Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA SENADORA HELOISA HELENA, INJUSTAMENTE ACUSADA EM REPORTAGEM DA REVISTA VEJA. IMPORTANCIA SOCIAL DO PROJETO CIDADÃO, IMPLEMENTADO NO ACRE, QUE PROPORCIONA AS POPULAÇÕES CARENTES A OBTENÇÃO DE DOCUMENTOS SEM ONUS. (COMO LIDER)

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIAL.:
  • DEFESA DA SENADORA HELOISA HELENA, INJUSTAMENTE ACUSADA EM REPORTAGEM DA REVISTA VEJA. IMPORTANCIA SOCIAL DO PROJETO CIDADÃO, IMPLEMENTADO NO ACRE, QUE PROPORCIONA AS POPULAÇÕES CARENTES A OBTENÇÃO DE DOCUMENTOS SEM ONUS. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 04/02/2000 - Página 1756
Assunto
Outros > IMPRENSA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, HELOISA HELENA, SENADOR, INJUSTIÇA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ACUSAÇÃO, IRREGULARIDADE, RECEBIMENTO, CONGRESSISTA, BENEFICIO, SONEGAÇÃO FISCAL, DEBITO FISCAL.
  • ESCLARECIMENTOS, AUTORIA, HELOISA HELENA, SENADOR, DENUNCIA, CONGRESSISTA, OBTENÇÃO, BENEFICIO, RECEITA FEDERAL, SOLICITAÇÃO, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, ACUSADO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROJETO, MUNICIPIO, RIO BRANCO (AC), ESTADO DO ACRE (AC), VIABILIDADE, POPULAÇÃO CARENTE, OBTENÇÃO, DOCUMENTAÇÃO, AUSENCIA, ONUS.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, RELATORIO, PROJETO, NATUREZA SOCIAL, ESTADO DO ACRE (AC).

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tratarei de dois assuntos diferentes. Eu não poderia me furtar a tecer comentários a respeito da matéria divulgada esta semana na revista Veja com o título "Multa na Turma. Ilustres sonegadores entram na mira da Receita". Menciona o Estado de Alagoas e a ilustre Senadora Heloisa Helena, que estará me substituindo na Liderança do Bloco e que fez a denúncia de deputados que usufruíam de benefícios irregulares, pedindo a quebra do sigilo bancário dos envolvidos. Segundo a jornalista autora da matéria, também a Senadora Heloisa Helena usufruía desses privilégios e estaria devendo R$70 mil ao Fisco.  

A Senadora Heloisa Helena já se pronunciou a respeito. Eu estava em Roraima acompanhando a assembléia indígena, na segunda e terça-feira passadas, e não pude me pronunciar à época. Mas tomei o cuidado de verificar as notas taquigráficas do discurso proferido pela Senadora Heloisa Helena, contra a qual, praticou-se, de fato, injustiça. Eu não poderia deixar de falar sobre esse assunto, porque, não tendo usufruído dos benefícios e tendo feito a denúncia, a Senadora foi injustiçada duplamente, já que a Receita Federal resolveu aplicar a multa, de forma genérica, a todos os deputados e também à nossa Senadora, que não poderia ter sido atingida como os demais, na medida em que não foi beneficiada irregularmente. Portanto, a matéria não está sendo justa na abordagem do assunto, haja vista que teceu uma crítica genérica, sem levar em consideração as explicações dadas pela nossa Senadora de que havia feito a denúncia, havia pedido a quebra do sigilo bancário e que não estava envolvida no caso, até porque não seria ingênua de abordar um assunto em relação ao qual estivesse envolvida.  

