Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

APROVAÇÃO DE REQUERIMENTO, NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, CONVOCANDO OS PRESIDENTES DAS COMPANHIAS AEREAS BRASILEIRAS E AUTORIDADES PUBLICAS DO SETOR PARA PRESTAREM ESCLARECIMENTOS. RELEVANCIA DA CONSTITUIÇÃO DE UM GRUPO DE TRABALHO PARA ESTUDAR A POSSIBILIDADE DE DOLARIZAÇÃO DA AMERICA LATINA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. SENADO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • APROVAÇÃO DE REQUERIMENTO, NA COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, CONVOCANDO OS PRESIDENTES DAS COMPANHIAS AEREAS BRASILEIRAS E AUTORIDADES PUBLICAS DO SETOR PARA PRESTAREM ESCLARECIMENTOS. RELEVANCIA DA CONSTITUIÇÃO DE UM GRUPO DE TRABALHO PARA ESTUDAR A POSSIBILIDADE DE DOLARIZAÇÃO DA AMERICA LATINA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/02/2000 - Página 1965
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. SENADO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, ROBERTO REQUIÃO, RELATOR, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), DESTINAÇÃO, EXAME, PRECATORIO.
  • IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, REQUERIMENTO, CONVOCAÇÃO, PRESIDENTE, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA (INFRAERO), COMANDANTE, AERONAUTICA, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, EMPRESA, COMPROMISSO, NATUREZA FINANCEIRA, UNIÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, PROMOÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE, SISTEMA MONETARIO INTERNACIONAL, AMEAÇA, UTILIZAÇÃO, DOLAR, ECONOMIA, AMERICA LATINA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, AMERICA LATINA, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, VITIMA, EFEITO, CRISE, AUSENCIA, ESTABILIDADE, AUMENTO, DIVIDA, AMEAÇA, MOEDA, PAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as e Sr s Senadores, gostaria de comentar alguns dos assuntos tratados hoje na importante reunião da Comissão de Assuntos Econômicos e Sociais, os requerimentos ali apreciados e aprovados no que diz respeito à organização das empresas de aviação.  

Mas antes, Sr. Presidente, gostaria de dizer uma palavra a respeito do ocorrido em relação à discussão do acordo realizado entre a União e o Governo do Estado de Pernambuco e o acordo referente aos precatórios do Município de São Paulo, que está por ser examinado pelo Senado Federal. E também com relação à postura do Senador Roberto Requião, Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a examinar a questão dos precatórios judiciais.  

Desejo expressar a minha solidariedade e o meu respeito pela maneira como tem se conduzido aqui no Senado, sobretudo em relação ao assunto, o Senador Roberto Requião, pois fui testemunha, como membro da CPI dos precatórios judiciais, de como S. Ex a resolveu estudar a fundo essa questão. E pude perceber, ao longo do seu trabalho, que, em alguns momentos, o Senador Roberto Requião poderia ter tido dificuldades do ponto de vista da solidariedade partidária ou da solidariedade junto a figuras da vida política nacional com as quais tinha grande afinidade. E seja com relação aos membros de seu próprio Partido, Governadores de Estado, seja com respeito a Governadores de outros Partidos, em especial o próprio Governador Miguel Arraes, com quem tinha afinidades histórias ideológicas e política, S. Ex a manteve-se imparcial. Seja com respeito ao que se passara no Município de São Paulo, onde o prefeito havia sido do PPB – antes, Paulo Maluf, depois, Celso Pitta -, seja com respeito ao Governador Paulo Afonso, de Santa Catarina, seja em relação ao Governador Miguel Arraes ou também Divaldo Suruagy, do PSB e do PMDB, respectivamente, o Senador Roberto Requião resolveu adotar sempre o mesmo critério. Também, com respeito aos municípios governados por outros prefeitos dos mais diversos Partidos, foi sempre assertivo, duro, um juiz imparcial.  

