Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM OS PREÇOS DOS MEDICAMENTOS E COM A ESCASSEZ DE AGUA POTAVEL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • PREOCUPAÇÃO COM OS PREÇOS DOS MEDICAMENTOS E COM A ESCASSEZ DE AGUA POTAVEL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Heloísa Helena, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/2000 - Página 1620
Assunto
Outros > SAUDE. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), CONGRESSO NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, PLANO, SAUDE, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PRODUTO GENERICO, MEDICAMENTOS, EXPECTATIVA, ACORDO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), POLITICA, PREÇO, NECESSIDADE, CONTROLE, INDUSTRIA FARMACEUTICA.
  • NECESSIDADE, CONTROLE, ABUSO, AUMENTO, PREÇO, MEDICAMENTOS, GARANTIA, COMBATE, FALSIFICAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, EXISTENCIA, REFORÇO, AGENCIA NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, DEFESA, CONSUMIDOR, SETOR, MEDICAMENTOS.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, LEGISLATIVO, AGENCIA NACIONAL, AGUA, NECESSIDADE, ESTUDO, INTEGRAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, PREVENÇÃO, CONFLITO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr as e Sr s Senadores, o espaço da imprensa, nos últimos dias, tem sido ocupado por uma discussão travada, inclusive no âmbito do Governo, em relação ao preço dos medicamentos.  

Quanto à questão de ter havido ou não aumento exagerado do preço dos remédios, parece-me muito fácil de ser resolvida. Pergunte à velhinha da esquina, que é hipertensa, que ela vai responder, porque ela toma o remédio específico para esse mal todo dia. Então, isso é relativamente simples. O mais difícil é saber como controlar abusos que possam ter ocorrido em relação aos preços dos remédios.  

Vejo no Ministro José Serra uma determinação muito grande para enfrentar alguns assuntos que merecem um cuidado especial do Governo. Citaria dois. O primeiro é a questão dos planos de seguros de saúde, a qual, aliás, V. Ex.ª, Presidente do Congresso, deu, como em outras matérias, uma contribuição muito grande no sentido de que pudéssemos aprovar uma matéria polêmica, difícil, pois esses planos infernizavam a vida do consumidor, o qual se encontrava totalmente desprotegido. De sorte que chegamos a um certo consenso e obtivemos uma lei. Consultados os Procons e os órgãos de defesa do consumidor, verificamos a diminuição de queixas em relação a planos de seguros de saúde. Criou-se uma agência, um órgão próprio no âmbito do Ministério da Saúde para fiscalizar a higidez econômica dessas empresas, dessas cooperativas que se dedicam a planos de seguro de saúde e também à prestação de serviços aos consumidores. Não foi fácil fazer com se compreendessem que seguro-saúde é diferente de um seguro de um automóvel, de um imóvel ou de qualquer outro bem material, porque o segurado no caso da saúde costuma usá-lo, ao longo da sua vida, muito mais vezes do que alguém que perca total ou parcialmente um bem e receba um seguro. Portanto, há uma relação diferente nesses casos, ainda mais porque se trata da saúde, algo de grande importância para a pessoa ou para um dependente seu.  

O outro assunto é o enfrentamento da questão dos aumentos dos remédios. Nós aqui aprovamos a Agência de Vigilância Sanitária, a Lei dos Genéricos, e agora estamos enfrentando a questão do preço dos medicamentos.  

