Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL.

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE AS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1999 - Página 35060
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, APREENSÃO, ORADOR, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POBREZA, MISERIA, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL.
  • QUESTIONAMENTO, EFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PAIS.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, TRABALHO, SENADO.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª Senadora Heloisa Helena, Srªs e Srs. Senadores, esta é a nossa última sessão. Na verdade, venho a esta tribuna para indagar a mim mesmo sobre o que fizemos, o que realizamos neste ano no Senado da República. Mas, estando aqui há cinco anos, o que realizamos e aonde queremos chegar.  

Como todos os demais Srs. Senadores, sou um homem público com profundas preocupações, preocupações que não nos deixam e que até se avolumam à medida que o tempo passa. Esse tempo que está passando - e o tempo não retrocede - está marcado como a passagem deste século, como a entrada no novo milênio. E desde quando eu ainda cursava os bancos escolares eu ouvia falar do Brasil, como ouço falar hoje: o Brasil com muitas desigualdades, com muitos problemas, enfrentando essa sorte de peripécias que têm atingido fundo a nossa sociedade. O grande mal que ainda não conseguimos vencer, que assola a todos nós, sem dúvida nenhuma, refere-se às desigualdades.  

No Brasil de hoje, segundo os dados do Unicef, existe cerca de 21 milhões de brasileiros abaixo dos 18 anos e pertencentes a famílias com renda per capita até meio salário mínimo; 53% residem no Nordeste brasileiro. O documento do Unicef, sem dúvida nenhuma, classifica isso como uma profunda violência, violência essa que se acentua quando sabemos que quase 3 milhões de brasileiros, entre 5 e 14 anos, têm necessidade de trabalhar para completar a renda familiar.  

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, que temos vontade de ajudar, que estamos aqui por delegação popular, que queremos honrar o mandato, trabalhar por um País mais próspero, mais feliz, ficamos nos indagando, como indago a mim mesmo: quais os motivos que levam um País como o nosso a ter uma pobreza tão grande? Por que tanta desigualdade social? Por que tanta concentração de renda? Por que essa desigualdade de oportunidades, que faz com que este País seja profundamente injusto? O que nos impedi, neste limiar de um novo século, de um novo milênio, às vésperas de o Brasil completar 500 anos de existência, de caminharmos em busca de um novo destino? Até quando o Brasil oficial, o Brasil dos Poderes Públicos, o Brasil das instituições - como li hoje em um artigo, se não me engano, da Folha de S.Paulo - vai continuar sufocando o Brasil real? Até quando vamos continuar enxergando o cenário de violência que domina a paisagem deste País abençoado por Deus, bonito, com uma natureza privilegiada, deste Brasil que, nesse particular, faz inveja a todos os outros países do mundo? Por que a violência tem aumentado, tem se disseminado cada vez mais? Por que essa violência, que intranquiliza e desassossega as famílias brasileiras, que tem aumentado ao invés de diminuir? Por que não existe solução para acabar com a violência contra as nossas crianças, por exemplo? Por que os nossos adolescentes tanto são vítimas como são autores dessas violências? O que está se passando conosco? O nosso país assiste todos esses acontecimentos traumatizado, sem dúvida nenhuma. Mas as coisas estão se banalizando de tal forma que a violência quase que não está causando tanta indignação quanto causava antes! Quando vemos, por exemplo, o recente episódio da Febem, quando vemos a exploração do trabalho infantil, quando assistimos a prostituição infantil! O que está acontecendo conosco?  

Fico pensando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no que assisti, noutro dia, pela TV Bandeirantes , por exemplo: aqueles que já trabalharam, já deram uma vida inteira - os aposentados - representam hoje a sobrevivência de um quarto da população brasileira. Se somos 160 milhões de brasileiros, os aposentados, com os seus ganhos, estão sustentando 40 milhões de brasileiros.  

O que está havendo, portanto, no cenário nacional? E por que este Brasil ainda caminha? Por que ainda tem esperança?  

Fico me perguntando por que o Brasil é assim. Como o Brasil resiste a tudo isso? E não tenho dúvida nenhuma de dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que quanto mais esses fatos atingem fundo a vida dos cidadãos brasileiros, quanto mais a cidadania é atingida, parece que mais aumenta entre nós um grande sentimento, um sentimento que nesta época do ano, por exemplo, está perfeitamente caracterizado: o sentimento da fraternidade, da solidariedade.  

Não tenho dúvida quanto a característica do povo brasileiro em ser um povo pacífico, trabalhador e ordeiro, de ser um povo de espírito fraterno e solidário.  

É por isso que venho aqui neste fim de ano, para dizer que se esse é o balanço, não devemos desanimar, porque desde que me entendo por gente vejo as coisas caminharem assim. Só que eu não me conformo, isso me deixa indignado. Se é esse o contexto, se apesar de todas essas dificuldades que o Brasil enfrenta o povo tem esse sentimento de solidariedade, compreende que o nosso Brasil é um país de condições privilegiadas, que pode utilizar essas condições para resolver os seus problemas e se tornar um importante colaborador mundial, é porque o que nos anima é a imensidão do território nacional, ao lado dessa solidariedade, é sabermos que temos terras férteis, é sabermos que temos campos adequados à pecuária, que temos climas variados, pouco sujeitos às grandes calamidades que assolam outras regiões do planeta Terra, é saber que temos terras propícias ao cultivo das mais diversas culturas, é saber que o Brasil é um país rico no setor mineral, que o Brasil é rico de águas, água doce que os estudiosos anunciam que vai faltar ao mundo.  

