Discurso durante a 15ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

QUESTIONAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO BRASIL.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • QUESTIONAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/01/2000 - Página 1288
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CARACTERIZAÇÃO, ORIGEM, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • OPOSIÇÃO, EXTENSÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SUBSTITUIÇÃO, TOTAL, SERVIÇOS PUBLICOS, ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, SAUDE PUBLICA.
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PREVALENCIA, INTERESSE, BIODIVERSIDADE, APROPRIAÇÃO, RIQUEZAS, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • SOLICITAÇÃO, EXECUTIVO, REVISÃO, CONVENIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), GARANTIA, SOBERANIA, REGIÃO.
  • ANEXAÇÃO, NOTICIARIO, JORNAL, DIVULGAÇÃO, DECLARAÇÃO, INDIO, DELEGADO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), POLICIA FEDERAL, EXISTENCIA, BLOQUEIO, RODOVIA, TUMULTO, ORDEM PUBLICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago hoje à discussão um tema que é, no mínimo, delicado, mas que precisa de nossa atenção: trata-se do mal uso que algumas instituições estão fazendo das prerrogativas e do prestígio conferido às ONGs, Organizações Não-Governamentais. A delicadeza da questão não está nas fraudes cometidas, mas no risco de instituições sérias e prestigiosas serem confundidas com aquelas que defendem interesses escusos. A delicadeza do tema está, também, no papel cada vez mais relevante que essas ONGs têm assumido em alguns setores, particularmente nos de meio ambiente e questão indígena, na região Amazônica.  

Para evitar o risco de ser injusto com as ONGs sérias e condescendente com as que se usam desse estatuto para fins escusos, primeiro caracterizarei o que hoje se chama de ONG.  

A origem dessa sigla está ligada à própria Organização das Nações Unidas, que as nomeou pela negativa – não-governamental – para diferenciá-las de organizações governamentais, ou seja, dos próprios estados-nações. Particularmente na Europa foram muito utilizadas para enviar recursos para as ex-colônias e para países em desenvolvimento, inclusive para o Brasil.  

O mecanismo tem sido mais ou menos este: um grupo (fiéis de uma igreja, por exemplo) cria uma instituição de cooperação internacional; entra com algum dinheiro arrecadado entre os simpatizantes de uma certa causa; candidata-se, então, a receber recursos do governo; uma vez de posse desses recursos, apóia ações diversas em outros países. Podem ser ações educativas, de saúde, de meio ambiente, de apoio a crianças de rua, etc.  

No Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, particularmente, as ONGs têm tido um papel crescente. Os seus opositores acusam-no de esvaziamento do papel do Estado: ao deixar de prestar serviços públicos diretamente e ao repassar esses mesmos serviços às ONGs, o Estado estaria se desobrigando de suas tarefas. Não chego a concordar com os opositores de Sua Excelência, mas creio que alguns serviços devem, por sua natureza, ser mantidos na esfera estatal, por servidores públicos, como é o caso da assistência aos índios e da vigilância do meio ambiente.  

Obviamente que a atuação das ONGs não é uniforme, nem o seu relacionamento com o Estado é sempre da mesma maneira. Para não me acusarem de intransigência, aponto experiência que parece estar dando bastante certo: a parceria do Ministério da Saúde com as ONGs para os programas de DST/AIDS. Anualmente, o Ministério da Saúde edita um Catálogo das Organizações Não-Governamentais associadas a seus projetos, uma publicação que cresce a cada ano. Na edição de 1997, o Coordenador Nacional do Programa DST e AIDS reconhece a importância das ONGs e informa que cerca de 500 projetos de ONGs, no valor de US$18 milhões, já haviam sido aprovados.  

E reconheço esse tipo de parceria exatamente pelo caráter específico desses programas. Mais que lidar com assistência médica, abrangem temas como educação sexual, mudança de hábitos culturais e apoio emocional.  

Para tanto, a parceria com Organizações Não-Governamentais de assistência tem sido bastante produtiva.  

Entretanto, não creio que a atuação das ONGs deva se estender tanto, a ponto de substituir todos os serviços públicos prestados diretamente pelo Estado, seja por órgãos federais, estaduais ou municipais. Aliás, no campo da saúde pública, isso contraria o próprio espírito do Sistema Único de Saúde, que visa a descentralizar, no âmbito governamental, as ações de saúde.  

Em meu Estado, por exemplo, no caso da assistência aos índios, a Funai abriu mão de prestar o serviço diretamente e entregou a assistência à Fundação Nacional de Saúde – FNS. Em seguida, a Fundação Nacional de Saúde entregou os serviços a uma ONG, a chamada CCPY – Comissão Pró-Yanomami. O convênio, estimado em R$6milhões, visa a atender 18 pólos do distrito Yanomami em Roraima, num conjunto de 165 comunidades e uma população de 6.748 indígenas.  

