Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS A INTENÇÃO DO GOVERNO FEDERAL DE RETORNAR A CONSTRUÇÃO DA USINA ELETRONUCLEAR DE ANGRA 3.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NUCLEAR.:
  • CRITICAS A INTENÇÃO DO GOVERNO FEDERAL DE RETORNAR A CONSTRUÇÃO DA USINA ELETRONUCLEAR DE ANGRA 3.
Publicação
Publicação no DSF de 03/02/2000 - Página 1675
Assunto
Outros > POLITICA NUCLEAR.
Indexação
  • DISCORDANCIA, ORADOR, PLANO, GOVERNO, RETOMADA, CONSTRUÇÃO, USINA NUCLEOELETRICA, MUNICIPIO, ANGRA DOS REIS (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INCLUSÃO, PROJETO, PLANO PLURIANUAL (PPA).
  • CRITICA, SUPERIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, PREVISÃO, CUSTO, USINA NUCLEAR, COMENTARIO, RESPOSTA, CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO.
  • DEFESA, PRIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REFORÇO, FORÇAS ARMADAS, SUGESTÃO, ORADOR, ADIANTAMENTO, PROJETO, USINA NUCLEAR.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, ocupo a Tribuna, hoje, para expressar meu decidido desacordo em relação aos planos do Governo de retomar a construção da usina eletronuclear de Angra 3. A obra é caríssima, inoportuna, perfeitamente adiável e já custou demais ao Brasil, parte integrante que é de um programa nuclear que sofreu enormes atrasos e incorreu em imensos gastos.  

O Governo incluiu as obras de Angra 3 no Plano Plurianual, a título de complementação do programa brasileiro de energia elétrica de fonte nuclear, que conta com Angra 1, em funcionamento, e com Angra 2, usina recém-concluída, que se encontra em início de operação. O conjunto dessas usinas já custou os brasileiros a enormidade de 14 bilhões de dólares! Nessa soma estão incluídos 1,5 bilhões de dólares de equipamentos que foram, há muitos anos atrás, comprados para Angra 3.  

Mesmo já contando com os equipamentos principais, Angra 3 ainda nos custará muito. A usina praticamente ainda não "saiu do chão". Para se ter uma idéia do gigantismo do projeto: sua construção, incluindo a montagem e testes, só se concluirá em meados do ano 2006, custando, adicionalmente ao que se já gastou, mais cerca de 2 bilhões e seiscentos milhões de reais, dos quais a maior parte custeadas pela estatal brasileira Eletronuclear S.A. Há também uma participação minoritária de capital privado.  

Preocupado com a inclusão desse projeto megalômano nos gastos federais, dirigi ao Governo, no ano passado, um Requerimento de Informações, no qual perguntava sobre os motivos da construção de Angra 3, diante da tendência mundial de abandono da solução nuclear para geração de energia elétrica. Indaguei também, naquele Requerimento, sobre os custos da obra, seu financiamento e seu cronograma. Recebi em dezembro uma resposta do presidente da Eletronuclear, satisfatória em sua forma; na defesa que faz do empreendimento, a estatal juntou interessantes e relevantes informações sobre o histórico da usina e dados justificativos da sua validade técnica e econômica. Posso até me convencer, à luz desse material, de que Angra 3 poderá ser necessária ao País algum dia. Mas estou convencido de que não é necessária agora.  

Coincidentemente, a revista VEJA, em seu número de 19 de janeiro, publicou uma reportagem sobre o tema. Apesar de abordar aspectos criticáveis do empreendimento, VEJA conclui por apoiar essa busca de uma alternativa energética e do domínio da tecnologia nuclear. Discordo da posição da revista. Essa alternativa, e sua tecnologia, que inclui o enriquecimento de urânio, nós já a temos com as usinas de Angra 1 e Angra 2. Não precisamos gastar mais dinheiro com uma terceira usina.  

A demanda de energia elétrica, que cresce rapidamente, pode ser atendida com termelétricas a gás e com as tradicionais hidrelétricas. As reservas mundiais de petróleo e gás natural são muito maiores do que se pensava há 25 anos, quando começou o programa nuclear. Devem durar pelo menos um século. É verdade que recuamos, com o passar do tempo, da exagerada pretensão inicial de construir oito usinas nucleares, e nos acomodamos com a construção de três. Mas mesmo essa terceira é excessiva.  

A construção dessas usinas acabou se arrastando por 20 anos, com enormes dificuldades e sacrifícios financeiros para os brasileiros. Hoje, podemos até considerar que o atraso de vinte anos transformou-se em vantagem para nós, pois podemos observar como evoluíram os programas eletronucleares de outros países, e disso tirar lições muito úteis.  

Na resposta ao meu Requerimento de Informações, a Eletronuclear baseia sua defesa da Angra 3 em dois argumentos principais: o exemplo do grande número de usinas nucleares construídas pelo mundo afora; e a recomendação da construção de Angra 3 por sucessivos grupos de trabalho do Governo e por consultores. Ora, não duvido da viabilidade técnica, energética e econômica de Angra 3. Duvido é da sabedoria de construí-la agora, quando o País tem tantas outras prioridades. E não me refiro à longuíssima lista de necessidades que pressionam os nossos orçamentos públicos e que afligem a sociedade. E, sim, à lista mais restrita de altas prioridades estratégicas, que afetarão o futuro do Brasil, como educação, pobreza, desenvolvimento e equilíbrio regional e, mesmo, reequipamento das forças armadas.  

Quanto ao grande número de usinas nucleares existentes em outros tantos países, é preciso examinar essa estatística com cuidado. Existem no mundo 434 usinas nucleares em operação, mas apenas 36 em construção. Isto é, o entusiasmo por essa tecnologia vem se arrefecendo. O mais significativo, nesses números, é que os países que mais construíram usinas nucleares no passado são os que menos constróem agora. Os Estados Unidos têm 104 usinas e não estão construindo nenhuma. O Canadá tem 14 e não está fazendo mais nada. A Alemanha tem 20, e nada constrói atualmente. Idem, o Reino Unido, que tem 35. Até a França, campeã mundial de energia elétrica de origem nuclear, com 58 usinas, só está construindo uma. O Japão, que tem 53 usinas, está construindo duas. Trata-se de país extremamente vulnerável em seu abastecimento energético.  

Quem mais constrói usinas nucleares, hoje, são países que não primam pelo desenvolvimento social, como Índia, China, Ucrânia, Rússia e Irã. É como se aumentar o parque eletronuclear se tivesse tornado sintoma de país atrasado.  

Os países ricos deixaram de construir usinas nucleares porque há grande disponibilidade de gás natural no mundo; porque a solução nuclear está associada ao terror nuclear e radioativo; porque para tornar essas usinas seguras é preciso adotar medidas que os encarecem e que aumentam o seu prazo de construção. Como já disse: hoje, construir usina nuclear é marca de atraso.  

Sr. Presidente, precisamos atentar para isso. Não importa que sucessivos estudos técnicos tenham endossado a construção de Angra 3. O decisivo é a pergunta: será essa uma decisão sábia? Por que não deixar essa usina para daqui a dez anos, quando o País terá mais recursos, o panorama energético mundial ficará mais claro e o problema ambiental representado por essa tecnologia estará melhor solucionado?  

O papel de um Senador, o papel do Senado, é preocupar-se com uma visão geral dos interesses do Brasil, não o de seguir cegamente escolhas estratégicas que não são necessariamente as melhores para os brasileiros. É o caso da construção imediata de Angra 3, que considero uma opção e uma decisão às quais falta sabedoria estratégica.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/02/2000 - Página 1675