O então Senador, hoje Governador, Esperidião Amin, que hoje se encontra aqui na Casa, foi também testemunha da postura do Senador Roberto Requião. Então, quero aqui afirmar o que disse hoje de manhã, na Comissão de Assuntos Econômicos e Sociais: que seria próprio o Senado Federal, levando em consideração o que diz a Resolução nº 78, nos seus arts. 2º e 4º, e mesmo levando em consideração o que está no art. 8º, exigir que esse acordo fosse apreciado e aprovado pelo Senado Federal.  

O Senador Roberto Requião menciona que um ato do Governador Jarbas Vasconcelos anulou aqueles títulos, no que diz respeito à sua validade, em função do histórico havido e dos fatos detectados pela CPI dos Precatórios. É importante que esta Casa examine com atenção as observações de S. Exª no sentido de que o acordo realizado pelo Governo do Estado e a União – inclusive com o Bradesco – deveria ser objeto de melhor escrutínio, análise e decisão do Senado Federal.  

Minha solidariedade, portanto, ao Senador Roberto Requião pelo destemor e pela maneira assertiva com que tantas vezes se expressa em defesa do que avalia ser o melhor para o interesse público.  

Sr. Presidente, quero assinalar a importância dos requerimentos hoje aprovados pela Comissão de Assuntos Econômicos. O primeiro objetiva convidar os presidentes das quatro grandes companhias aéreas – Varig, Vasp, Transbrasil e TAM –, o Presidente da Infraero (Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária) e o Comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, para comparecerem brevemente à reunião conjunta da Comissão de Assuntos Econômicos e Comissão de Serviços de Infra-Estrutura, para esclarecerem a respeito da situação das empresas de aviação aérea, seus compromissos financeiros perante os organismos da União e os possíveis acordos de fusão e entendimento, seja entre essas empresas, seja entre empresas aéreas internacionais.  

Lembro que nos últimos meses surgiram diversas reportagens na imprensa a respeito das dificuldades por que passam algumas dessas empresas em virtude de seus compromissos com a União.  

Nesse final de semana, revistas semanais, como Veja, Época e IstoÉ, relataram as dificuldades da Vasp. Como a maior parte dessas empresas tem dívidas com organismos da União, inclusive a Previdência, Fundo de Garantia e outros, seria muito importante que fosse esclarecida a real situação delas, até porque foi dito publicamente que cogitam realizar fusões. O Senado deve estar a par disso.  

Já havíamos solicitado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica que realizasse um estudo prévio sobre a possibilidade dessas fusões. O Presidente do Cade, José Gesner de Oliveira, esteve aqui para nos relatar as conclusões do estudo. Ficou delineado que se, porventura, houver diminuição da concorrência e, conseqüentemente, prejuízos para os consumidores, constituirá obrigação do Cade realizar alguma forma de intervenção.  

Esse requerimento foi aprovado. O Senador Ney Suassuna, juntamente com a Senadora Emilia Fernandes, co-autora do requerimento e Presidente da Comissão de Infra-estrutura, em breve promoverão a audiência.  

O outro requerimento que foi aprovado hoje pela Comissão de Assuntos Econômicos refere-se à constituição de um "grupo de trabalho, com a participação de 5 (cinco) membros titulares e 2 (dois) suplentes, com o objetivo de: promover audiências públicas, debates e seminários; realizar diligências; requisitar informações ou documentos de órgãos públicos; apresentar análises e proposições legislativas à Comissão de Assuntos Econômicos acerca de assuntos monetários internacionais."  

Na semana passada, falei sobre esse tema e, ontem, o Senador Roberto Saturnino, que comigo assinou o requerimento, também teceu comentários sobre o assunto. Gostaria de ressaltar a importância dessa atitude de S. Exª.  

Ontem, no jornal La Nation , o ex-Presidente da Argentina, Carlos Saúl Menem, publicou um artigo denominado "A dolarização é inevitável". S. Exª afirma que a proposta de seu governo de substituir o peso pelo dólar instalou uma discussão em todo o continente. Ressalta que a decisão política de modificação da moeda estaria refletindo uma tendência econômica mundial. Quero contrastar a opinião de Carlos Saúl Menem. S. Exª afirma, em seu artigo, ter sido convidado pelo Federal Reserve dos Estados Unidos para, no próximo dia 6 de março, participar como expositor de um simpósio na cidade de Dallas, no Texas, com a postura que a maioria dos Congressistas e o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso externou recentemente em reunião com os Senadores da Comissão de Assuntos Econômicos.  

