Pronunciamento de Pedro Simon em 15/12/1999
Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
NECESSIDADE DE PRIORIZAÇÃO DO COMBATE A FOME.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.:
- NECESSIDADE DE PRIORIZAÇÃO DO COMBATE A FOME.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/12/1999 - Página 35063
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
-
- LEITURA, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, MESA DIRETORA, REMESSA, COPIA, SECRETARIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROPOSIÇÃO, CONVOCAÇÃO, ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINARIA, DISCUSSÃO, MEDIDA DE EMERGENCIA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, MISERIA, MUNDO.
- DEFESA, NECESSIDADE, BRASIL, ATENÇÃO, PRIORIDADE, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL.
- IMPORTANCIA, DESDOBRAMENTO, COMISSÃO ESPECIAL, CONGRESSO NACIONAL, BUSCA, REDUÇÃO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, MISERIA, BRASIL.
O SR. PEDRO SIMON
(PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chegamos à última sessão do mês de dezembro de 1999, portanto, a última sessão deste século e deste milênio. Estamos numa sessão histórica. Ela é singela, simples, modesta, mas é uma reunião que, de certa forma, marcará como nós chegamos ao final deste milênio – como o mundo, como o Brasil, como nós, Parlamentares, nos sentimos no final deste século e como nos preparamos para os dias que hão de vir.
Durante mais de seiscentos anos disseram que o ano 2000 marcaria o fim da humanidade. Foram inúmeros os estudos, as histórias, os futuristas e os historiadores que disseram que o mundo terminaria no ano 2000. Mas parece que isso não vai acontecer. Eu acho que não. E me despeço da tribuna na expectativa de voltar no próximo milênio. Se não voltar, fica aqui a minha despedida!
Em pronunciamento que fiz na semana passada, eu dizia que, de certa forma, angustiava-me ver o Brasil e a humanidade chegarem ao fim de uma era sem uma perspectiva, sem um propósito, sem uma tomada de posição para o período que há de vir.
Foi um ano azarado esse que passou, se pensarmos nos eventos a que a humanidade assistiu. Quase nada, eu diria, deu certo. Para culminar, em Seattle, nos Estados Unidos, a última reunião de líderes mundiais da humanidade, que pretendia definir como seriam as negociações e o comércio no próximo século, foi um fracasso total. Surpreendeu-nos ver que havia tantos pobres nos Estados Unidos. Os pobres e os miseráveis quase impediram a realização da reunião, fazendo um grande protesto contra as injustiças e a prepotência dos países mais ricos.
No Brasil, nem sei como vão os festejos dos 500 anos da descoberta do País. Diante dos números, que são tão pessimistas, publicados a cada dia, não vi e não senti qualquer preocupação, desejo ou vontade de mudar.
Cheguei a fazer uma proposta – romântica, é verdade – ao Presidente Antonio Carlos para que ele reunisse, nestes últimos dias do ano, uma comissão de notáveis para, pelo menos, tomar uma posição, traçar um plano de ação do que queremos. Não consegui, Sr. Presidente.
Vou ler aqui uma moção romântica, sui generis , ridícula, grotesca ou seja lá que adjetivo queiram lhe dar. Vou entregá-la à Mesa para que conste dos Anais e, se o Presidente do Senado quiser – acho que não vai querer –, que a leve adiante.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por intermédio da Mesa do Senado, endereço ao Secretário-Geral da ONU a seguinte proposição.
Proposta:
Aos quinze dias do mês de dezembro de 1999, no encerramento deste milênio de tantas guerras e sofrimentos, venho propor aqui desta tribuna à Organização das Nações das Unidas que convoque uma Assembléia Geral Extraordinária para discutir medidas urgentes relativas à extinção da pobreza e da miséria entre os homens.
A convocação dessa Assembléia Extraordinária se justifica pela indignação da humanidade com o fracasso das políticas públicas concebidas no sentido de erradicar o maior mal deste final de século e milênio: o morticínio causado pela fome.
Propomos que a luta contra a desnutrição seja considerada a meta prioritária da humanidade; e que o não engajamento nessa luta implique no boicote econômico e político dos demais países à nação infratora.
Propomos, também, que, a partir desta data, o boicote a essa luta prioritária seja a única justificativa para eventuais represálias internacionais. Assim, todas as restrições econômicas impostas hoje a determinados países serão revogadas.