Ocorre que a CCPY, signatária do convênio, em seguida, repassou os serviços para uma outra ONG, pelo que eu soube, a um valor muito menor. Sobre esse assunto, enderecei um pedido de informações ao Sr. Ministro da Saúde, que, até o presente momento, não prestou os esclarecimentos solicitados. Quero reiterá-lo da tribuna do Senado, para que, uma vez que o pedido de informações tenha sido enviado pela Mesa do Senado, que ele seja cobrado do Sr. Ministro e que seja cumprido o prazo legal para resposta.  

Mas o que questiono é a necessidade de um convênio dessa natureza. No meu entender, ele não se justifica. Com esses recursos, os órgãos estaduais, municipais e o próprio Exército brasileiro teriam como prestar esses serviços.  

O que quero alertar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é para o perigo que representa o fortalecimento dessas ONGs na Amazônia. Por quê? Porque a Amazônia é alvo da cobiça internacional – e todos nós, há muito tempo, concordamos com isso. Os europeus e norte-americanos não estão interessados na preservação das florestas por conta do buraco na camada de ozônio ou de outras causas mais nobres. Estão de olho é nas riquezas biológicas e minerais daquela região. E as ONGs têm sido os instrumentos de coleta de material, de pesquisa clandestina e, pior, de divulgação de denúncias que põem a soberania do Brasil sobre a região em xeque. O que querem fazer prevalecer na opinião internacional é que somos incompetentes para cuidar da Amazônia, que ela seja entregue a quem seria competente. E quem seria? Os europeus, os norte-americanos e sei lá mais quem. Menos nós.  

São conhecidos alguns episódios a esse respeito. Equipes de televisão européias, com a desculpa de investigar as doenças mais comuns na região, coletam sangue de indígenas. Um sangue que hoje é parte de bancos de material genético e é oferecido para venda nos Estados Unidos e na Europa.  

Muitas dessas ONGs, ingenuamente ou malandramente, são subsidiadas por empresas interessadas na biodiversidade. Já foi divulgado aqui o caso da Selvaviva, em que a ONG oferecia conhecimentos sobre os índios para empresas estrangeiras. Apurou-se, depois, que essa ONG era financiada por alguns dos maiores laboratórios europeus.  

Numa das edições de janeiro da revista IstoÉ aparece de novo o caso do pesquisador que patenteou duas substâncias conhecidas secularmente pelos índios como se fossem descobertas suas.  

Outro episódio de mau emprego do prestígio das ONGs foi o do Inpama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – noticiado em setembro de 1999. A Polícia Federal, acionada pelo Exército, constatou que essa instituição, com 800 integrantes, fazia-se passar por órgão oficial de fiscalização. Seus membros recebiam nomes pomposos, como fiscal, delegado, procurador e coronel. Aplicavam multas como se fossem órgão oficial. E o pior de tudo, a instituição tinha o reconhecimento do Conama – Conselho Nacional de Meio Ambiente.  

Um dos maiores problemas que vejo na atuação dessas ONGs na Amazônia, particularmente em Roraima, são as campanhas para que se constituam "nações" indígenas e que, uma vez constituídas tais "nações", independentes da brasileira, os organismos multilaterais, como a ONU e a OEA, coloquem esses indígenas sob sua proteção, retirando a soberania do Brasil sobre tais áreas. E é para proteger os índios? Não, Srªs e Srs. Senadores. É para se apropriarem das nossas riquezas.  

Por isso, venho pedir ao Poder Executivo, particularmente aos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e da Saúde, que procurem rever suas práticas, especialmente em Roraima. São muitos os perigos que se encerram na assinatura indiscriminada de convênios com essas ONGs. Não se trata de uma mera questão de estabelecer parcerias, mas de assegurar a soberania da região.  

Segundo a ONU, entidades como a Conferência das Igrejas Européias, a Câmara Internacional de Comércio, a Internacional Socialista e a Federação de Sindicatos são ONGs. "O termo ‘organização não-governamental’ surgiu no final da II Guerra Mundial e foi consagrado pelos países fundadores da ONU, que o inseriram no art. 71 da Carta das Nações Unidas." Para efeito das resoluções da ONU, as ONGs são parte do mecanismo de consulta do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Para o ECOSOC, inicialmente, ONGs eram apenas as instituições não estabelecidas por acordo intergovernamental, ou seja, organizações internacionais. Posteriormente – a partir de 1996 – passaram a ser consultadas também organizações de caráter nacional, inclusive as estabelecidas por governos.  

