Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DENUNCIA SOBRE AMEAÇA DE DESTRUIÇÃO DOS MANANCIAIS QUE ABASTECEM BELEM DO PARA. CRITICAS A ATUAÇÃO DO GOVERNO ESTADUAL NA CONDUÇÃO DO PROJETO DE ENGENHARIA DO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITARIO DO PROSEGE.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL.:
  • DENUNCIA SOBRE AMEAÇA DE DESTRUIÇÃO DOS MANANCIAIS QUE ABASTECEM BELEM DO PARA. CRITICAS A ATUAÇÃO DO GOVERNO ESTADUAL NA CONDUÇÃO DO PROJETO DE ENGENHARIA DO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITARIO DO PROSEGE.
Publicação
Publicação no DSF de 21/01/2000 - Página 683
Assunto
Outros > ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • APREENSÃO, DESASTRE, ECOLOGIA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARA (PA), DESTRUIÇÃO, FONTE, ABASTECIMENTO DE AGUA, EXCESSO, POLUIÇÃO.
  • CRITICA, FALTA, RESPONSABILIDADE, GOVERNANTE, OMISSÃO, POLUIÇÃO, MISERIA, REGIÃO, ENTORNO, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), AUSENCIA, SANEAMENTO BASICO, GRAVIDADE, EFEITO, INUNDAÇÃO.
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), APLICAÇÃO, RECURSOS, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), PROJETO, SANEAMENTO, CONSTRUÇÃO, SISTEMA, ESGOTO, ENTORNO, CAPITAL DE ESTADO, REGISTRO, AÇÃO JUDICIAL, ABANDONO, OBRA PUBLICA, REGIÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, EMPRESA DE SANEAMENTO, ESTADO DO PARA (PA), DESCUMPRIMENTO, PLANO DIRETOR, POLITICA SANITARIA.
  • CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), AUSENCIA, POLITICA HABITACIONAL, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, OMISSÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • SOLIDARIEDADE, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, ENTORNO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARA (PA), REIVINDICAÇÃO, SANEAMENTO BASICO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago, hoje, a esta tribuna um assunto da maior gravidade: a iminência de um desastre ecológico de conseqüências muito sérias em Belém do Pará.  

A denúncia que faço, hoje, diz respeito à ameaça de destruição dos mananciais que abastecem a capital do nosso estado, cuja Região metropolitana abriga cerca de 1 milhão e 600 mil habitantes. De acordo com técnicos da área, os Lagos Bolonha e Água Preta, que abastecem Belém, correm o risco de assoreamento; correm o risco de ter encurtada a sua vida útil, caso a poluição de suas águas mantenha os mesmos níveis alarmantes de agora. Hoje, informam esses técnicos, a Companhia de Saneamento do Pará - COSANPA já está sendo obrigada a bombear água do Rio Guamá, que banha boa parte de Belém, para ajudar no abastecimento da capital. E isso é um perigo, porque mesmo na nascente a poluição é muito grande no Rio Guamá, devido ao uso de agrotóxicos. Mas o pior é que se nada for feito o Estado poderá ter de aumentar a captação do rio Guamá. Além disso, a fauna que ainda resiste nesses dois lagos corre o risco de simplesmente desaparecer.  

A história da poluição dos mananciais que abastecem Belém é uma história de irresponsabilidade social e de incúria administrativa da parte dos governantes que se sucederam no comando do Estado do Pará. É uma história de muitas faces, porque não abrange apenas os consideráveis danos ecológicos a uma das áreas mais importantes e aprazíveis do Estado. É uma história que abrange, também, as condições miseráveis, subumanas, em que vivem as mais de cem mil pessoas que habitam o entorno desses dois lagos. Na área onde residem essas pessoas não existe saneamento básico. E por ocasião das enchentes, bastante freqüentes em Belém no período invernoso, as casas desses milhares de cidadãos são invadidas por toda a sorte de imundície, expondo-os a todo tipo de doenças. Além disso, a falta de saneamento no entorno dos lagos Bolonha e Água Preta faz com que toda a água servida e os dejetos produzidos por essas cem mil pessoas sejam levados diretamente para os mananciais.  