Acreditamos que será desnecessário apresentar diagnósticos particulares sobre esse problema, pela consciência de que ele assume, hoje, abrangência mundial, principalmente nos países menos desenvolvidos. Imagens de televisão e fotos jornalísticas mostram, cotidianamente, que a fome se estende por todos os quadrantes da terra.
Propomos, ainda, que a agricultura seja, de fato, encarada como prioritária em todos os países. A safra mundial deverá ter, como meta mínima, atender às necessidades diárias básicas nutricionais de todos os seres humanos.
Para que isso seja possível, serão extintas todas as barreiras tarifárias e não tarifárias, que têm impedido o livre comércio internacional e acentuado os desníveis econômicos entre os países, apesar do discurso liberal dominante em escala mundial.
Pleiteamos que o comércio mundial de alimentos agrícolas seja livre, que a remuneração dos produtores seja justa, e que a alimentação das populações miseráveis seja custeada pelos subsídios que, até hoje, têm servido, muito mais, para aprofundar as disparidades internacionais.
Estudo feito em 1992 pela própria Organização das Nações Unidas mostrou que o mundo desenvolvido concedeu, a seus agricultores, subsídios que alcançaram US$352 bilhões; e que países em desenvolvimento poderiam até triplicar a exportação de grãos, se não existissem barreiras alfandegárias nos Estados Unidos, no Japão e na Europa.
Proponho que não se admita mais, sob qualquer hipótese, a existência de terras ociosas e que cada país, segundo seus preceitos constitucionais, promova modificações na sua estrutura agrária, para que as populações sem terra e sem emprego possam contribuir para a consecução dos objetivos aqui definidos.
Para a realização desta grande missão, talvez a mais nobre de toda a História da Humanidade, existem recursos financeiros fartos, mas desde que os países redefinam suas prioridades em termos de investimento.
No Brasil, por exemplo, nos últimos anos, o Governo Federal gastou quase R$40 bilhões para sanear instituições financeiras falidas.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a extinção da fome será o primeiro passo na caminhada mundial em busca de dignidade para todos os seres humanos no próximo milênio. A partir dela poderemos almejar mais. Que todos os homens tenham um teto. Que todos os homens tenham acesso à educação. Que todos os homens tenham acesso a tratamento médico.
Sr. Presidente, gostaria que esta minha convocação chegasse ao Secretário-Geral das Nações Unidas. Assim, solicito à Mesa que envie cópia desta minha proposta àquela Secretaria-Geral.
Também quero que as gerações futuras saibam, lendo os Anais desta Casa, que, neste final de milênio, ainda existem seres humanos que conservam a esperança na construção de um mundo melhor, no qual todos tenham assegurados os seus direitos mais fundamentais, independentemente de raça, sexo, credo ou nacionalidade.
Este é o meu requerimento, Sr. Presidente. O que será feito dele eu não sei. Mas seria interessante que debatêssemos essa matéria. Seria muito importante que o Presidente da República meditasse sobre essas questões em seu Governo. São tantos os projetos injustos que temos decidido! São tantos os equívocos que temos analisado! Parece-me, às vezes, que sonhar é necessário. Juro que eu não sei se nós, que estamos aqui, perdemos a capacidade de nos indignar. Os nossos olhos não conseguem enxergar além da beleza deste plenário, dessas luzes, dessa abóbada celeste e do azul dos tapetes.
Não que não tenhamos vontade, não que não tenhamos disposição, mas não sei se não nos acomodamos ao que está aqui. Afinal, este é o nosso mundo. O nosso mundo é este Senado. O nosso mundo é sabermos que hoje entramos em recesso.
Há alguns entre nós que são pessoas piedosas, de coração grande e que estão ajudando os outros. Muitos de nós que estão dando dinheiro para que nenhuma criança passe o Natal com fome. Que campanha mais bela! Nos outros dias, eu não sei o que acontece. Mas para o "Natal sem fome" há uma campanha extraordinária. E muitos de nós dormem com a consciência tranqüila: "Eu já dei a minha contribuição; eu já dei a minha roupinha usada, que não uso mais, para que não haja criança com frio".