Eu, quando era vereadora, tive a oportunidade de enfrentar um processo semelhante, embora bem insignificante. Cada vereador tinha direito a uma bolsa estudantil que ofereceria a um aluno carente. Lembro que, à época, o Presidente da Câmara Municipal era o Vereador Ilton Rocha, com quem eu tinha muitas divergências políticas. A forma de pagamento da bolsa, pela orientação dada pela tesouraria da Câmara dos Vereadores ao Presidente, deveria ser feita em depósito na conta do vereador, que faria a doação. Questionei isso, dizendo que não aceitaria que depositassem o recurso na minha conta, mesmo que fosse hoje o equivalente a R$500,00, mas minha tese foi derrotada; a maioria compreendeu que a tesouraria da Câmara Municipal estava correta. Quando fui efetivar a entrega da bolsa, levei a pessoa ao Banco, peguei um recibo com ela, verifiquei na Escola Adventista se essa pessoa pagaria os meses necessários para que a criança pudesse realmente usufruir daquele benefício e cheguei a gravar uma fala do pai da criança, dizendo que ele havia recebido o benefício. Como não dependia da minha vontade, porque o depósito foi feito à revelia do que eu estava defendendo, pois a tese majoritária dizia que deveria ser feito o depósito na conta dos vereadores, cerquei-me de cuidados para que não dissessem que fiquei com o recurso do menor carente. O resultado dessa história é que um cidadão, que já foi vereador, entrou com um processo na Justiça contra os vereadores. Graças a Deus, eu era uma das poucas pessoas que haviam documentado a doação com recibo, com imagem da pessoa recebendo; e existia a escola que tinha recebido o benefício, porque o pai foi lá. Os demais tiveram que comparecer à Justiça. Mas, naquele episódio - tive oportunidade de depor, já que fui arrolada como testemunha pelo proponente da ação -, o ex-vereador que propôs a ação achava que, como eu era adversária política do Vereador Ilton Rocha, iria dar um depoimento acusando o vereador de ter praticado um ato irregular de propósito. No meu depoimento, eu disse que realmente foi errada a forma como a tesouraria orientou o Presidente da Casa, mas que entendia que, naquele episódio, o Presidente da Câmara Municipal, Vereador Ilton Rocha, não tinha agido de má-fé, muito embora tivesse errado administrativamente. E todos tiveram que pagar pelo erro administrativo.  

Estou colocando esse exemplo, porque, em muitas oportunidades, somos voto vencido. E a nossa Senadora, muito embora não tenha se utilizado do benefício indevido, está sendo multada, juntamente com os deputados envolvidos, e está recorrendo dessa decisão. Dessa forma coloco nos devidos termos, para que não pareça que a Senadora Heloisa Helena também está sendo pega na "malha fina", naquilo que ela mesma denunciou.  

Outro assunto que me traz a esta tribuna, Sr. Presidente, é uma ação de ordem local, que para os Estados desenvolvidos pode parecer insignificante, que é o Projeto Cidadão. Esse projeto faz parte de uma publicação da Fundação Getúlio Vargas juntamente com outras entidades e vários organizadores dessa pesquisa: " Vinte experiências de gestão pública e cidadania exitosas ." Uma dessas experiências é o Projeto Cidadão, que trata da cidadania e da política pública na cidade do Rio Branco, no Estado do Acre, na época em que o atual Governador era Prefeito de Rio Branco. Esse projeto tem uma função muito importante para os estados periféricos, como são conhecidos pelos estados desenvolvidos, que é a documentação das pessoas que não têm registro, não têm carteira de identidade, não têm certidão de nascimento; muitas vezes elas não podem fazer nem sequer o seu casamento, mantendo apenas uma união informal durante toda a vida porque não tiveram a oportunidade de se casarem judicialmente. Enfim, o Projeto Cidadão foi uma sugestão inicialmente do Prefeito Jorge Viana, depois recebeu a parceria do Tribunal de Justiça do meu Estado, o Acre, e hoje conta com um defensor árduo da sua ação que é o Desembargador Dr. Arquilau de Castro Melo. O sucesso desse projeto foi muito grande, e eu posso relatar alguns aspectos que considero importantes. Inicialmente surgiu da necessidade de se registrem crianças que não estavam freqüentando a escola por não terem a documentação necessária e depois foi ampliado por uma necessidade, digamos assim, mais sentida da população, principalmente os agricultores que, para receberem do Incra os títulos definitivos de suas terras, não tinham a documentação necessária, como CPF, carteira de identidade, registro de casamento. Então, houve ampliação desse serviço.  

