Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ABUSOS PRATICADOS PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO, EXEMPLIFICANDO O CASO DO CIDADÃO ACREANO, SR. JOAQUIM FALCÃO MACEDO.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA HABITACIONAL. :
  • ABUSOS PRATICADOS PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO, EXEMPLIFICANDO O CASO DO CIDADÃO ACREANO, SR. JOAQUIM FALCÃO MACEDO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/01/2000 - Página 420
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, HOMENAGEM POSTUMA, EXPEDITO MEDEIROS, SACERDOTE, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).
  • COMENTARIO, PROBLEMA, MUTUARIO, SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH), CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), ALTERAÇÃO, CONTRATO, PREJUIZO, CIDADÃO, DENUNCIA, DESRESPEITO, CONSELHO MONETARIO NACIONAL (CMN), ILEGALIDADE, ATUAÇÃO.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, inicialmente, quero solidarizar-me com o Senador Agnelo Alves pela justa homenagem que faz a uma figura religiosa do Nordeste e dizer que se conseguirmos cultivar a memória desses homens que representam tanto para a vida de nossas comunidades mudaremos o País. O importante é que o Brasil saiba fazer juízos de valor que estejam à altura da dimensão humana, como muito bem foi salientado por V.Exª.  

Então, sou francamente solidário a esse requerimento, que foi aprovado também pela sensibilidade da Mesa.  

O Sr. Agnelo Alves (PMDB - RN) – Estou muito agradecido a V. Exª.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Sr. Presidente, quero trazer aqui um fato que ilustra, acredito, um problema e uma angústia de milhares de brasileiros, que não deve ficar isolado por ser uma carta simples e muito objetiva de um cidadão acreano, que recebi quando estive visitando os Municípios no período de dezembro e janeiro. Ela fala sobre a situação dos mutuários do Sistema Financeiro de Habitação, da Caixa Econômica Federal, e, a meu ver, traduz fielmente a angústia e o desrespeito que pairam sobre milhares de brasileiros que passam por esse tipo de problema. Foi escrita por um cidadão que já foi Prefeito, Governador, Deputado Federal pelo Estado do Acre e que hoje vive como um digno cidadão de classe média e já teve o sonho de um dia ter uma casa própria também. Inscreveu-se em 1968 para adquirir um apartamento em 360 prestações durante o período de 30 anos. Este cidadão, Sr. Joaquim Falcão Macedo, coloca nesta carta o seguinte: "Em 30 de novembro de 1999, quando comemorava o pagamento da última prestação, fui notificado pela Caixa Econômica Federal de que ainda teria de pagar mais 15 anos, ou seja, 180 prestações."  

Esse cidadão, que tem quase 75 anos de idade, quando comemorava em família a quitação de um apartamento, depois de 30 anos de prestações cumpridas religiosamente, é avisado de que sua dívida estaria sendo prolongada por mais 15 anos. Então, faz uma pergunta que todos deveriam fazer: se uma pessoa com quase 75 anos de idade tiver de passar mais 15 anos de sua vida pagando prestações de um apartamento cujo contrato, feito em 1968, era outro, será que poderá, em vida, quitar esse compromisso que não foi feito nem assinado por ela, mas pela Caixa Econômica Federal? A CEF, a meu ver, arbitrariamente toma uma medida unilateral que fere princípios do consumidor, do cidadão brasileiro e atinge milhares de pessoas neste País.  

Tais situações devem ser levadas adiante neste País, não podendo mais ser adiadas. Está-se negando o direito ao cidadão brasileiro de, junto com sua família, pensar em adquirir um imóvel que possa pertencer a si, deixando dessa forma uma lembrança de vida a seus familiares.  

Vale lembrar que a Caixa Econômica Federal foi criada em 1861, na cidade do Rio de Janeiro, pelo Imperador D. Pedro II, com a finalidade inicial de recolher depósitos populares em poupança e emprestá-los sob penhor às classes menos favorecidas.  

A missão da Caixa é: "Promover a melhoria contínua da qualidade de vida da sociedade, intermediando recursos e negócios financeiros de qualquer natureza, atuando prioritariamente no fomento ao desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e na administração de fundos, programas e serviços de caráter social."  

A intervenção da Caixa Econômica Federal é obrigatória em todas aquelas causas em que se discutem valores relativos aos contratos de financiamento para aquisição de bem imóvel celebrados sob as normas regentes do Sistema Financeiro de Habitação, independentemente da presença ou não da cláusula relativa ao chamado FCVS - Fundo de Compensação de Valores Salariais.  

A partir de então, tomaram-se como instrumento o desrespeito a contratos feitos originariamente e a permissão de dilatação de dívidas que não deveriam ser apresentadas ao usuário brasileiro.  