Fui informado de que o Governo do Estado já iniciou um trabalho de recuperação dos mananciais. O Governo do Estado, de acordo com as informações que recebi, vai remanejar cerca de mil famílias que residem na área considerada de risco (aquela que fica mais próxima aos lagos), reflorestar e promover a recomposição da fauna de ambos os lagos. Mas nada disso surtirá efeito, nada disso conseguirá reverter a iminência de um desastre, caso não seja feito o saneamento das áreas do entorno dos lagos. E é aqui que entram a irresponsabilidade social e a incúria administrativa que referi há pouco.  

Desde o início da década de 90 que se planeja o saneamento daquela área, tendo em vista a impossibilidade de remanejar dez mil pessoas, o que causaria um desastre humano de enormes proporções. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) emprestou o dinheiro para a construção do sistema de esgoto da área, através do Programa de Ação Social de Saneamento - Prosege. A verba, de 14 milhões de reais, aí incluída a contrapartida do Estado, já foi integralmente liberada. Mas a área continua sem esgotamento sanitário e a população acredita que o Governo do Estado literalmente enterrou na lama esses 14 milhões de reais. E por quê? Porque a quantidade de erros e de irresponsabilidades cometidas na concepção e execução do Prosege levaram a que fosse embargada pela Justiça.  

Como resultado disso, tudo o que havia sido construído, incluindo as estações elevatórias, encontra-se bastante deteriorado, dada a ação do tempo e pelo abandono. De acordo com denúncia da Comissão das Entidades Comunitárias do Entorno dos Lagos Bolonha e Água Preta, que engloba 10 associações de moradores e centros comunitários daquela região, o sistema de esgoto construído pela Companhia de Saneamento do Pará encontra-se totalmente entupido com areia, lixo e lama, em decorrência das enchentes. Todas as tampas dos poços de visitação e de inspeção desapareceram ou foram destruídas pela passagem dos carros, numa clara demonstração da inadequação do material utilizado. As três estações elevatórias erguidas no local, duas delas praticamente concluídas, estão em um estado lastimável. Uma delas, inclusive, corre o risco de ser engolida por um imenso buraco provocado pela erosão, o que demonstra ter sido construída em terreno inadequado.  

As obras do Prosege, nos bairros da Marambaia e Guanabara, este último um dos mais populosos da área do entorno dos Lagos Bolonha e Água Preta, foram embargadas em 21 de Maio de 1997, às vésperas de serem concluídas. E eu tenho em mãos o Relatório n.º 001/97, da Companhia de Saneamento do Pará, datado de 6 de Maio daquele ano, que registra a existência de uma quantidade enorme de erros de execução , entre eles, caixas de inspeção mal feitas e sem condições de receber ligações domiciliares. O relatório lista ainda entupimentos e obstruções em vários pontos ao longo do sistema. Os erros de execução, entupimentos e obstruções na rede e o material inadequado que precisava ser trocado à época preenchem quase seis páginas de papel ofício – são mais de 100 fatos listados.  

Além disso, em ofício encaminhado à COSANPA, em 12 de maio de 1997, pela Secretaria de Política Urbana, do Ministério do Planejamento e Orçamento, foram recomendadas, entre problemas contábeis e de documentação, várias providências relacionadas a erros na concepção e execução do Prosege, dentre estes, a solução urgente do problema do lançamento do esgoto ‘in natura’ no igarapé Água Cristal. Além disso, o ofício alerta para a necessidade de concluir totalmente as obras e colocá-las em operação até 30 de Setembro daquele ano, sob pena de cancelamento do Prosege e conseqüente devolução dos recursos repassados. O detalhe é que, na data em que foi realizada a visita, em 25 de Março de 1997, as obras já se encontravam paralisadas por decisão judicial e sem prazo de conclusão.  