Penso que S. Exª teve a sensibilidade de colocar o dedo na ferida. A solução do problema é que não tem a mesma simplicidade. Nesse sentido, quando o Ministro Malan mostra que é preciso examinar a questão com cuidado e encontrar formas de assegurar a defesa do consumidor nesse particular, inclusive nos mirando em experiências externas de outros países, S. Exª tem toda razão. Ainda alcancei o controle de preços de medicamentos - o CIP. Não sei se alguém ainda se lembra do CIP. Pois bem, o que havia ali? Um brutal jogo de influências, em que determinados medicamentos conseguiam elevação de preços, reajuste de preços, às vezes muito acima das taxas inflacionárias, e outros medicamentos, com nomes de fantasia diferentes, mas com o mesmo sal, a mesma fórmula, não conseguiam, mostrando que o controle de preços não é a solução. Não é por aí que vamos caminhar. O que não significa dizer que devemos fazer de conta que o problema não existe. O problema existe e é sério, porque quem consome remédios sabe o quanto isso lhe pesa no bolso, principalmente o medicamento de uso contínuo. Precisamos de uma estratégia que permita uma política ao Governo assegurar preços razoáveis, a fim de que as pessoas possam consumir medicamentos que garantam a recuperação ou a manutenção de sua saúde.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Concedo um aparte ao Senador Romeu Tuma.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª ocupa a tribuna para falar sobre vários assuntos, mas penso que, relativamente à questão da saúde, seja um desafio pedir um aparte.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – De maneira alguma, V. Exª é especialista em várias áreas, inclusive nessa.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – V. Exª tocou num assunto que é de polícia, que é o controle de preços. Já passei por várias experiências, o SIP, depois a Sunab, e uma série delas. Há algumas décadas, cada governo que assumiu este País sempre tinha como mote de campanha ou mote de administração o controle de preços, chegando-se ao ponto de várias intervenções e praticamente uma popularidade alcançada por meio dessa presença, às vezes física no combate ao abuso de preços, até a sonegação de produtos. Realmente não deu certo – penso eu. Porque vários processos foram abertos, vários inquéritos, e o poder financeiro sempre venceu as lutas contra a Administração Pública, quando ela era intervencionista. O que penso é o seguinte: existem, hoje, mecanismos de controle como o Cade e outros segmentos governamentais que fazem esse controle, a fim de se evitarem os cartéis. E que reuniões, como a CPI dos Medicamentos está demonstrando, cheguem a um acordo a fim de que...  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Uma campanha absolutamente injusta contra o medicamento genérico.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Uma campanha. Existe o medicamento genérico e o similar. Fico na dúvida. A população não conhece até hoje, e não é por ignorância, a diferença entre o similar e o genérico.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Poucos conhecem, Senador.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Assim sendo, é difícil. Se a sociedade soubesse que um certo remédio custa R$10,00 e outro, do mesmo tipo, custa a metade, é claro que comprariam...  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – E uma política de Governo será esclarecer a população quanto a isso.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – E a possibilidade permanente de o Governo distribuir gratuitamente remédios em hospitais públicos. Recentemente participei de uma reunião na Universidade de São Paulo e falei sobre drogas. E fiz um apelo aos médicos. Quem vai ao Hospital das Clínicas é sempre o pobre, que não tem dinheiro para a condução – pega uma, mas percorre metade do caminho a pé –, e o médico, compadecido, às vezes, fornece a receita do medicamento para dois ou três meses a fim de que o paciente não necessite voltar; e quando é o caso de remédio controlado, o médico deveria procurar saber se o paciente tem ou não dinheiro para comprar, porque a farmácia – não todas, mas aquelas que se aproveitam para realizar algum negócio escuso – fica com a receita de vinte, trinta, quarenta comprimidos e vende dois ou três.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Assim, há uma folga para outras destinações.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – Uma folga para cobrar o triplo na venda como psicotrópico ou com outra finalidade. Portanto, considero importante o assunto que V. Exª, como médico, como ex-secretário de Saúde, conhecedor profundo, deveria liderar nesta Casa a fim de que todos pudéssemos, em consonância com as idéias de V. Exª, discutir o assunto, inclusive a exigência que hoje se faz de um controle da Receita Federal sobre o custo dos sais, que são importados. A televisão mostrou algumas notas com disparidades de preços absurdas, de mais de 1.000%. Quero agradecer o aparte e cumprimentar V. Exª por fazer com que ressoe no Senado essa preocupação, que é de toda a sociedade.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. Creio que o maior desafio que o Governo tem agora é o efetivo funcionamento dessas agências reguladoras e fiscalizadoras.  

