Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO DA POLITICA DE CONCESSÃO DE EMPRESTIMOS POR PARTE DO BNDES.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS. PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO DA POLITICA DE CONCESSÃO DE EMPRESTIMOS POR PARTE DO BNDES.
Publicação
Publicação no DSF de 04/02/2000 - Página 1734
Assunto
Outros > BANCOS. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • EXPECTATIVA, DECLARAÇÃO, ANDREA CALABI, PRESIDENTE, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANUNCIO, REFORMULAÇÃO, BANCO OFICIAL, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PAIS.
  • DEFESA, MELHORIA, APLICAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DESTINAÇÃO, SETOR, CRIAÇÃO, EMPREGO, REDUÇÃO, CUSTO, DISTRIBUIÇÃO, POPULAÇÃO, IMPEDIMENTO, EXODO RURAL, ESPECIFICAÇÃO, AGROINDUSTRIA.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, EX MINISTRO DE ESTADO, ECONOMISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, DESNACIONALIZAÇÃO, EMPRESA NACIONAL, BANCOS.
  • ADVERTENCIA, RISCOS, VENDA, AÇÕES, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), QUESTIONAMENTO, MOTIVO, REDUÇÃO, FORMA, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, PATRIMONIO, EMPRESA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, ANTONINHO MARMO TREVISAN, ANALISE, CRITICA, POLITICA, GOVERNO, CONCESSÃO, EMPRESTIMO, EMPRESA ESTRANGEIRA, PROVOCAÇÃO, FECHAMENTO, PEQUENA EMPRESA, PAIS, DIVULGAÇÃO, ADVERTENCIA, BANCO MUNDIAL, POSSIBILIDADE, GLOBALIZAÇÃO, TUMULTO, ECONOMIA.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB – PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, anunciaram-se mudanças no BNDES, banco responsável pela alavancagem do nosso desenvolvimento econômico e social. Segundo o seu Presidente, Andrea Calabi, são mudanças de estratégia e até mesmo de filosofia.  

Não sou o único Senador - nesta Casa, muitos o fazem - a combater assiduamente a destinação que tem sido dada, pelo BNDES, aos recursos públicos responsáveis pela alavancagem do nosso desenvolvimento econômico.  

As palavras de Andrea Calabi à revista Veja, há poucos dias, animam-nos a acreditar que, realmente, haverá mudanças importantes. Os recursos do BNDES precisam ser melhor aplicados, sobretudo com o objetivo de gerar empregos no País, e essa é a grande missão do Governo. Mas, lamentavelmente, o Governo não tem sido vitorioso no que diz respeito a essa tarefa primordial.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou apresentar alguns números que confirmam a trajetória do BNDES, nos últimos anos, na direção de uma distorção gritante no que diz respeito à correta aplicação de recursos.  

O BNDES, segundo declaração do próprio Presidente Andrea Calabi, em 24 de dezembro, na Folha de S.Paulo , aprovou, em novembro, a destinação de R$912 milhões para a Ford. Dos empréstimos do BNDES no ano passado, os sete maiores foram concedidos a empresas estrangeiras. A Tele Centro Sul, de italianos e do Fundo City Bank , recebeu R$424 milhões; o Consórcio Telemar, R$400 milhões; e a AES, empresa norte-americana que comprou parte da Cesp, R$360 milhões.  

Coincidentemente, enquanto o BNDES destinava R$360 milhões àquela empresa, aprovávamos nesta Casa autorização para que o Governo de Roraima tomasse emprestado de uma instituição financeira internacional recursos para o sistema de distribuição de energia elétrica naquele Estado. Isso é um contra-senso, já que o BNDES financiava uma poderosa empresa norte-americana com juros privilegiados e prazos para pagamento. Éramos obrigados a aumentar a dívida pública do País, buscando dólares no exterior, correndo os inevitáveis riscos das turbulências do mercado, que impactam, constantemente, com muita força, sobre a economia nacional.  

Prossigo com essa relação de empréstimos a empresas estrangeiras. Para a superempresa Volkswagen, foram destinados R$294 milhões; para a Telesp Celular, também de estrangeiros, R$250 milhões; para a Light, que, da mesma forma, é de estrangeiros, R$190 milhões; para a FIAT, italiana, R$180 milhões. Portanto, incluindo o anúncio do empréstimo à Ford, os oito maiores empréstimos foram dados a empresas estrangeiras no último ano.  

