Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A ARTIGO DO JORNALISTA JOSE NEUMANNE, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, EDIÇÃO DO ULTIMO DIA PRIMEIRO, INTITULADO 'ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM,' SOBRE A REPRESSÃO VIOLENTA DA POLICIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL DURANTE MANIFESTAÇÃO DE SERVIDORES.

Autor
Bello Parga (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Luís Carlos Bello Parga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • COMENTARIOS A ARTIGO DO JORNALISTA JOSE NEUMANNE, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, EDIÇÃO DO ULTIMO DIA PRIMEIRO, INTITULADO 'ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM,' SOBRE A REPRESSÃO VIOLENTA DA POLICIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL DURANTE MANIFESTAÇÃO DE SERVIDORES.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/1999 - Página 34621
Assunto
Outros > IMPRENSA. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, GRAVIDADE, VIOLENCIA, REPRESSÃO, POLICIA MILITAR, DISTRITO FEDERAL (DF), MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PROVOCAÇÃO, MORTE, TRABALHADOR, COMPANHIA URBANIZADORA DA NOVA CAPITAL S/A (NOVACAP), DEMONSTRAÇÃO, PRECARIEDADE, DEMOCRACIA, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, GOVERNO, EXECUTIVO, GARANTIA, PROTEÇÃO, CIDADANIA, POPULAÇÃO.

O SR. BELLO PARGA (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de uma certa forma, venho ocupar a tribuna para fazer uma penitência pública, porque normalmente desconfio dos noticiários dos jornais. Quase sempre, por comparação, do ponto de vista da análise política e econômica, essas informações nos chegam incompletas, mal interpretadas, quando não são propositadamente distorcidas.  

Já dirigi jornal e sei muito bem como ele é feito, o que me faz incidentalmente recordar aquela máxima ou aquele dito de Bismarck de que, se soubessem como eram feitas as leis, muitas pessoas se horrorizariam. Não chego a esse ponto de dizer que me horrorizo com os noticiários dos jornais, mas sempre "fico com o pé atrás", utilizando uma expressão popular. Sempre procuro sindicar quando aparece qualquer notícia de que tenho alguma dúvida ou que eu ache que não esteja correta. E, muitas vezes, na minha averiguação, chego à conclusão de que, efetivamente, os fatos não ocorreram como noticiado. Não posso, entretanto, generalizar, pois seria uma grande injustiça.  

Nesse sentido, penitencio-me aqui, pois, recentemente, li um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo , feito por um jornalista que admiro há muito tempo. Aliás, até o conheci pessoalmente numa temporada que passou aqui em Brasília. É um intelectual, um homem brilhante, inteligente e de uma acuidade de espírito muito grande. É o jornalista José Nêumanne, que pertence ao quadro de colaboradores de O Estado de S. Paulo . 

Na semana passada, em Brasília, uma manifestação de reclamação de funcionários foi reprimida violentamente pela Polícia Militar de Brasília, de forma altamente censurável e condenável, e o jornalista achou por bem fazer uma análise do caso. Trata-se de uma análise que eu considero perfeita. Os fatos foram interpretados corretamente, e a sua relação com a situação por que passa o País é perfeita.  

Então, sem mais considerações, Sr. Presidente, porque se impunha que eu fizesse aqui essa confissão, vou passar a ler o citado artigo, para que conste dos nossos Anais e para que aqueles que assistem à rede nacional que transmite as sessões do Senado tomem conhecimento, porque não são todos os que lêem os jornais. Até mesmo em São Paulo, não são muitos os que lêem jornais e, pelo Brasil afora, são muitíssimo poucos os que o fazem.  

O título do artigo do jornalista José Nêumanne é "Eles não sabem o que fazem". E vou passar, a partir de agora, a lê-lo:  

A morte de José Ferreira da Silva no conflito de servidores do Distrito Federal com a PM de Brasília foi mais uma demonstração trágica de que o Estado brasileiro não dispõe da competência exigida para exercer o monopólio da força. O massacre do Carandiru e o entrevero de Eldorado dos Carajás, só para citar os dois exemplos mais sangrentos, de nada serviram para alertar os dirigentes civis de nossa precária democracia de que eles precisam mudar completamente de atitude para não ter a autoridade escorrendo entre seus dedos como água por estupidez, ignorância e despreparo.  

O que aconteceu em Brasília repetiu, com poucas e insignificantes diferenças, o que ocorreu no presídio paulista e no campo paraense: tropas policiais sem preparo psicológico, sem treino e sem armas adequadas foram encarregadas de reprimir manifestações sem sequer receber orientação adequada. Sangue foi derramado, é claro, porque, apesar de em teoria terem recebido instruções de manejo de armas de fogo, seus comandantes parecem desconhecer duas tautologias. Uma é que um homem ameaçado fisicamente e sem o devido preparo psicológico reage sempre a uma ameaça física disparando. A outra é mais elementar: se o projétil disparado da arma perfura o alvo e o alvo é humano, este fica ferido e, se algum órgão vital é atingido, a pessoa pode morrer.  