O Senador Bernardo Cabral está agora olhando para mim, privilegiando-me com a sua atenção. S. Exª é relator da Agência de Águas, que apreciaremos brevemente.  

A sociedade precisa sentir que essas agências funcionam para regular, fiscalizar e defender o consumidor, como é o caso da Anatel, nas telecomunicações; da Aneel, na energia elétrica; da Agência dos Seguros e Planos de Saúde; e do Cade, como foi levantado aqui.  

Acontece que essa história de livre mercado é muito bonita, mas, na prática, o Estado não pode abrir mão do seu poder de intervenção, de regulação e de fiscalização, porque há uma tendência, muitas vezes, de grandes fusões, grandes conglomerados, cartéis, oligopólios que impõem preços, que impõem condições absolutamente desfavoráveis ao consumidor. Quando o Cade vai agir, vem a reclamação: é burocracia; estão impedindo que o dinheiro entre no Brasil; estão impedindo que se forme uma empresa que tenha capacidade de agir até como uma multinacional, exportando para outros países. Não! Temos que prestigiar essas agências, fortalecê-las. Se o Estado não fizer isso, vai fazer o quê?  

É nesse ponto que quero reconhecer o papel que o Ministro Serra tem desempenhado; S. Exª tem enfrentado questões que são importantes, graves e que constituem um grande desafio porque envolvem interesses muito poderosos. A questão do medicamento é uma, a do plano seguro-saúde é outra, é a defesa do direito do consumidor. E espero que, mesmo havendo divergências de enfoques – mas são homens inteligentes, servem ao mesmo Governo, obedecem à orientação do Presidente Fernando Henrique –, possam o Ministério da Fazenda, o Ministro Pedro Malan, e o Ministério da Saúde, o Ministro José Serra, encontrar formas de coibir esses abusos, de evitar que fiquemos aqui a mercê de explorações desumanas de certos cartéis. A indústria farmacêutica é poderosíssima, uma indústria que está se consolidando às custas de fusões de verdadeiras potências.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL – SP) Dizem que o primeiro passo de Hitler, quando assumiu o poder, foi tomar conta da indústria químico-farmacêutica, pelo poder econômico e sua relação com a sociedade.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Temos que prestigiar as pessoas que estão se insurgindo contra isso.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL – SP) – Estou dando um exemplo, não que seja uma situação idêntica.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – V. Exª está mostrando uma estratégia.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL – SP) – Isso, uma estratégia.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – O quanto a indústria farmacêutica é importante para o País.

 

Creio que não tem sentido proposições como as que li, que teriam sido elaboradas na CPI, não sei se é verdade, de proibir que farmácias entreguem medicamentos em domicílio. Isso não faz o menor sentido. É necessário que as farmácias cobrem a apresentação da receita dos medicamentos controlados, isso sim, e que não venda no balcão sem a apresentação da receita médica.  

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) – O que constitui crime.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – A Receita Federal e outros instrumentos de que dispomos devem investigar essas situações.  

O Governador Leonel Brizola fala muito em algo que ele chama perdas internacionais. Uma vez quando lhe perguntei o que eram essas perdas internacionais ele citou o exemplo do subfaturamento na exportação e o superfaturamento na importação. E agora é possível que esteja havendo casos como esses, porque afinal de contas a imprensa mostrou algumas situações em que a disparidade é fabulosa.  

Penso que o Governo deve unir seus esforços, porque o grande desafio é exigir eficiência dessas agências fiscalizadoras e reguladoras; a população não pode aceitar que o Governo fique inerte e ela indefesa diante da voracidade, do dinamismo desses grandes conglomerados industriais e financeiros. Por isso fiz questão de fazer este registro que, de um lado, serve para reconhecer a determinação e a obstinação do Ministro José Serra em enfrentar questões centrais para os brasileiros em geral - e citei duas questões a dos medicamentos e a dos planos de seguro de saúde – e ao mesmo tempo conclamar um esforço conjunto do Governo, envolvendo o Ministério da Fazenda, Ministro Pedro Malan, o Ministério da Saúde, Ministro José Serra, e outras agências e órgãos governamentais para que tenhamos uma política pública que garanta a qualidade do medicamento, a disponibilidade – há medicamentos que não geram interesse comercial, mas são essenciais em alguns casos, e muitas vezes a indústria deixa de produzir –, o custo, para que não seja extorsivo, e mais, que a indústria farmacêutica não faça apenas campanhas contra os genéricos, mas faça o seu mea-culpa também.  