É importante assinalar que existe uma associação de ONGs no Brasil. Trata-se da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG. E esta associação não aceita entre os seus filiados as "entidades assistencialistas tradicionais e organizações representativas, como sindicatos, associações de moradores e associações de profissionais, e procura ressaltar sua autonomia frente o Estado." São suas filiadas apenas as entidades que lidam com o reforço da cidadania.  

Na década de 80, particularmente, cresceram muito, tanto em número como em prestígio. Essas são as ONGs naquilo que têm de mais característico: defesa de uma causa pública. No Brasil, particularmente, com o processo constituinte ampliou-se o espaço de atuação das ONGs. No Brasil, particularmente com o processo constituinte, ampliou-se o espaço de atuação das ONGs. Inicialmente, organizaram-se para influenciar nas propostas. Depois, com a aprovação de alguns direitos sociais, ampliou-se o espaço de participação efetiva das ONGs, não apenas para criticar políticas públicas mas para atuar, concretamente, em ações de saúde pública, educação, proteção às crianças e outras.  

Mas, devido ao sucesso das mais famosas ONGs, outras vieram na sua esteira, na busca de prestígio, inclusive instituições que já existiam há séculos, e que se caracterizavam por prestar serviço público não-estatal, como é o caso das instituições filantrópicas.  

Desse prestígio veio, também, a possibilidade de angariarem recursos, seja de doações estrangeiras, seja do próprio Governo. Nisso não há problema, desde que os recursos sejam empregados para o fim público a que se destinam e não para o usufruto dos seus dirigentes. É nesse ponto que surge o problema. Com o prestígio angariado pela sigla, foram criadas muitas instituições apenas para se apoderarem de recursos públicos ou privados.

 

Na falta de maior clareza sobre o que queremos, em termos de meio ambiente, o Brasil fica apenas reagindo a pressões externas. Então, somos cobrados por medidas que nem devem ser prioritárias. Se, por exemplo, você perguntar aos brasileiros qual é o nosso principal problema ambiental, nove entre dez dirão que é a Floresta Amazônica ou a devastação florestal. E não é. Nosso problema principal, de que nenhuma ONG fala, é a poluição urbana.(Vejam, agora, o desastre ecológico no Rio de Janeiro) É a pressão externa, reverberada aqui pelas Organizações Não-Governamentais, que leva as pessoas a acharem que o desmatamento é o nosso maior problema. O Brasil tem que se conscientizar de que a situação mais grave está nas praias sujas, na falta de saneamento e na poluição do ar.  

Sr. Presidente, estas palavras são do ex-Presidente do Ibama, Eduardo Martins.  

É ainda Eduardo Martins quem afirma:  

(...) as ONGs, principalmente as brasileiras, se acomodaram com o fluxo de recursos externos. Recebem dinheiro e defendem o que os ingleses e americanos acham importante defender. É um comodismo perigoso. Além disso, é uma quantidade de dinheiro que entra mas não se sabe em que é aplicada. Recentemente, tentou-se fazer uma ecolista, um cadastro sobre todas as ONGs que atuam no país, e grande parte delas não autorizou a divulgação de seu orçamento, nem mesmo a origem do dinheiro. Isso preocupa, porque mostra a falta de transparência na administração desses recursos.  

Sr. Presidente, inclusive, V. Exª, há pouco, citou-nos um exemplo de interferência de uma ONG no campo das pesquisas realizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz.  

Sr. Presidente, antes de finalizar, quero fazer uma denúncia a respeito da atuação de uma ONG no meu Estado. Refiro-me ao Conselho Indigenista de Roraima, ONG, eu diria, subsidiária do CIMI, que, sob todas as formas, até ilegais, vem promovendo um verdadeiro apartheid entre os próprios índios naquela região. Aliás, estou anexando quatro exemplares de jornais noticiando declarações de índios, do Delegado da Funai, em Roraima e do Delegado da Polícia Federal, de que os índios fizeram uma barreira numa área ainda não definida, impedindo o direito constitucional de ir e vir, até dos próprios índios que não concordam com o seu pensamento, porque naquela região tem esta ONG, o Conselho Indigenista de Roraima - CIR, ligada ao CIMI. Existem também outras ONGs formadas por índios como a Sodiur, Arecon, que não concordam com o comportamento deles e, assim, eles agem "democraticamente" impedindo que os próprios índios se manifestem e digam o que querem.  

Sr. Presidente, neste sentido, também enviei correspondência ao Presidente da Funai e ao Diretor-Geral da Polícia Federal solicitando providências para que a ordem seja restabelecida e, principalmente, para que o direito constitucional de ir e vir seja respeitado.  

Muito obrigado.  

****************************************************************************** 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.  

********************************************************************************* 

 

0


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/01/2000 - Página 1288