Então, se o Brasil tem tudo isso, por que o Brasil não resolve os seus problemas? Por que temos a frase célebre de que o Brasil tem tudo para se transformar no celeiro do mundo e não se transforma? Afinal de contas, o que é necessário para que haja maior igualdade entre os brasileiros? O que falta para erradicarmos a pobreza no Brasil, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores? Será que estamos precisando de um planejamento objetivo? Será que não está havendo uma orientação política adequada? Será que a política que nos conduz é dessas que cada vez mais concentra renda ao invés de descentralizar? Estamos vendo as grandes metrópoles inchadas, estamos vendo as grandes cidades brasileiras com um ar quase irrespirável devido a tanta poluição e estamos vendo o interior do nosso Brasil no aguardo de incentivos e planejamento, esperando que se estimule o seu desenvolvimento. Será que é falta de vontade política? Será que estamos engalfinhados nesse mundo globalizado, nesse processo de globalização irreversível, mas cruel, que está fazendo com que os países mais ricos sufoquem e acabem com os países mais pobres?  

Em suma, que papel o homem público deve desempenhar, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, para revertermos esse quadro no nosso País e melhorar a distribuição de renda? O que está faltando para que possamos fazer isso? Estamos direcionando erradamente os nossos recursos? Será que não temos de entender que, ao invés de privilegiarmos os grandes, temos de aplicar esses recursos em infra-estrutura e em bem-estar social? Será que não temos de prestar mais atenção na luta pela preservação e pela conquista dos direitos humanos? Os direitos humanos a que me refiro aqui não são os direitos humanos da retórica; são os direitos humanos sociais, cujos exemplos são a educação e a saúde, direitos que a Constituição da República diz que são de todos e um dever do Estado. No entanto, eles continuam, no Brasil, a sacrificar o povo brasileiro.  

Será que não estamos direcionando mal os nossos recursos? Será que essas votações que estamos fazendo no Senado em defesa dos nossos Estados não estão onerando recursos? Será que o povo não tem razão de ficar indagando como há recursos disponíveis para instituições financeiras - umas já foram privatizadas, e outras o serão brevemente - e não há recursos para aplicar em defesa desses direitos humanos, em defesa da habitação, em defesa da moradia, em suma, em favor da erradicação da pobreza neste País?  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou convencido de que o fim do ano é a hora de meditarmos profundamente sobre os principais problemas deste País e não só meditarmos, mas colocarmos a nossa vontade política a serviço da solução desses problemas.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador Ramez Tebet?  

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Com muito prazer, ouço V. Exª, Senador Casildo Maldaner.  

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Ramez Tebet, quando estava chegando, vinha acompanhando pela TV Senado o pronunciamento de V. Exª. E pensava que, se chegasse a tempo e fosse possível, iria aparteá-lo para dizer que fiquei emocionado ao acompanhar o tema de V. Exª. Aliás, não é novidade para nós o esforço que V. Exª tem dedicado, sempre com muita seriedade, não só representando o seu Estado, Mato Grosso do Sul, onde já foi governador inclusive, preocupando-se com os temas do Brasil inteiro. Eu ouvia V. Exª dizer que o nosso País tem as melhores água do mundo, tem mais isso e aquilo e indagar por que não conseguimos erradicar um pouco mais a pobreza e a miséria. Por que muitas vezes falta o alimento? Agora, estamos até a importar comida nesse País imenso. Será que algumas políticas são bem traçadas, dizia V. Exª? Será que não precisamos diminuir a concentração da renda, para que todos participem? E veja bem, Senador Ramez Tebet: quando V. Exª medita dessa forma, questiona e, ao mesmo tempo, responde. V. Exª é um pregador. V. Exª coloca o dedo na ferida. E, justamente por isso, precisamos adotar uma política mais condigna com as teses, mesmo na produção de alimentos, mesmo quando V. Exª levanta a tese de que as grandes metrópoles cada vez incham mais, concentrando os problemas. O que está havendo? V. Exª responde que é a concentração. Sempre digo também que há três problemas sérios nas grandes metrópoles: moradia, infra-estrutura e segurança. Se o Governo aplicar um sistema de política de interiorização do desenvolvimento, se fizer incentivos por intermédio do BNDES e usar o Banco do Brasil como instrumento para interiorizar o desenvolvimento, ao invés de fomentar mais as grandes metrópoles, estaremos ocupando o País mais equitativamente e distribuindo as riquezas, a educação, a saúde, o trabalho, quer dizer, ocupando mais isonomicamente o País. Penso que, dentro desses princípios, se adotarmos uma política de desenvolvimento nessa linha, conforme a preocupação de V. Exª, estaremos avançando. Fico feliz porque pude chegar a tempo, praticamente no último dia de sessão do período legislativo ordinário deste ano, para ouvir a análise de V. Exª a respeito do que fomos e para onde vamos. Fico feliz - repito - de poder aparteá-lo e dizer que V. Exª representa com dignidade, não só o Mato Grosso, mas o Brasil neste Parlamento.

