. Não haveria variação na concentração de nenhum gás de efeito estufa na atmosfera pelo simples fato – e é no que cada vez mais têm contribuído os entendidos – de cercear uma floresta e, supostamente, impedir que ela seja devastada.  

A questão, contudo, não é pacífica. Sabe-se que o Governo da Costa Rica desenvolve um programa pelo qual são emitidos certificados ambientais que concedem a seus detentores créditos pré-especificados, referentes à redução nas emissões de dióxido de carbono por um período de 20 anos, em parcelas de mil toneladas de carbono por ano.  

A oferta inicial dos títulos citados no parágrafo anterior corresponde a 1 milhão de toneladas por um período de 20 anos, ou 50 mil toneladas por ano. O título é transferível, e o preço é de US$20 por tonelada/ano.  

Os créditos concedidos por meio desses títulos são derivados do Projeto de Áreas Protegidas, que consolidará mais de 500 mil hectares de terra, como parques nacionais, florestas tropicais regeneradas e áreas atualmente sob risco de desmatamento. Todas essas áreas ficarão preservadas em perpetuidade. Essa será a principal destinação dos recursos. Uma parcela, todavia, será utilizada para o estabelecimento de um Centro da Terra, destinado a constituir unidade de educação, ciência e entretenimento na área ambiental, servindo ainda como portão de entrada para os parques nacionais do País.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. BERNADO CABRAL (PFL - AM) - Ouço V. Exª, Senador Tião Viana.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Bernardo Cabral, gostaria de cumprimentá-lo pelo pronunciamento que faz, em que reafirma uma consciência universal, que existe hoje, da preocupação com o meio ambiente. Em seu pronunciamento, V. Exª está afirmando que não há caminho mais inteligente do que se discutir a possibilidade do desenvolvimento sustentável como horizonte para as populações que vivem em situação de desigualdade e injustiça social. Olhando para o nosso maior patrimônio, que é o nosso meio ambiente, V. Exª busca encontrar alternativas que compatibilizem a presença do homem e a das instituições que possam contribuir para o desenvolvimento das populações. Acredito que o exemplo da Costa Rica, que V. Exª coloca, é fantástico, devendo ser compartilhado pelo Brasil inteiro, porque trata-se de um país que achou o seu caminho: trabalha com uma grande área de preservação de florestas e trocou a capacidade de preservar suas florestas por investimentos em ações nas bolsas de valores de Nova Iorque e em outras bolsas do planeta, na chamada "troca do carbono". O Brasil deve pensar muito nesse caminho. Não podemos viver mais, como V. Exª diz, o mito sagrado da natureza intocável. Não é inteligente olhar para a floresta como algo intocável e sagrado; temos que utilizá-la de maneira inteligente e respeitosa, olhando para o desenvolvimento humano como essência. Creio que a possibilidade do chamado Banco da Terra é um horizonte em que temos de pensar muito. Há algumas sementes distintas hoje no mundo, como, na África, o banco do povo, criado por Nelson Mandela.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Exatamente.  

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Eu acho que V. Exª traz aqui algo de enorme importância, sobre o que o Brasil deve refletir e que deve tentar aproveitar da maneira mais oportuna. Parabéns e muito obrigado pela oportunidade de aparteá-lo.  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Tião Viana, como médico daquela região, V. Exª já a percorreu com a sola dos seus pés, e não por ouvir dizer, e faz exatamente o raciocínio que há dias foi desenvolvido pelo Embaixador João Carlos Sousa Gomes, nosso representante diplomático em Costa Rica. Velho amigo meu, nessa troca de idéias ele me dizia rigorosamente o que V. Exª acaba de assinalar. Portanto, quero agradecer a interferência de V. Exª, que enriquece o meu pronunciamento.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - V. Exª me permite um aparte, Senador Bernardo Cabral?  