Eu me pergunto: será que perdemos a capacidade de entender a nossa missão e a nossa responsabilidade? Eu fecho os olhos e vejo o velho Teotônio, com os seus quatro cânceres, sendo retirado de sua cadeira de rodas, para, com as suas bengalas, ir à tribuna dizer aos jovens do Rio Grande do Sul: "Meus jovens, estou aqui à revelia de todos os meus médicos. Sou um homem rico e, como tenho quatro cânceres, eles dizem que eu devo aproveitar, viajar para a França, divertir-me, passear. E estou aqui, porque a minha consciência me diz que é minha obrigação estar aqui. Mas não são apenas as minhas palavras. Eu estou aqui para que vocês, jovens, entendam, para que vocês, que têm mocidade, que têm saúde, que têm olhos para ver, ouvidos para ouvir, boca para falar, pensem e falem por aqueles que não podem enxergar, que não podem ouvir, que não podem falar. Vocês, que estão na faculdade, que estudam, que nasceram em berço de ouro, que são gente, devem pensar nos outros".
E nós, Sr. Presidente, que somos Senadores da República, que somos pais da Pátria, o que fazemos? Qual é a nossa missão? Todos vamos sair satisfeitos; estamos felizes, porque esgotamos a pauta.
Nunca se votou tanto na história do Senado. Que bom! Nunca se votou tanto! Nunca a pauta do Senado foi tão livre! Que bom! Mérito do Presidente! Nota 10! Mérito dos Senadores! Nota 10!
Mas alguém deixou de passar fome? Diminuiu a fome por causa do nosso trabalho? Diminuiu a miséria por causa do nosso trabalho? Alterou-se a sociedade pelo nosso trabalho? Temos algum propósito diferente neste final de milênio?
Não sei. Sinto-me culpado. Não estou atirando aqui pedra nos outros, mas em mim. Sinto-me responsável, sinto-me fracassado, sinto-me um deslocado, que não sabe fazer o mínimo que era obrigado a fazer. Perdoem-me, mas olho para todos os senhores e não sinto nenhum dos senhores em melhor situação do que eu. Pode ser que alguns tenham mais mérito? Sim. Mais competência? É claro que sim. Mais capacidade? É claro que sim. Maiores êxitos que os meus? É claro que sim! Mesmo assim, aquele que entre nós se achar o mais capaz e competente, o que mais realizou, que me responda o que fez.
O Brasil tem uma incapacidade na área social que é tremenda. O Brasil é a décima potência no campo econômico, no institucional. No campo científico, estamos disputando com os maiores países do mundo. Mas no campo social, eta elitizinha danada a brasileira! Eta gentinha egoísta a elite brasileira, na qual nos encontramos. Alguns, como eu, como elite política, são senadores; outros, como alguns de V. Exªs, como elite política e econômica, são grandes homens, detentores de grandes fortunas, que eu, lamentavelmente, não tenho.
Mas nós, no Brasil, não consideramos prioritário o que é prioritário. O Governo lançou o Proer, destinou a ele R$40 bilhões, porque considerou fundamental, não tinha como deixar alguns bancos quebrarem. O Nacional, por exemplo, não podia quebrar: 750 contas fantasmas, durante 10 anos, movimentando US$12 bilhões imoralmente! Mas não podia quebrar! Porém, pequenos produtores, pequenos proprietários, desemprego, gente na rua, gente morrendo de fome pode continuar a morrer; esses que esperem; que fiquem na fila aguardando que um dia a gente chegue lá.
Não sei, vou dizer pela milésima vez: para mim, o governo de um país é como uma família. Eu, na minha família, faço o que posso para todos os meus filhos. V. Exª também, Sr. Presidente. Mas V. Exª não tem um filho ao qual deu luxo e casa na Europa enquanto o outro está passando fome. Damos, prioritariamente, a cada filho segundo a sua necessidade. Primeiramente, que nenhum dos meus filhos tenha fome – eu já fico satisfeito; segundo, que os meus filhos tenham saúde; terceiro, que os meus filhos tenham teto; quarto, que os meus filhos tenham educação. Eu não dou três casas para um e o outro que more embaixo da ponte; eu não dou estudo numa universidade americana para um e que o outro fique analfabeto; eu não dou operação plástica para uma mulher e que a filha fique sem atendimento médico. No entanto, isso é o que se faz no Brasil. É assim que se trata a família brasileira: para alguns, tudo; para a imensa maioria, nada.