 

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Casildo Maldaner, o seu aparte me honra muito, porque conheço a vida de V. Exª, que é um lutador. Como homem humilde e trabalhador, V. Exª venceu os obstáculos e as dificuldades que a vida interpõe em nossos caminhos e chegou a esta Casa representando brilhantemente o Estado de Santa Catarina.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando vejo o Brasil, enxergo o meu Mato Grosso do Sul, suas terras férteis e campos. Fico, então, a perguntar por que não há dinheiro para a nossa terra produzir melhor? Onde está a política em favor da agricultura? Onde está a política agrária? Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fico indagando por que o meu Estado está, praticamente, cercado por acampamentos, violência no campo e invasões de terra, que triplicaram no meu Estado. Por que não colocar ordem em alguns Estados como este, para que tenhamos uma reforma agrária justa, humana, cristã, que dê emprego e faça este Brasil produzir? Deve-se buscar evitar o que está acontecendo no meu Estado, onde se vêem agricultores e produtores inteiramente desestimulados pelo que está ocorrendo, sem que se tome providência alguma!  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, olho para o meu Estado, cujo território vai ser cortado em cerca de 722 quilômetros pelos canos para conduzir o gás da Bolívia para todo o nosso País. E, até agora, apesar de todo o nosso esforço nesta tribuna, apesar das audiências que temos pedido ao Ministro das Minas e Energia, apesar da nossa insistência com a Petrobrás e do nosso apelo ao Presidente da República, ainda não se resolveu, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fazer o que é mais simples.  

Por isso, digo que falta vontade política e determinação de dar uma tarifa diferenciada, para que haja a agroindustrialização do interior do Brasil. E refiro-me ao caso específico de Mato Grosso do Sul. É olhando para o meu Estado que enxergo as potencialidades deste imenso País, que tem tudo para crescer, e não cresce; e, quando cresce, cresce com renda concentrada nas mãos de poucos, em detrimento de muitos, algo duro para quem representa, como eu, um Estado como o Mato Grosso do Sul, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.  

O meu Estado tem muitas universidades.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Faz soar a campainha.)  

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Já vou encerrar, Sr. Presidente. E podemos dizer que o ensino superior que oferece é espetacular, se levarmos em conta o seu tamanho, o número de municípios que tem. No entanto, vejo que o estudante faz o vestibular, entra na faculdade e muitas vezes é obrigado a lançar mão de um crédito educativo que representa, na verdade, uma operação de crédito bancário, em vez de representar um auxílio, um estímulo à mocidade estudiosa da nossa terra. Não compreendo isso.  

Senti-me compelido a vir à tribuna neste final de ano para manifestar essas preocupações e fazer este balanço, ainda que seja ele superficial, pois só disponho de vinte minutos. Não falo como um homem pessimista. Não. Falo constatando a realidade, falo até com otimismo, graças à potencialidade do Brasil, graças às riquezas do Brasil. E falamos aqui em algumas das riquezas que são reconhecidas por todos os países do mundo. Mas falo com a esperança de que tudo possa melhorar.  

Iríamos longe não fora o tempo, que é implacável, e não fora a minha convicção de que outros Senadores têm que ocupar esta tribuna na derradeira sessão deste ano.  

E porque é a derradeira sessão deste ano, Sr. Presidente, dirijo-me a todas as autoridades públicas deste País e chamo a atenção para o que aconteceu neste Senado durante o ano que ora se encerra. O Senado desenvolveu este ano um trabalho rico, um trabalho gigantesco e pudemos comprovar que a sociedade está participando. As CPIs que aconteceram aqui, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, foram impulsionadas por uma sociedade que quer um país mais digno, um país mais honrado.  

Fico, portanto, na esperança mais viva de que o Brasil do próximo milênio vá ser um Brasil sem concentração de renda, vá ser um Brasil com respeito ao meio ambiente, onde se promova o desenvolvimento auto-sustentado. E vai ser, sobretudo, um país com profundo respeito pelos direitos humanos. E quando falo em direitos humanos, falo em qualidade de vida, falo em habitação, falo em saúde, falo em educação, falo, sobretudo, do desemprego, que nós precisamos vencer, porque é o fantasma maior que assola as famílias brasileiras.  

Sr. Presidente, que para todos nós, do Senado da República, e, ao nosso lado, todas as famílias deste Brasil, as alegrias do Natal se reproduzam e que no próximo ano, no ano 2000, que se inicia daqui a uns dias, que nos 500 anos do Descobrimento do Brasil, assistamos ao despertar de um Brasil próspero, de um Brasil feliz, de um Brasil humano e de um Brasil justo.  

Que Deus abençoe todo o povo brasileiro é o meu desejo, Sr. Presidente!  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1999 - Página 35060