No ano passado, o BNDES emprestou R$20 bilhões, assim distribuídos: 45% para a indústria; 39% para a infra-estrutura; 7% para a agropecuária; 7% para o setor de comércio e serviços; e apenas 2% para a educação e saúde. Os estrangeiros levaram 10% dos recursos do BNDES, ou seja, R$2 bilhões. As empresas estrangeiras levaram R$2 bilhões!  

Em que pese o anúncio divulgado pela imprensa, feito pelo Presidente do BNDES, Andrea Calabi, ainda agora, na semana passada, anunciou-se um novo empréstimo do BNDES de US$5,3 milhões à empresa argentina Papel Missioneiro, do Grupo Zucamor de Papel e Celulose, situada na província de Missiones, no norte da Argentina. Esse empréstimo será concedido com oito anos de prazo para pagamento, sendo um ano de carência, e a juros de 6% ao ano.  

Portanto, são estabelecidos juros privilegiados para uma empresa argentina, quando – eu posso depor aqui -, no último ano, empresas paranaenses e cooperativas da maior importância para o desenvolvimento agrícola do Estado faliram e frigoríficos demitiram centenas de empregados por não obterem os empréstimos solicitados ao BNDES.  

A justificativa do BNDES é que os projetos apresentados nem sempre se enquadram nos programas adotados pelo Banco. Creio que aí há uma inversão; cabe ao BNDES adaptar-se à realidade econômica do País para atender a projetos compatíveis com a realidade. Essa adaptação deve, naturalmente, partir do próprio Banco.  

Houve a apresentação de projeto já aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos e Sociais. Em função de um recurso da Liderança do Governo, deverá ser debatido neste plenário um projeto que pretende obrigar o BNDES a aplicar pelo menos 22% dos recursos na agroindustrialização do País, já que, como verificamos, no ano passado apenas 7% foram destinados ao setor.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, indiscutivelmente, esse é o setor que mais gera empregos de menor custo no País, localizando, de forma mais adequada, a população em nosso espaço geográfico, impedindo o êxodo, que chega a ser alucinante, para as regiões metropolitanas.  

Há uma localidade situada a 50 quilômetros de Brasília que, em 1992, possuía cinco mil habitantes; hoje, possui 250 mil habitantes, com todos os problemas sociais decorrentes desse crescimento populacional desproporcional, tais como falta de saneamento básico, de moradia, de emprego.  

Portanto, a melhor aplicação dos recursos do BNDES, na alavancagem do nosso desenvolvimento econômico, deve ser feita na direção de um setor que gera empregos a menor custo e que, de forma mais adequada, distribui melhor a população no nosso espaço geográfico, já que movimenta o comércio e o transporte, estimula a agricultura, melhora a receita municipal e, sem dúvida, gera emprego onde realmente deve gerar.  

Esse é um aspecto dessa questão. Um outro aspecto é ligado ao modelo de privatização adotado pelo Governo brasileiro que tanto combatemos nesta tribuna.  

Faço questão de ler um trecho de um artigo do ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, publicado na Folha de S.Paulo há poucos dias. Luiz Carlos Bresser Pereira é, sem dúvida, um dos economistas mais ouvidos no exterior. Faço questão de ler parte do seu depoimento, sobretudo porque é um dos grandes amigos do Presidente da República, além de seu auxiliar e correligionário não só nas campanhas eleitorais, mas no seu governo. Certamente, essa condição não tem sido suficiente para que sua influência se exerça de forma concreta e objetiva sobre o Presidente da República na definição das políticas públicas no País. Vejamos o que diz Bresser Pereira:  

"Não percebemos que o liberalismo econômico é muito bonito em teoria, mas que, na prática, nenhum país desenvolvido o pratica integralmente.  

Os países ricos defendem o neoliberalismo, mas não estão dispostos a ver suas empresas e bancos serem desnacionalizados de forma vexatória como aconteceu com o Brasil.  

Os franceses defendem suas empresas, os ingleses defendem suas empresas, até os americanos, que em princípio não precisariam, defendem suas empresas. Não impedem sistematicamente que os estrangeiros as comprem, mas também não abrem suas portas.  

Enquanto isso nós permitimos a desnacionalização de grandes empresas brasileiras e de grandes bancos.  

Decididamente, enlouquecemos".  

É o que diz o ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira.  