Na ocasião ele mencionou que era inteiramente contra a dolarização da economia brasileira, porque isso constituiria perda da soberania nacional e também um caminho impensável. O Brasil não pode ficar de braços cruzados diante do que ocorre no Equador, que está sendo dolarizado, e na Argentina, que está considerando esse caminho, porque se porventura países da América Latina que nos cercam estiverem todos no caminho da dolarização, isso poderá ser extremamente grave para nós.  

A temática monetária e financeira tem estado no centro do debate econômico internacional. O Brasil e os demais países da América Latina vêm sofrendo os efeitos de diversas ondas de instabilidade, cuja origem é, em parte, externa à nossa região.  

Desde os anos noventa, os problemas financeiros da América Latina e as propostas apresentadas para enfrentá-los têm apresentado certas peculiaridades. Há indicações de que estamos vivendo novas ameaças, e não apenas mais uma das muitas fases de instabilidade e crise de endividamento que sempre caracterizaram a nossa história econômica desde os tempos da independência política no século XIX.  

Cumpre recordar que as crises dos últimos anos foram antecedidas, em muitos países, das mais graves crises inflacionárias da história documentada da América Latina. Refiro-me, evidentemente, aos processos inflacionários agudos ou às hiperinflações que atingiram boa parte da América Latina nos anos oitenta e início dos noventa. Pela sua gravidade, esses processos abalaram de forma duradoura a confiança nas moedas nacionais latino-americanas, a qual já não era tão firme. Em muitos países avançou consideravelmente o processo de dolarização informal das transações econômicas. Em alguns casos, mesmo quando se conseguiu combater a inflação com sucesso, a dolarização persistiu e a moeda nacional não voltou a recuperar plenamente as suas funções. Em outros, como na Argentina desde 1991, o uso interno da moeda estrangeira recebeu sanção legal, conduzindo à criação de sistemas bimonetários.  

Nos anos noventa, houve uma expansão extraordinária dos fluxos internacionais de capital. Pelo menos em termos de fluxos brutos, a internacionalização financeira da década de noventa parece não ter precedentes históricos. Grande parte das economias da América Latina participou intensamente desse processo conhecido como o " boom" dos mercados emergentes. Como tantos episódios de especulação e euforia financeira, o " boom" dos emergentes terminou em graves crises econômicas, com seqüelas sociais e políticas. O próprio Brasil, como se sabe, foi palco de um processo desse tipo, que culminou no colapso cambial do início do ano passado.  

Desta vez, contudo, a instabilidade decorrente da crise traz uma ameaça nunca antes vista, pelo menos não com a intensidade atual. Trata-se de uma ameaça à sobrevivência das moedas nacionais latino-americanas. O grande economista keynesiano, James Tobin, analisou esse processo de forma magistral, em texto intitulado " Financial Globalization: Can National Currencies Survive ?", apresentado em seminário sobre desenvolvimento econômico realizado no Banco Mundial, em 1988". A dolarização, alertou Tobin nessa ocasião, "é o destino a que a globalização financeira está conduzindo os países em desenvolvimento, ainda que o FMI, o Tesouro dos Estados Unidos e outros poderes das finanças internacionais não queiram reconhecer expressamente".

 

Desde que Tobin fez esse alerta, fatos ocorridos na América Latina e em outras partes do mundo têm confirmado a sua preocupação. Analogias espúrias com a criação do euro, por exemplo, vêm sendo utilizadas para justificar o interesse por uma suposta "unificação monetária das Américas". Na Argentina, no apagar das luzes do segundo mandato de Carlos Menem, o governo encampou publicamente a proposta de dolarização plena e procurou, sem sucesso, negociar um tratado de associação monetária com os Estados Unidos. Mais recentemente, o Equador anunciou a dolarização da sua economia. Uma decisão descrita como "de desespero" de acordo com o próprio governo que a tomou. Outros países latino-americanos estariam examinando essa possibilidade. Na semana passada, vazou para um jornal argentino, Página 12 , um documento supostamente confidencial do staff do FMI, que aconselha a dolarização oficial da economia da Argentina.  