Os grandes casos de falsificação no Brasil aconteceram em grandes empresas, empresas que têm marca de renome internacional. Não vi a Abifarma, por exemplo, manifestar-se para cobrar ou para assumir uma posição mais agressiva em relação a esses casos de falsificação que, para mim, não ficaram totalmente esclarecidos. Acredito que essas empresas têm obrigações muito maiores do que as pequenas indústrias que estão iniciando seu trabalho. É claro que, em matéria de qualidade de medicamentos, não pode haver concessões: ou o medicamento é bom ou não é. Julgo-me com o direito de fazer uma cobrança muito maior de grande empresas que têm marcas famosas e de renome internacional  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Com todo o prazer, ouço V. Exª, Senador Bernardo Cabral.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) – Senador Lúcio Alcântara, V. Exª, embora seja médico e médico de rara proficiência, entende também do campo jurídico, tanto assim que me chamou à colação - esse é um termo específico da minha profissão, mas que V. Exª entende bem. Observe: não quero entrar no problema dos remédios porque V. Exª já dissecou a matéria. Nesse assunto, V. Exª foi a fundo e fez um relato do que a população precisa ouvir. Esse é realmente um caso de polícia. Mas quero ater-me ao problema da Agência Nacional de Águas, a que V. Exª acaba de referir-se. Tive o cuidado de ultimar o parecer desse projeto. Não quis mandá-lo para nossa Consultoria Legislativa, o que é um hábito de todos nós parlamentares, porque há mais de três anos venho cuidando dessa matéria, sobre a qual tenho livro publicado.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Levantando a legislação existente.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) – E tenho recebido apoio de V. Exª. Ainda hoje, quando eu comunicava à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que levaria o parecer na próxima semana, V. Exª me disse que não me esquecesse da seca, sobretudo a do nordeste, a seca prolongada, em que pese a ser eu da Amazônia, onde não há esse problema. Eminente Senador Lúcio Alcântara, no parecer, abordo as secas prolongadas, especialmente no nordeste, cujo equacionamento exigirá o aprimoramento da gestão da oferta de água, o estabelecimento de gerenciamento da demanda e a priorização do uso dos recursos hídricos em situação de escassez. A poluição dos rios, principalmente nos casos em que a situação crítica decorre da utilização desarticulada, cujo ordenamento demandará a ação pactuada na escala da bacia hidrográfica, abrangendo mais de um Estado. Veja, portanto, V. Exª que, a seu exemplo, também estou preocupado. Sei por que o nordeste está passando. Registro, mais uma vez, o apoio dado por V. Exª a essa matéria, o qual não é de agora. Diviso no plenário o Senador Lauro Campos, a quem faço justiça, porque nos discursos que aqui proferi sempre contei com o apoio de S. Exª à matéria, eqüidistante de qualquer conotação político-partidária ou ideológica, mas tendo em vista o bem da sociedade. É preciso que se diga, Senador Lúcio Alcântara, que os políticos brasileiros, salvo honrosas exceções, estão muito mais voltados para os seus interesses, para as suas ambições pessoais do que para os anseios da coletividade. De modo que esse problema dos remédios, bem como o da seca, que virou uma indústria no nordeste, precisa ter um ponto final. Quero cumprimentá-lo e pedir-lhe desculpa por tê-lo interrompido. Sei que não tirei o brilho do discurso de V. Exª, porque seria impossível, mas privei os colegas de ouvi-lo por mais tempo.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) – Senador Bernardo Cabral, agradeço o aparte de V. Exª.  