É claro que as crianças beneficiadas tiveram mais facilidade no acesso à escola, mas, como disse, as ações não se restringiram apenas ao registro de crianças. Passou a haver outros serviços, bastante variados e com uma metodologia bem particular. Por exemplo, geralmente os serviços começam numa escola, mas depois podem ocorrer num centro comunitário, num local público de fácil acesso e nas próprias comunidades rurais, para facilitar o acesso. Essa é a metodologia. Há um pool de serviços para fazer o registro civil, o casamento, a carteira de identidade, o CPF. Os serviços oferecidos em cada uma dessas ações praticadas durante 12 horas beneficiam uma série de pessoas por meio do Projeto Cidadão.  

Os serviços oferecidos são: registro de nascimento, registro de casamento, reconhecimento de paternidade, carteira de identidade, CPF, título de eleitor, carteira de trabalho, consultas jurídicas, orientação previdenciária, saúde preventiva, consultas médicas e odontológicas. A parte referente à saúde é um serviço muito importante, mas tem também uma função estratégica, sendo um chamamento para as pessoas, porque boa parte da população se ressente desses serviços de atendimento médico e, muitas vezes, dirige-se ao local para receber o benefício de uma consulta médica ou odontológica e é beneficiado por aquilo que faz parte também de sua vida: os documentos aos quais me referi anteriormente. Ainda há uma parte de lazer no dia em que é oferecido esse serviço, como também cultura, esporte e outras atividades com que a população é beneficiada.  

Nos quase cinco anos do projeto foram realizados 480.000 atendimentos, dos quais 236.000 na capital e 243.000 no interior do Estado - só para se ter uma idéia de como a nossa população é carente desse tipo de prestação de serviço e apoio. Os dois últimos projetos realizados no ano de 1999 ocorreram nas reservas extrativistas do Alto Juruá, Reserva Chico Mendes. Cerca de 30% desses atendimentos foram referentes a registro de nascimento, ou seja, boa parte das pessoas no meu Estado sequer são reconhecidas como cidadãos, sequer são reconhecidas como parte da comunidade brasileira, porque não têm um registro para se identificar como tal.  

O reconhecimento dado a esse projeto – ao qual já me referi anteriormente – está na publicação feita pela Fundação Getúlio Vargas juntamente com outros órgãos, sob o título de Vinte Experiências de Gestão Pública e Cidadania Exitosas – estando aí incluído o Projeto Cidadão, representando o Estado do Acre. Essa publicação versa sobre várias ações realizadas com sucesso, as quais envolvem a comunidade e as instituições públicas. No caso do Projeto Cidadão, contamos com a parceria de organizações não-governamentais, sindicatos, igrejas e pessoas em geral.  

Parabenizo todos os organizadores desse serviço relevante para Estados carentes, como o Acre. Particularmente, para não fazer injustiça, cumprimento todos na pessoa do Dr. Arquilau de Castro Melo, que tem sido um entusiasta desse projeto em nosso Estado.  

Na época em que era prefeito, Jorge Viana deu todo o suporte a ações dessa natureza e agora, como Governador, continua apoiando essas iniciativas. Eu própria, por meio da minha assessoria, tenho contribuído com o que é possível, principalmente no que diz respeito à mobilização das pessoas para se deslocarem até determinadas áreas a fim de receber esse serviço.  

Como disse no início, para alguns Estados isso pode parecer irrelevante, mas para nossa realidade é muito importante, pois o povo tem a oportunidade de, num único dia, fazer toda essa documentação sem precisar dirigir-se a outra cidade, fato que implica andar várias horas a pé, às vezes de barco. Em muitas circunstâncias, para chegar a um posto e fazer o registro de nascimento, a carteira de identidade e o CPF é preciso viajar de avião. Logo, a maioria da população pobre não pode sequer ter esses documentos.

 

Essa ação é importante e, mesmo sendo simples, dá muito trabalho, porque mobiliza um contingente enorme de pessoas, que precisam ter certa eficiência para que a documentação tirada num só dia e recebida imediatamente pelo beneficiário seja válida, ou seja, obedeça a todos os processos legais.  

Assim, deixo como lido o texto que me foi enviado do relatório do Projeto Cidadão, a fim de que fique nos anais desta Casa maiores detalhes sobre essa ação, que, com certeza, pode ser aplicada em outros Estados da Amazônia.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA MARINA SILVA EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/02/2000 - Página 1756