Mas estes, não são os únicos problemas que o Governo do meu Estado tem de vir a público para explicar. Talvez mais grave é que o embargo judicial das obras e sua conseqüente paralisação poderia ter sido evitado, caso a Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA) tivesse agido com um mínimo de responsabilidade. Além da recomendação da SEPURB para a solução urgente do problema do lançamento do esgoto in natura no igarapé Água Cristal, outros alertas foram feitos à COSANPA, não apenas pelas associações de moradores da área, mas também por órgãos do próprio Governo do Estado. Tenho em mãos cópias do parecer ambiental e da licença para as obras emitida pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará. Tanto o parecer quanto a licença são assinados pelo Dr. Francisco Sérgio Belich de Souza Leão, que era o diretor técnico da SECTAM, depois titular da pasta, e hoje secretário especial de Gestão do Pará. Em seu parecer ambiental, referente à implantação da rede de esgoto no bairro da Marambaia, o documento diz, textualmente: "No Programa Prosege, as atividades acima descritas terão seus efluentes lançados no córrego Água Cristal, que hoje recebe carga orgânica despejada através de ligações domiciliares, conectadas clandestinamente na rede de drenagem. A COSANPA deverá tomar as medidas necessárias para a execução do coletor tronco, às margens do Água Cristal, a fim de que esses efluentes sejam encaminhados até o lançamento subaquático na Baía do Guajará, como prevê o Plano Diretor de Esgotamento Sanitário".  

Em ofício enviado posteriormente à COSANPA, em outubro de 1993, A Secretaria de Meio Ambiente, em resposta a solicitação de licenciamento ambiental para a implantação do Projeto de Engenharia do Sistema de Esgotamento Sanitário do Prosege – Belém, concede licença para o Projeto, condicionando porém, à várias exigências, entre elas , "a implementação de medidas que visem o controle da poluição causada pelo lançamento de esgoto no igarapé Água Cristal...". Ameaçando, inclusive, no caso de não cumprimento das exigência, o enquadramento automático da empresa nas normas penais da legislação ambiental vigente".  

Ora, Senhores Senadores, apesar de tantos alertas, de tantas recomendações, a Companhia de Saneamento do Pará nada fez para sanar os problemas ambientais verificados no projeto. Tanto é assim que, em 1997, quatro anos após a as recomendações da SECTAM e dois anos após o alerta da SEPURB, o projeto foi embargado pela Justiça justamente porque os dejetos produzidos nas áreas do Prosege seriam lançados in natura no igarapé Água Cristal. Foi preciso que a sociedade recorresse ao Ministério Público, para que a Companhia de Saneamento do Pará providenciasse a construção de uma estação de tratamento, no bairro da Marambaia, que, no entanto, só deverá estar concluída no final deste ano.  

Infelizmente, Senhores Senadores, a história do Prosege é um grave exemplo de irresponsabilidade e desordem administrativa. A concepção do Prosege data de 1992, mas a assinatura do contrato de financiamento para a sua execução só viria a acontecer três anos depois, em 1995. Executado de forma atabalhoada e sem a mínima preocupação ambiental, o projeto acabou paralisado em 1997 e seguirá assim, até a conclusão da estação de tratamento da Marambaia. Ou seja, um projeto tão importante quanto o Prosege, que diz respeito à qualidade de vida e à própria saúde de 1,6 milhão de pessoas, arrasta-se há vários anos. Enquanto isso, a poluição dos mananciais que abastecem Belém segue em ritmo acelerado. E nada, repito, nada do que for feito, conseguirá reverter esse quadro, sem que haja o saneamento daquela área. Técnicos paraenses calculam que a conclusão do Prosege ajudaria a despoluir os mananciais em 60% a 70%. Caso o saneamento se estendesse a outras áreas da cidade, cujos dejetos também são lançados nos mananciais, seria possível a recuperação ambiental num prazo não muito longo.  

Mas o pior é que o Governo do Estado, para tentar eximir-se da responsabilidade por essa tragédia iminente, muitas vezes tenta jogar a culpa pela poluição dos mananciais nos 100 mil cidadãos que habitam o entorno dos lagos. Trata-se de um raciocínio perverso, que tenta transformar as vítimas em vilões. Se essas famílias ocuparam o entorno dos mananciais é porque, dada a especulação imobiliária que campeia em Belém e os baixos salários que recebem, simplesmente não tinham para onde ir. O Governo do Estado do Pará nunca realizou uma política séria e eficaz de habitação – e tanto é assim que um terço da população da Grande Belém reside em áreas de ocupação.

 

Além disso, nunca se preocupou em proteger essas áreas e quando, enfim, vencido pelas circunstâncias, resolveu saneá-las, o faz do modo irresponsável, como estamos vendo. Pretendia lançar o esgoto in natura no igarapé Água Cristal, um dos maiores da Bacia do Una, que corresponde a cerca de 40% das áreas alagadas e alagáveis de Belém, e que está sendo objeto, inclusive, do projeto de Macrodrenagem das Baixadas, projeto aliás, ainda mais antigo do que este que estamos tratando aqui, e também se encontra inacabado, registrando também grandes problemas na sua execução.  