A repressão a manifestações coletivas requer perícia e conhecimento de causa, que derivam de uma conjugação de conhecimentos psicológicos, destreza física, alta capacidade no manejo de armas e, sobretudo, um comando capaz de coordenar as reações coletivas – que devem ter grande previsibilidade – a ações também coletivas imprevistas. Comandos inexperientes sobre tropas chucras só podem produzir ação inócua ou banho de sangue. O que ocorreu no Carandiru, em Eldorado dos Carajás e em Brasília não resultou de fatalidade, mas de ineficiência, que, aliás, não será resolvida com a substituição da cúpula da Segurança, como empreendeu o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, mas, sim, com a conscientização de nossos dirigentes civis de que eles precisam nomear profissionais experientes para os comandos e treinar as tropas para evitar notícias negativas.  

Qualquer um está cansado de ver no noticiário diário da televisão como as polícias do mundo inteiro reprimem manifestações coletivas semelhantes ao motim de Carandiru, à ocupação da fazenda no Pará por militantes sem-terra e à greve dos servidores brasilienses. Elas usam rigor, mas nunca recorrem à violência. Se faltava algum exemplo recente, ele apareceu na mesma ocasião da tragédia de Brasília: a repressão da polícia americana aos manifestantes multinacionais que foram reclamar da globalização em Seattle, durante a reunião da Organização Mundial do Comércio. A autoridade americana exerceu o monopólio da força na dose certa: muitos foram presos, ninguém ficou ferido gravemente, muito menos morreu, e a manifestação foi dissolvida para que a reunião fosse realizada.  

Nessas ocasiões, usam-se jatos d’água, cassetetes, gás paralisante e outras substâncias e métodos que arrefecem os ânimos e desmoralizam os manifestantes, mas nunca balas, que podem feri-los e até matá-los. Nossos dirigentes públicos, porém, parecem desconhecer tais evidências. Escolados manifestantes de rua nos tempos da ditadura, eles se recusam sistematicamente a aprender a reprimir, por acharem que essa atividade não é digna da democracia, não sabendo ser essa, ao contrário, condição indispensável para o funcionamento do Estado de Direito.  

Essa imprevidência provoca dois tipos de prejuízos. Um, incruento, é sofrido pelas populações das metrópoles brasileiras, que vivem à mercê de arruaceiros que paralisam o trânsito a seu bel-prazer, contando para isso, às vezes, com proteção policial e planejamento de trânsito. Há também o cruento, que termina invariavelmente em tragédia, como os eventos aqui comentados.  

Aparentemente, são atitudes opostas. Mas, na prática, representam as duas faces da mesma moeda: a da incapacidade de nossos gestores republicanos para o cumprimento de uma obrigação comezinha de que os incumbimos nas eleições. Como raramente recebe ordem dos comandos civis para agir contra revoltosos sem-teto, perueiros e arruaceiros em geral, que infernizam a vida das cidades, a soldadesca não treina para agir quando recebe a ordem para fazê-lo. Do outro lado, habituados a fazer o que bem entendem, pois raramente são reprimidos, os manifestantes são levados a exacerbar em seus movimentos, contando com a certeza da impunidade. Quando a situação ultrapassa o limite aceitável, explode a violência sem controle, e aí ninguém mais encontra salvação em tábua alguma.  

Quando se trata de recorrer à força policial para garantir a rotina urbana, o direito da propriedade ou a integridade de próprios públicos, nossa República civil, instalada no poder central após o desabamento do regime militar, reage como o cônsul romano Pôncio Pilatos diante da turba que queria linchar o Cristo: lava as mãos, fingindo que nada tem que ver com aquilo tudo. Por causa disso, o caríssimo aparato policial à sua disposição, que deveria servir de proteção à população, se transformou numa inútil e perigosa sucata.  

Como ocorria na ditadura, na democracia civil a polícia continua arrancando confissões sob tortura, em vez de investigar e usar perícia técnica. Mas, como não ocorria nem na ditadura, pelo menos no nível que se verifica hoje, a situação piorou muito, tendo o aparelho policial sido contaminado pelo crime organizado, que passou a usá-lo como um braço armado pelo Estado para lhe dar proteção, negando-a às vítimas. Ninguém, contudo, se engane: a culpa por isso tudo deve ser menos atribuída a maus policiais do que aos bandos de democratas bonzinhos que não sabem o que fazem.  

Sr. Presidente, foram essas as palavras do artigo do jornalista José Nêumanne, na edição de quarta-feira, 8 de dezembro de 1999, de O Estado de S. Paulo . 

É perfeita a interpretação do jornalista sobre o que vem ocorrendo no País, pois efetivamente a impunidade vem aumentando, enquanto a violência se mascara de reivindicações sociais e o Estado não usa o monopólio da força. Isso vai desaguar em tragédias como as do Carandiru, de Eldorado dos Carajás e, agora, a de Brasília.  

É preciso que o Governo, que o Poder Executivo federal se conscientize do mau caminho pelo qual envereda quando não toma medidas de proteção à cidadania, cujos direitos vêm sendo postergados pela violência das turbas.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª ter-me concedido a palavra.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/1999 - Página 34621