Estou feliz por V. Exª ter ultimado seu parecer sobre os recursos hídricos – todos sabemos do empenho com que V. Exª se tem dedicado a esse assunto -, pois, assim, poderemos decidir logo essa matéria. Hoje, quando falava com V. Exª na reunião da Comissão, disse-lhe que não se lembrasse somente da abundância de água que existe no Amazonas, mas também da escassez dela no nordeste, pois esse é um bem cada vez mais raro, por uma razão para a qual me chamaram a atenção um dia desses: à medida que o padrão de vida do cidadão melhora, que o homem sai da situação de miserável para galgar o mínimo de condição civilizada, ele tende a aumentar o consumo de água.  

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) – E há desperdício.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Não só desperdício. Há pessoas que não têm água para tomar banho, há outras que não têm água nem para beber. Logo, à medida que se oferta água, que o homem melhora a sua condição social, ele consome mais água, havendo uma pressão natural muito maior sobre os recursos hídricos existentes. Esse é um problema que existirá no mundo todo, assim como está ocorrendo no nordeste. Existe até o risco de um desentendimento que, se Deus quiser, nunca se concretizará. É preciso racionalidade no uso da água. Espero que a Agência Nacional de Águas aborde essa questão também, a fim de que possamos decidir melhor sobre seu uso: água para gerar energia, para o consumo humano, para navegação e assim por diante, o que requer uma sociedade democrática, leis, marcos, regulamentos que estabeleçam bem as responsabilidades.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador Lúcio Alcântara?  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Concedo o aparte a V. Exª.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – Senador Lúcio Alcântara, talvez seja síndrome de nordestino sobrevivente da seca intrometermo-nos toda vez que alguém fala da seca. É claro que o Senador Bernardo Cabral, durante muitos anos, vem dedicando-se à matéria. Entendemos que é de fundamental importância esse debate. Recebemos a dádiva divina de termos 13% da água doce do mundo, embora seja pouco, pois a água doce do mundo é apenas 0,2% de toda a água do planeta. Três por cento ficam no nordeste; desses, 70% ficam no rio São Francisco. Sei que é muito complexa a disponibilidade de recursos hídricos no nordeste. V. Exª tratou da necessidade de consumo individual. Sei que V. Exª não resume só nisso, pois tive a oportunidade de participar de um debate na TV Senado sobre o tema. Além da escassez de água no nordeste, é muito complicado o seu uso, não apenas pelo consumidor individual, mas especialmente por aquele grande consumidor. É conflitante o uso da água. Nada é mais perverso do que a falta de solução para esse problema diante de tanto avanço tecnológico, de tantas possibilidades em relação a outras matrizes para geração de energia. Nós reclamamos da alta insolação que provoca grande evaporação e nos esquecemos de que ela é um elemento fundamental para a geração de energia. Por ser a saída mais fácil, optamos pela geração de energia por meio da água, chegando ao uso conflitante desse recurso. Há algo me preocupando mais ainda neste ano, Senador Lúcio Alcântara: além do debate sobre a transposição do rio São Francisco – já tivemos oportunidade de falar sobre todos os aspectos dela, seja pela solidariedade em relação ao nossos irmãos dos outros Estados, seja em relação a projetos técnicos, temos muita preocupação com a sobrevivência do rio: o que será disponibilizado pelo Governo Federal para proteger 70% dos poucos 3% de águas superficiais que estão disponíveis no nosso Nordeste? Não vemos, efetivamente, ações concretas para a recuperação das matas ciliares, para o combate ao assoreamento e ao crime ecológico praticado em inúmeros Municípios daquela região, cujas indústrias despejam seus dejetos no nosso rio São Francisco e, ainda mais, o avanço da cunha de salinidade do Oceano Atlântico, que, hoje, já está 5km rio adentro, o que é gravíssimo. Além do mais, a questão da privatização das hidrelétricas tem me preocupado muito, uma vez que contraria a própria lógica do setor privado. Se a lógica deste setor é a geração de lucros, muito impressiona que seja ele que vá... O problema é que não acredito na estrutura das agências nacionais. São tantas as agências que estão sendo criadas que só falta ser criada a "Agência Brasil". Temos um sem-número de agências, com estruturas burocráticas que acabam não cumprindo o seu papel de controle das atividades delegadas ao setor privado. Em relação às nossas hidrelétricas, devo dizer que a privatização de uma hidrelétrica, especialmente do Sistema da Chesf, que está no Nordeste, atuando no nosso rio São Francisco, muito me impressiona. Então, é de fundamental importância a sua iniciativa de trazer o debate à Casa para que possamos tratar a questão dos recursos hídricos do Nordeste, tomando o rio São Francisco e a outras áreas disponíveis, quer sejam em reservatórios já construídos, quer sejam as outras possibilidades de mananciais superficiais ou subterrâneos, para que possamos discutir também o uso da águas, especialmente neste momento em que o Governo Federal se apresenta à sociedade já com a idéia fixa de fazer a privatização das hidrelétricas. Portanto, este é um apelo que faço, inclusive a V. Exª...