Como é possível tanto descaso em relação ao dinheiro público? E, mais do que isso, como é possível tanto descaso em relação à saúde e as vidas de milhares de cidadãos?  

No final do ano passado, à pedido da Comissão das Entidades do Entorno dos Lagos Bolonha e Água Preta, encaminhei expediente à Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano - SEPURB, como órgão fiscalizador do governo federal e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), principal financiador do projeto, com o objetivo de obter explicações acerca do andamento do Prosege.  

O BID nos respondeu objetivamente, declarando conhecer a existência de problemas na execução e funcionamento do projeto, prometendo uma resposta mais detalhada assim que seus técnicos se atualizarem nas informações.  

A SEPURB, por sua vez nos enviou um ofício, datado do dia 04 desse mês, com uma nota informativa e uma justificativa técnica da COSANPA confirmando todos os problemas aqui já exposto, especialmente de que o projeto em questão não previa qualquer "dispositivo adequado" para o tratamento dos dejetos, o que ocasionou o embargo judicial em 25 de Maio de 1997. Confirmou também ter conhecimento do uso de materiais fora de especificações técnicas, como por exemplo tampões de ferro que não suportavam o tráfego de veículos pesados e os prejuízos causados com a paralisação das obras.  

Na justificativa técnica da COSANPA, consta, inclusive, uma singela confissão de culpa. A certa altura, ao falar do embargo das obras, a Companhia afirma:  

"A não execução dos interceptores significaria lançar os esgotos sanitários in natura nos igarapés Água Cristal e São Joaquim, o que constitui em um procedimento totalmente inadequado, visto que elimina os benefícios previstos para os investimentos já realizados, além de agravar sobremaneira as condições sanitárias da região".  

Daí porque - diz o documento - "a COSANPA foi obrigada a reestruturar a destinação final dos esgotos, de formas a estabelecer condições sanitárias adequadas às obras do Prosege".  

A Sepurb, porém, nada disse sobre meditas punitivas tomadas acerca das irregularidades constatadas. A impressão que nos dá, é a de que a Sepurb transformou-se em uma espécie de advogada ad hoc do Governo do Pará. Seria ela tão compreensiva caso o Governo do Pará não fosse do PSDB, mas sim de algum partido de esquerda?  

A resposta da SEPURB acrescenta porém, que a COSAMPA, através do governo do Estado conseguiu recursos financeiros da ordem de 5,5 milhões de reais, para os quais apresentou uma contrapartida de 2 milhões de reais. Em visita de inspeção realizada em Maio do ano passado, a Sepurb constatou que já se encontrava em curso o processo licitatório para a construção de uma dessas estações de tratamento, enquanto que para a outra, no bairro da Marambaia, o processo licitatório estava previsto para acontecer ainda naquele mês. A previsão de termino das obras estaria para o final deste ano.  

Vejam que o erro de concepção do projeto, bem como a irresponsabilidade na sua execução, além de provocar todos esses transtornos e atrasos, está gerando gastos adicionais de mais de 50% daquilo que foi inicialmente previsto.  

Numa cidade como Belém, que possui apenas 6% a 7% de esgotamento sanitário; onde a população mais pobre sobrevive em condições degradantes; onde os mananciais de água são tratados como depósito de lixo, erros como o ocorridos no Prosege são simplesmente imperdoáveis. É preciso que a população se mobilize e pressione o Governo do Estado para que ele conclua as obras do Prosege, ao invés de simplesmente esquecê-las, enterradas sob a areia, o lixo e a lama. É preciso, também, que se apurem as responsabilidades por tamanho escândalo. E é, preciso, sobretudo, que a população de Belém se mobilize para salvar seus mananciais de água potável, sem os quais o futuro das novas gerações estará irremediavelmente comprometido.  

Para finalizar, Senhores Senadores, gostaria de informar que nessa próxima sexta feira, estarei percorrendo a área do projeto, acompanhado de lideranças local, conhecendo in loco toda essa situação.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

me ß


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/01/2000 - Página 683