Segundo Miguel Guskow, Subprocurador-Geral da República, "à Caixa Econômica Federal compete a fiscalização da sociedade de crédito imobiliário, ex vi do estabelecido na legislação de regência (arts. 35 e 41 da Lei nº 4.380/64 c/c art. 1º, § 1º, do Decreto-Lei nº 2.291/86). Entretanto, descura-se do seu dever legal extrajudicialmente e, quando é chamada a integrar a lide, escusa-se de tal mister sob o argumento de que seu ingresso no feito é facultativo, ou que não tem interesse na causa, ou ainda que o contrato firmado entre as partes se ressente de cláusula relativa ao Fundo de Compensação de Valores Salariais" – esse famigerado FCVS. "Nenhuma das condicionantes para se eximir da responsabilidade é legítima."  

Uma das atividades desse agente financeiro é a oferta de serviços de crédito de que se utilizam os mutuários para a compra de imóvel dos vendedores, sendo que a remuneração desses serviços é representada pelos juros incidentes sobre o valor do financiamento, acrescidos da correção monetária e com a finalidade de se manter a equação financeira inicial do contrato.  

Vejo essa atividade ofertada pelos agentes financeiros como uma relação de consumo, mediante o empréstimo de determinada quantia em dinheiro sobre a qual incidem juros e que será ressarcida pelo mutuário em prestações mensais durante um período determinado. Enquadra-se no conceito de fornecedor estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art. 3º, § 2º: "O mutuário do sistema financeiro de habitação, de interesse social, está compreendido no conceito de consumidor, nos termos da Lei n.º 8.078, de 11/09/90, que, definindo serviço, para fins de incidência de suas normas, faz incluir no conceito as atividades de natureza bancária, financeira e de crédito (art. 3°, § 2° - Juiz Olindo Menezes, AG 96.01.45428-4/MT; Agravo de Instrumento; decisão da Terceira Turma, por maioria, deu provimento ao agravo de instrumento).  

Em seu art. 2º, o Código de Defesa do Consumidor define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".  

Essa atividade que a Caixa Econômica exerce, que empresta ao público - desde que satisfeitas algumas exigências - que necessita de casa para moradia, encerra uma relação de consumo.  

Essas relações são firmadas mediante contratos cujas cláusulas uniformes são dirigidas por autoridade governamental (Conselho Monetário Nacional) e preestabelecidas de forma unilateral pelo agente financeiro, não se facultando ao mutuário a discussão ou modificação substancial do conteúdo já escrito. O mutuário é limitado a aceitar as cláusulas em bloco já previamente elaboradas.  

Ao consumidor restam apenas as alternativas de aceitar ou não o contrato, não podendo modificá-lo mesmo que as cláusulas ali apresentadas o coloquem em desvantagem financeira.  

Assim, o mutuário que comprou seu imóvel em 1968 com financiamento a ser pago em 30 anos, quando chega a última prestação em 1999 e ele comemora o final do financiamento, é notificado pela Caixa para refinanciar o saldo devedor em mais 180 prestações ou pagá-lo a vista, sob pena de perder o imóvel, pois seu contrato não possuía uma cláusula de que ele era optante do FCVS, Fundo de Compensação de Valores Salariais, a qual se integrasse seu contrato seria quitado o seu imóvel ao final de 30 anos.  

Ora, mesmo se o mutuário soubesse que haveria essa possibilidade quando do fechamento do contrato, ele não poderia fazê-lo, pois foge às regras do Conselho Monetário Nacional.  

Princípios da transparência, da boa-fé objetiva e da eqüidade contratual, bem como a proibição de cláusulas abusivas, são preceitos estabelecidos expressamente pelo Código de Defesa do Consumidor e independentes de pacto contratual. É conduta obrigatória, originada de previsão constitucional e mandamento legal de interesse social de ordem pública.  

Mesmo que um contrato seja anterior a 1º de março de 1991, quando as normas do Código de Defesa do Consumidor entraram em vigor, essa relação de consumo deve ser regida seguindo a proteção da ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, XXXII, art. 170, V da Constituição Federal.  

Posso entender que o caso ilustra a violência praticada pelo Conselho Monetário Nacional ao cidadão brasileiro que tem o direito justo, democrático e soberano de ter acesso a um imóvel que possa representar uma aquisição para si e para sua família.  

Lamento profundamente que as instituições brasileiras e o Conselho Monetário Nacional dêem, como resposta a um indivíduo que quitou de maneira judiciosa 30 anos de uma dívida assumida, o prolongamento da dívida por mais 15 anos. E não sabemos se esse indivíduo em vida vai poder cumpri-la como imaginava em 1968.  

O que tenho a dizer é que todos os cidadãos envolvidos nesse tipo de agressão e desrespeito por parte do Conselho Monetário Nacional devem entrar na Justiça, lutar por seus direitos, para não pagar por um ato que fere a dignidade do povo brasileiro.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/01/2000 - Página 420