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Ouço, com grande alegria, o meu companheiro de Bancada, Senador Jefferson Péres.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) - Senador Bernardo Cabral, o exemplo da Costa Rica é tema de um dos meus artigos dominicais no jornal A Crítica . Aquele pequeno país da América Central nos dá lições. Aliás, nos dá lições em vários campos: no campo da democracia, porque há mais de cinqüenta anos não tem golpe de Estado; no campo da ecologia, porque tem hoje mais de 20% de sua área preservada e faz uma inteligente exploração do ecoturismo. No caso da nossa Amazônia, minha e de V. Exª, costumo dizer que ela não pode ser um jardim botânico, como querem os xiitas ambientalistas, mas não pode também ser terra devastada, evidentemente. Na verdade, a questão ambiental não é problema, Senador Bernardo Cabral, mas solução. Vamos transformar esse suposto limão numa excelente limonada, como V. Exª está sugerindo no seu discurso. Parabéns, portanto, pelo seu pronunciamento.

 

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Jefferson Péres, é verdade o que V. Exª afirma, porque aqueles que não entendem de Amazônia acham que devemos ser condenados a meros contempladores da sua riqueza, sem jamais poder explorá-la. É claro que, por trás disso tudo, há uma série de circunstâncias e desejos contrariados, de interesses que não são atingidos quando qualquer brasileiro – e não precisa ser da região – investe contra essa forma, que representa uma tirania em derredor da nossa região.  

Vou fazer chegar ao Embaixador do Brasil na Costa Rica, João Carlos Sousa Gomes, este nosso pronunciamento, recheado pelos apartes, para que S. Exª veja que não só o exemplo dos parques temáticos, mas também o exemplo de democracia que reina neste País encontra eco no Plenário do Senado Federal.  

Ainda há pouco falei sobre um trabalho de certificação ao me referir ao exemplo que citava o Senador Tião Viana. Esse trabalho vai ficar a cargo de uma instituição que é uma das líderes na área de certificação e que tem o patrocínio do Banco Mundial. Refiro-me à Société Générale de Surveillances – como sabe V. Exª, uma das mais respeitadas no mundo inteiro, o que representa uma garantia. Embora ainda não haja normas legais que obriguem as empresas a reduzir suas emissões de dióxido de carbono, essas empresas poderão utilizar os títulos adquiridos para futura compensação.  

E aqui, Sr. Presidente, abro parênteses para lembrar que há muitos anos, quando era eu Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, exatamente no ano de 1989, o Professor Samuel Benchimol, que é um amazonense de destaque internacional, idealizava um imposto que seria cobrado de empresas que fazem emissões de dióxido de carbono. Esse imposto foi chamado pelo Professor Benchimol de Imposto Internacional. O nosso embaixador junto à ONU àquela altura apresentou essa proposta àquela instituição.  

Até hoje, lamentavelmente, esse imposto internacional sobre poluição, do qual a Amazônia seria um dos beneficiários, ainda não foi implementado. V. Exª, que é representante do Acre, sabe muito bem que a Amazônia Ocidental está garantindo para aqueles que poluem um meio de vida melhor.  

Srªs e Srs. Senadores, há diversas situações a considerar, muitas incertezas e muita coisa ainda a ser feita, mas devo concluir o meu raciocínio, pois o tempo já não me ajuda.  

A Conferência de Buenos Aires a que me referi ainda há pouco, realizada dois anos atrás, estabeleceu uma agenda de trabalho para a regulamentação dos mecanismos. Debates entre as partes envolvidas são necessários e estarão acontecendo em todo o mundo. As visões e sugestões distintas são preciosas para a construção de diretrizes claras e eficazes. No ano 2000 espera-se que tais mecanismos sejam regulamentados e comecem a operar devidamente.  

Quero agora me situar no caso brasileiro. Devemos promover uma análise do Protocolo de Quioto no âmbito do Senado Federal, mas que envolva também diversos segmentos da sociedade, com o objetivo de fornecer alternativas para a formulação de uma política brasileira para o tema do aquecimento global.  

Vivemos numa região cercada de mitos, Sr. Presidente. Temos um padrão de vida em que a poluição não causa alarme, diferentemente do que ocorre nos Estados do Sul. Se o Senado não se debruçar sobre problemas dessa natureza, nós estaremos ou nos omitindo ou perdendo uma oportunidade de dizer ao mundo inteiro que o Brasil acompanha esse caso com a responsabilidade que ele merece.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1999 - Página 34607