Creio ser oportuno destacar aqui, e já o fizemos semana passada, o risco que estamos correndo com a venda das ações da Petrobrás. O próprio Presidente da República, há poucos dias, em um encontro com Senadores e Deputados no Palácio da Alvorada, afirmou que dentro em breve a Petrobrás estará extraindo cerca de um milhão e quinhentos mil barris/dia e que o Brasil deixará de ser importador para exportar petróleo. E, na Europa, economistas afirmaram que o aumento do preço do petróleo, hoje praticado a US$27 o barril, veio para ficar, já produzindo um impacto na economia de nações evoluídas, alterando os índices inflacionários e, certamente, produzindo um forte impacto na economia brasileira.  

Indaga-se: por que se desfazer de cerca de 32% das ações da Petrobrás por apenas R$7 bilhões, se em seis meses o País arrecadará mais do que isso com a extração de petróleo? Por que fragilizar esse patrimônio extraordinário – a Petrobrás é a décima quarta empresa do mundo –, reduzindo a sua competitividade, se em apenas seis meses de extração de petróleo a empresa arrecadará mais do que o fará com a venda de parte do seu patrimônio certamente a investidores estrangeiros na Bolsa de Nova Iorque?  

Prefiro, Sr. Presidente, trazer também a opinião de alguém de postura insuspeita.  

Antoninho Marmo Trevisan escreveu na Folha de S.Paulo um artigo denominado "Capital Tem Pátria", segundo o qual "Essa atitude colonialista do Governo brasileiro foi deixando os seus mortos pelo caminho. A conta está vindo agora. Empresas médias e pequenas quebraram ou simplesmente fecharam, desalentadas com a falta de apoio ou castigadas pelos tropeços da política econômica. Como uma espécie de matadouro, entravam no corredor da competitividade, pagando juros escorchantes de mais de 70% ao ano, enquanto a empresa do lado, porque vinha de fora, convivia com taxas dez vezes menores".  

Exemplo disso é essa empresa argentina que recebe recursos do BNDES com juros de 6% ao ano. No setor de telecomunicações, o drama é maior porque essas empresas foram exatamente as que obtiveram a maior soma de empréstimos do BNDES nos últimos dois anos e que foram autorizadas, pela liberalidade do modelo de privatização adotado pelo Governo brasileiro, a importar peças, equipamentos e serviços das suas matrizes no exterior, fragilizando as empresas nacionais que atuam nesse setor, muitas delas demitindo milhares de empregados e outras chegando à falência.  

E o que é pior: já se constata essa realidade, 80% dos lucros dessas empresas estão sendo remetidos para suas matrizes no exterior. Diz Marmo Trevisan: "Recentemente o Banco Mundial concluiu aquilo para que tanto já alertaram. Como agora o estudo veio com uma assinatura ‘de fora’, ganhou a atenção das autoridades. O documento "Entrando no Século XXI" conclui que "a globalização e a descentralização podem revolucionar ou levar ao caos e aumentar o sofrimento humano."  

Portanto, não é a constatação de um brasileiro "nacionaleiro", não é a constatação de alguém que tenha uma postura xenófoba; é a constatação do Banco Mundial, que alerta os países subdesenvolvidos. Devemos acolher com muita seriedade e responsabilidade esse alerta do Banco Mundial. Não podemos permitir que a globalização seja o caminho do caos econômico e social em nosso País.

 

Disse há pouco que 80% do lucro dessas empresas que se armaram no nosso País com recursos do BNDES estão sendo remetidos ao exterior. A conta de remessa ao exterior já bateu a casa dos US$7 bilhões e deve chegar a US$10 bilhões em 2000. Isso nos coloca em uma dramática dependência de superávites comerciais, obrigando-nos a exportar a qualquer custo.  

Aliás tem sido este o discurso do Governo: exportação a qualquer custo. E a conclusão do Marmo Trevisan na Folha de S.Paulo , acolhemos e registramos: "Nossa saída é criar empresas transnacionais brasileiras fortes para produzir o movimento contrário: o da vinda de lucros e dividendos para o Brasil. De quebra, difundirmos nossas marcas, nossa cultura e ganharmos poder para influenciar decisões de nosso interesse. Afinal, se as nações fortes são fortes e permanecem poderosas é porque possuem empresas fortes e poderosas espalhadas pelo mundo."  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/02/2000 - Página 1734