Nos países desenvolvidos, e especialmente nos EUA, cresceu enormemente o interesse pelo tema da dolarização no passado recente. Há uma profusão de estudos, pesquisas, position papers e seminários que colocam em dúvida as possibilidades de sobrevivência das moedas nacionais na periferia do sistema internacional. Não há consenso sobre a questão, mas boa parte dessas análises e discussões concluem pela conveniência da dolarização oficial da América Latina ou, pelo menos, de algumas das economias latino-americanas. É preciso que estejamos alertas para esse fato.  

Cabe destacar que o Congresso – especialmente o Senado – dos Estados Unidos tem estado particularmente ativo na promoção de estudos, debates e audiências públicas sobre a dolarização. Nesses estudos e audiências, a questão tem sido tratada, como seria de se esperar, da ótica dos Estados Unidos. A conclusão preponderante dessas iniciativas é que a dolarização interessa aos norte-americanos e pode interessar a pelo menos parte dos países da América Latina. Exemplo disso é a declaração de Larry Summers, Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, quando observou que, caso houvesse a dolarização por um país da América Latina, significaria que a receita de seignorage ficaria para os Estados Unidos e não para aquele país. Isso representaria um empréstimo sem o necessário pagamento dos juros que os Estados Unidos obteriam do país que utilizasse o dólar.  

No Brasil, com a superação da crise cambial de 1999 e o relativo sucesso da flutuação cambial, a preocupação com esses temas monetários diminuiu. O debate sobre as questões monetárias internacionais e, em particular, sobre a dolarização, tem sido superficial. Não podemos, entretanto, ignorar o que está acontecendo a nossa volta.  

Cabe ao Senado contribuir para examinar essa temática, adotando a ótica do interesse nacional brasileiro. A criação de um grupo de trabalho, no âmbito da Comissão de Assuntos Econômicos, seria uma forma adequada de realizar esse objetivo. Esse grupo, denominado "Grupo de Trabalho sobre Assuntos Monetários Internacionais", seria constituído de cinco membros titulares e dois membros suplentes, tornando-se uma grande ajuda ao próprio Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Ney Suassuna, que abraçou a proposição.  

Como primeira proposta, o grupo de trabalho deve tratar de investigar e patrocinar discussões e debates públicos sobre o tema da dolarização na América Latina. Para tal, poderá convidar as autoridades da área econômico-financeira, o Presidente do Banco Central, especialistas nacionais e estrangeiros para deporem sobre o problema perante a Comissão de Assuntos Econômicos a fim de ajudarem a organizar a reflexão sobre o processo em curso na nossa região, inclusive, na sua conclusão, deveria o próprio Ministro da Fazenda estar participando. Poderá ainda o referido grupo patrocinar ou ajudar na realização de seminários ou audiências públicas sobre questões monetárias brasileiras e latino-americanas, com o intuito de alertar a sociedade para a importância de uma série de questões de caráter decisivo, inclusive a atinente ao controle do fluxo de capitais internacionais, tão importantes para o futuro da nossa economia e a autonomia do Brasil.  

Sr. Presidente, gostaria ainda de, na conclusão, ao ensejo da presença do Governador Esperidião Amin neste plenário – e conforme lhe transmiti há pouco mais de um mês, ainda porque tive notícias, hoje, de que, na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, aprovaram-se recursos para o Programa de Garantia de Renda Mínima para o ano, ainda que não tenha sido aprovado o respectivo projeto –, reiterar a minha disposição, bem como a do Professor Antônio Maria da Silveira, de estarmos contribuindo para que Santa Catarina adote a proposta.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/02/2000 - Página 1965