 

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – Senadora Heloisa Helena, tem razão V. Exª. A meu juízo, o tema carece realmente de debate, de reflexão, de conhecimento das experiências internacionais. Não conheço ainda – sou sincero –, porque não tive tempo de estudar, o projeto de criação da Agência Nacional de Águas e muito menos o parecer de autoria do Senador Bernardo Cabral, mas esse conflito na questão do uso realmente preocupa.  

O Senador Ademir Andrade, que está aqui presidindo esta sessão, tem se dedicado muito a esse problema da energia, tanto que o vejo sempre aqui lutando pelas questões de energia para a Amazônia, especificamente para o Pará, tem muito conhecimento do tema.  

Pois bem; temos de estudar as diversas alternativas de mudança da nossa matriz energética, mas em profundidade. Quando se fala no uso da energia nuclear, alguns se levantam para dizer que não pode. Ocorre que a nossa capacidade de exploração da energia hidrelétrica está chegando ao fim – no Nordeste já chegou.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – A previsão é de dez anos.  

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) – No Nordeste, já não temos mais capacidade de exploração de energia hidrelétrica, uma vez que todas as possibilidades oferecidas pelo rio São Francisco já foram aproveitadas.  

Então, é preciso que vejamos qual a matriz energética que vamos utilizar. Vamos usar energias alternativas também: energia solar, eólica e outras!  

De qualquer sorte, temos a experiência, por exemplo, do Chile. Lá, no início, quando a regulamentação deixava a desejar, houve um conflito tremendo entre os produtores rurais – e não sei se o Senador Bernardo Cabral conhece o fato, pelos estudos que fez – e as empresas geradoras de energia elétrica. A questão era saber se água seria destinada para a geração de energia ou para garantir as colheitas, sendo usada na irrigação.  

Essas questões têm de ser estudadas com responsabilidade e com a disposição de ouvir todos os argumentos, buscando o que for melhor para o País. Estou totalmente de acordo com V. Exª, esperando que possamos, participando do debate e da discussão, definir quais as melhores alternativas.  

Deixo, ainda, uma mensagem de cobrança e de pressão sobre essas agências, porque elas são agora a espinha dorsal do Estado brasileiro. Ouvi, há alguns dias, o Presidente do Cade mostrar a necessidade de se fortalecer esse sistema, desburocratizando-o. Há uma Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda; há uma Secretaria da Defesa da Economia, no Ministério da Justiça; e há o Cade, que, por sua vez, não tem estrutura e pessoal suficiente - melhorou muito, mas ainda deixa muito a desejar. É preciso que possamos fortalecer essas agências, cobrando e exigindo delas o cumprimento do papel que o Estado brasileiro está assumindo e que deve assumir cada vez mais no futuro.  

Esta a mensagem que queria deixar nesta tarde, contribuindo para o debate e a discussão.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/2000 - Página 1620