Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS AO RELATORIO ANUAL DA UNICEF "SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFANCIA", DIVULGADO ONTEM, EM BRASILIA.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMENTARIOS AO RELATORIO ANUAL DA UNICEF "SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFANCIA", DIVULGADO ONTEM, EM BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1999 - Página 34778
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POBREZA, TRABALHO, CRIANÇA, COMPLEMENTAÇÃO, RENDA, FAMILIA, BRASIL, CRITICA, FALTA, ACESSO, EDUCAÇÃO, INFANCIA.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, MODELO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, GOVERNO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, PAIS.
  • RECONHECIMENTO, DEFICIENCIA, INCAPACIDADE, LEGISLATIVO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, FOME, POBREZA, PAIS, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, PODER, VIABILIDADE, EFICIENCIA, ATENDIMENTO, DEMANDA, NATUREZA SOCIAL.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, seríamos certamente mais felizes se pudéssemos, neste final de ano, comemorar conquistas, avanços feitos, consubstanciados na melhoria da qualidade de vida da nossa população. Seguramente, teríamos convicção mais acreditada do dever cumprido.  

Lamentavelmente, a realidade é outra, devemos a ela nos curvar. O jornal Folha de S.Paulo publicou importante reportagem a esse respeito:  

"O Brasil vai entrar no ano 2000 com 21,1 milhões de menores de 18 anos vivendo em famílias com rendimento per capita mensal de até meio salário mínimo - 35% do total nessa faixa etária. Mais da metade (53%) deles vive na região Nordeste.  

O país conta ainda com 2,9 milhões de crianças de 5 a 14 anos que trabalham para complementar a renda familiar, o que o Unicef considera "uma violência".  

O grande número de crianças vivendo abaixo da linha de pobreza e a alta concentração de renda no país foram as principais críticas feitas ao Brasil pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em seu relatório anual "Situação Mundial da Infância", divulgado ontem em Brasília.  

A organização destacou, porém, quatro conquistas feitas pelo Brasil desde 1990: a queda de seis pontos percentuais no número de crianças de 7 a 14 anos fora da escola, a queda dos índices de mortalidade infantil, a erradicação da poliomielite (em 89) e a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (em 90).  

No relatório de 99, o Brasil subiu uma posição no ranking dos países com menor índice de mortalidade em menores de 5 anos, ocupando a 105ª posição.  

"Quem mais sofre com a pobreza são as crianças. É a pobreza que as faz morrerem na primeira semana de vida, que as empurra para o trabalho precoce, que faz fracassarem nos estudos", afirma a japonesa Reiko Niimi, representante do Unicef no Brasil.  

O país foi criticado por não oferecer educação infantil a todos: só 8% das crianças de 0 a 4 anos freqüentam creche e só 51% de 4 a 6 anos vão à pré-escola.  

"A falta de acesso à educação infantil compromete a capacidade de aprender da criança. Por isso, é urgente que o país aumente essa cobertura", alerta Niimi.  

Apesar de elogiar os esforços do país, Niimi pondera que o Brasil poderia estar melhor posicionado no ranking (105º entre 191 países), uma vez que apresenta índices semelhantes a países muito mais pobres, como Filipinas, Vietnã e Cazaquistão.  

O Vietnã, por exemplo, tem índice de mortalidade idêntico ao do Brasil: 42 crianças morrem antes de completar 5 anos para cada 1.000 nascidas vivas. Em 98, morriam 44 para cada 1.000 no Brasil.  

(...) 

Apesar de destacar as quatro conquistas alcançadas pelo país em algumas áreas, Niimi fez ressalvas. "Ainda há muito o que fazer para transformarmos a nossa visão do século 21 em realidade. Todos os dias, as crianças brasileiras ainda têm seus direitos violados. São vítimas de violências das mais diversas formas", disse.  