Não quero imitar o Garotinho e nem virar pregador, mas, na minha opinião, a página mais bonita do Evangelho, a página mais bonita escrita na humanidade, é um trecho de Mateus, no Sermão da Montanha. Alguém já disse que se houvesse uma catástrofe e desaparecessem todos os escritos e sobrasse somente o Sermão da Montanha para os que viessem depois, já seria uma grande lição, uma fantástica lição. Algum de nós já o leu para ver onde nós, Senadores do Brasil, estamos inseridos nesse sermão?
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
Não somos nós.
Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os pacíficos, porque serão filhos de Deus.
Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque o reino dos céus é para eles.
Bem-aventurados sois vós, quando, por minha causa, vos injuriarem e perseguirem e disserem, falsamente, contra vós toda a espécie de mal. Alegrai-vos e exultai, porque será grande nos céus a vossa recompensa. Foi assim que perseguiram os profetas que viveram antes de vós.
Sou espiritualista, acredito numa vida depois desta, Sr. Presidente. Acredito nos preceitos que dizem que nós temos que aqui ter uma atuação por merecê-la. O que fizemos nós, Sr. Presidente? O que fizemos nós?
Outro dia eu falava, se não me engano, desta tribuna, que quando Cristo voltar Ele haverá de dizer: quando Eu tive fome, você me ajudou. Quando Eu tive sede, você me ajudou. Quando Eu estava sem roupas, foi você quem me ajudou; venha para cá! Quando Eu tive fome e sede, você não me ajudou; vá para lá! E nós vamos perguntar: quando é que aconteceu isso? Ele vai responder: quando não olhaste uma criança nua na rua, com sede, com fome, foi para Mim que não olhaste.
O que nós fizemos para reparar isso, Sr. Presidente? O que nós fizemos para alterar essa condição? O que nós fizemos para que este mundo seja menos cão, menos cruel e menos rebelde?
Sr. Presidente, eu deixo o meu abraço e os votos de um bom Natal, graças a Deus sem fome, para nós e para os nossos filhos. Eu deixo votos de felicidade neste último dia e sinto a seriedade desta Casa. Eu sinto que, aqui, existem homens e mulheres de bem. Eu sinto a boa vontade e a disposição de fazer presentes nesta Casa. Jamais eu falaria aqui e jamais me dirigiria nestes termos se não fosse com muito carinho e com muito respeito e, de certa forma, mais como uma introspecção minha, um desabafo meu a mim mesmo, do que me dirigindo aos meus colegas.
Mas que no próximo ano, Sr. Presidente, tenhamos uma nova visão e que possamos buscar uma nova realidade. Afinal, neste ano, por iniciativa do Presidente Antonio Carlos Magalhães e da ilustre Líder do PT – um apresentando um projeto e a querida Líder sugerindo a criação da Comissão –, nós tivemos momentos que eu nunca tinha visto neste Congresso: Deputados e Senadores de todos os partidos encontraram a unanimidade na tentativa de acertar e de buscar um entendimento. Não digo, como o Presidente Antonio Carlos Magalhães, para erradicar a pobreza, mas, pelo menos, para diminuí-la, o que já foi um grande passo. Que no ano que vem, com o desdobramento dessa Comissão, o trabalho desenvolvido possa ser levado adiante! Está aqui presente o querido Presidente da Comissão, o ilustre e extraordinário Senador de Goiás, que fez um belíssimo trabalho. De acordo com a proposta de todos, S. Exª já solicitou - e, dessa forma, aprovamos - que a Comissão se tornasse permanente. E quem sabe, assim, possamos encontrar o caminho para buscarmos o que desejamos.
Peço desculpas por não ter concedido apartes, pois creio que o Sr. Presidente não o permitiria.
O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Pedro Simon, V. Exª compreende que, já tendo ultrapassado em seis minutos o seu tempo, a Mesa tem dificuldades em permitir os apartes.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Compreendo isso totalmente, Sr. Presidente. Quero apenas que, com a palavra de V. Exª, os ilustres Senadores também o compreendam.
Veja, Sr. Presidente, como é, de certa forma, infantil a minha atitude. Saio satisfeito ao entregar a V. Exª a carta dirigida ao Secretário-Geral da ONU. V. Exª faz a sua parte. Eu já fiz a minha.
Muito obrigado.