Sr. Presidente, em editorial intitulado "Retrato da Desigualdade", o Correio Braziliense assim se posiciona:  

"(...) O relatório denominado "Situação Mundial da Infância" desenha o retrato, em cores fortes, da situação da criança e do adolescente em todos os cantos do planeta. E trata, na versão divulgada, de problemas específicos do Brasil.  

O Brasil melhorou sim, mas melhorou menos do que era esperado. Caminhou com vagar. E está ainda longe de solucionar seus problemas. O relatório do Unicef, contudo, junta as peças do mosaico da desigualdade nacional. E as coloca sobre a mesa.  

(...) 

A questão básica, porém, surge quando aparece o quesito distribuição de renda. A do Brasil é igual à da Guatemala - os 40% mais pobres ficam com 8% da riqueza, enquanto que os 20% mais ricos desfrutam de 64% da renda do país. Os números apontam para as diferenças abissais dentro de um país que freqüenta ao mesmo tempo o primeiro e o quarto mundo. Discute informática e lida com problemas em áreas indígenas. Possui uma das maiores economias do mundo, mas suas grandes cidades são cercadas por invasões e favelas.  

No estudo da realidade das crianças, o problema da renda aparece por inteiro. Meninos e meninas sofrem do mesmo mal que os adultos nesse particular. As diferenças de renda, aliadas à histórica dificuldade dos governos em investir bem, na direção e com a constância devida, resultam em ainda mais desigualdade.  

(...) 

O documento elaborado pelos técnicos do Unicef demonstra que há perspectivas, há possibilidades, há, enfim, como vencer a inércia e atingir um patamar superior. Basta ter vontade política."  

Autocrítica, Sr. Presidente. É hora de refletirmos sobre essa realidade dramática e perversa que assola este País. As causas são históricas, evidentemente, não há como ignorá-las. São séculos de incompetência administrativa e de corrupção. Obviamente, não devemos generalizar. Tivemos governantes honestos e competentes, eficientes governos. Mas o balanço final, lamentavelmente, não é positivo. Sobretudo sob a ótica da população, o balanço é tragicamente de incompetência e de ineficácia governamental. As causas são, portanto, históricas, estruturais, circunstanciais. No entanto, não há como deixar de assumir responsabilidade agora. As autoridades do Executivo, assim como nós do Legislativo devemos assumir a nossa parcela de responsabilidade diante desse quadro dramático de pobreza que infelicita o nosso País.  

A gestão pública não tem sido eficiente. Afinal, as políticas públicas levam em conta, com competência, as prioridades? A aplicação dos recursos públicos se dá com correção, honestidade e eficiência? E como tem sido combatida a improbidade administrativa neste País? Não tem sido ela a causa de se transformar em pó milhões de reais dos recursos públicos, em função da omissão e da conivência das autoridades maiores do País?  

Atualmente, por exemplo, quando há denúncias de corrupção, quando ministros são denunciados, qual tem sido o comportamento do Governo? Tem sido o da providência rigorosa e o da punição exemplar ou tem sido o da postura frágil, o da omissão, da conivência e da irresponsabilidade? É preciso refletir sobre isso, porque nada melhor do que esta época do ano para a reflexão e a autocrítica.  

E as reformas, Sr. Presidente? Depois da vitória sobre a inflação, esperavam-se profundas reformas que assegurassem a continuidade de um projeto de estabilização da nossa economia, fadada a oferecer melhores condições de vida à nossa população. Essas reformas estão envelhecendo e não acontecem. Por quê? O Congresso Nacional não tem responsabilidade? Obviamente, devemos assumir a nossa responsabilidade. Para não citarmos todas elas, já que falamos neste trágico cenário de pobreza no Brasil, mencionemos a reforma tributária. Um modelo competente que envolvesse a progressividade tributária não seria o instrumento adequado para levar a uma melhor distribuição de renda no País e, evidentemente, à geração dos empregos que faltam a milhares de trabalhadores brasileiros? Afinal, hoje somos o quarto país no mundo em número de desempregados, com mais de sete milhões de brasileiros desafortunados, marginalizados, sem trabalho, sem salário, sem poder exercitar, na sua plenitude, a cidadania. A reforma tributária não caminha, empaca. A reforma tributária continua na Câmara dos Deputados. E não vigorará, certamente, no ano 2000.  

E a dívida pública brasileira? O endividamento do nosso País é assombroso. Quais políticas públicas de competência foram adotadas pelo Governo nesse período para conter o processo de endividamento público em nosso País? A legislação vigente tem sido utilizada para punir governantes gastadores que cometem crimes de improbidade administrativa impunemente? Estamos discutindo a aprovação de uma lei de responsabilidade fiscal com esse objetivo, sem antes cuidarmos do cumprimento da legislação que vigora, a fim de que ela coloque um freio na irresponsabilidade galopante de governantes insensíveis diante do drama vivido pela opinião pública brasileira.  

E o nosso modelo de privatização, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é o dos nossos sonhos ou o dos sonhos do nosso País? Não se trata de um modelo predador da economia, que vem dilapidando de forma voraz o patrimônio público brasileiro? Não tem sido esse modelo generoso em excesso com empresas multinacionais que se valem de recursos oriundos inclusive do esforço do trabalhador, por meio do BNDES, para se tornarem proprietárias de empresas estatais, constituídas ao longo de décadas, pelo esforço e pelo trabalho do povo deste País? Esse é o modelo de privatização que almejamos para a Nação Brasileira?  

E o fomento do desenvolvimento econômico e social, especialmente por intermédio do instrumento maior que é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social? Tem essa instituição destinado os recursos para os setores que verdadeiramente geram empregos ou concentra-os para atender aos grandes projetos, localizados especialmente em regiões metropolitanas, ignorando o interior? Assim, muitas cidades transformam-se num cenário de casas fantasmas abandonadas pelos seus habitantes desesperançados, por falta de apoio de políticas pública do Governo que possam promover o desenvolvimento e gerar emprego para todos, com justiça social.  

Basta citar que 40% dos investimentos em privatização no Brasil têm origem nos recursos do BNDES, que são, por sinal, recursos pertencentes ao trabalhador, provenientes do FAT, do PIS e do PASEP.  

O Governo tem que reconhecer que o seu modelo de desenvolvimento econômico e social não atende à realidade do nosso País. Os números dramáticos revelam que não há eficiência, que não há compatibilidade com as aspirações da nossa sociedade. É preciso reconhecer que não se admite mais esmagar as aspirações de vida digna da população a pretexto de assegurarmos a estabilização da nossa economia. Não se estabiliza a economia de um País às custas dos sonhos e das esperanças do seu povo. É preciso mudar o rumo, mudar a história, mudar as políticas públicas incompatíveis com a realidade social do País, mudar a postura, principalmente a postura ética, que desacredita, hoje, os governos, especialmente porque é preciso admitir que sem credibilidade popular nenhum projeto econômico ou social terá êxito, por mais eficiente que possa ser o governante e a sua equipe.

 

Para concluir, Sr. Presidente, devemos fazer autocrítica sim, porque é preciso reconhecer também as mazelas do Poder Legislativo, as suas deficiências, a sua incapacidade, a sua impotência, o desvirtuamento das suas funções, o seu descrédito perante a opinião pública brasileira. A descrença se generalizou e nos atingiu de forma brutal. É preciso reformar este Poder também, com a ousadia de quem aceita cortar a própria carne para eliminar excessos, economizando, sim, mas sobretudo transformando um instrumento debilitado num instrumento de eficiência e competência para atender às demandas sociais com maior agilidade.  

Sr. Presidente, autocrítica sim, porque, por mais que possamos ter feito e que possamos ainda fazer, será sempre muito pouco diante da grandeza dos problemas sociais deste País.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1999 - Página 34778