Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO INTELECTUAL FRANCES JEAN ORECCHIONI.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO INTELECTUAL FRANCES JEAN ORECCHIONI.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2000 - Página 2242
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JEAN ORECCHIONI, PROFESSOR, INTELECTUAL, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, é com o mais profundo pesar que venho à tribuna render uma homenagem póstuma a um grande intelectual, o brasilianista Jean Orecchioni, que acaba de falecer na França. À sua esposa, aos seus filhos, netos e demais parentes, assim como ao professor Albert Audibert – grande amigo da família -, a todos transmito minhas sentidas condolências à memória de Jean Orecchioni, que pautou a vida por padrões de correção e dignidade exemplares.  

Tive a honra e o grande orgulho de pertencer ao círculo de amigos de Jean Orecchioni, círculo este que se espalha pela Europa, África e América Latina, pois ele, desde cedo, adquiriu o gosto pelas viagens, pelos intercâmbios, pelas experiências profissionais no estrangeiro, pela convivência com os problemas culturais de todas essas regiões. Sua paixão pela língua portuguesa, que ele falava de modo impecável e escrevia como qualquer um de nós, torná-lo-ia uma das grandes referências da cultura luso-brasileira no seio da intelectualidade francesa, onde era uma figura importantíssima.  

Desde jovem, Orecchioni teve um grande gosto pelos idiomas, que o levaria inicialmente a descobrir o inglês. Durante a Segunda Guerra, ainda bem novo, foi intérprete das forças francesas estacionadas em Londres. Depois da guerra, tendo concluído com brilhantismo seus estudos de Letras Clássicas na França, foi nomeado professor e diretor da Aliança Francesa no Marrocos. Mas foi em 1951 que Orecchioni fez aquilo que considerava a experiência determinante de sua vida: a descoberta do Nordeste brasileiro, da língua portuguesa e da nossa literatura. Em Recife, ele exerceu o cargo de diretor da Aliança Francesa. Foi no Nordeste que nasceu e se desenvolveu sua vocação de luso-brasilianista, vocação bastante estimulada pelo convívio com grandes figuras como Gilberto Freyre e Jorge Amado, dos quais iria traduzir algumas obras.  

Em 1955, Orecchioni mudou-se para Portugal como professor do Liceu Francês de Lisboa. Familiarizou-se com a cultura portuguesa, mas sem interromper os estudos e pesquisas da literatura popular brasileira, sob a orientação de seu amigo e compatriota Raymond Cantel, o grande especialista europeu da literatura de cordel.  

De volta ao Brasil em 1965, exerceu, durante três anos, as funções de Conselheiro Pedagógico junto à Universidade de São Paulo e ao Consulado Francês para a região Sul. Organizou cursos, conferências e estágios para professores brasileiros e franceses e aprimorou seus conhecimentos sobre o Brasil. Todos o admiravam pela sua vasta cultura, rigor intelectual, retidão, discrição temperada, muitas vezes, por uma nota de humor. Era uma figura humana incomparável e uma personalidade brilhante, difícil de esquecer.  

Novamente em Lisboa, entre 1967 e 1971, como Diretor do Liceu Francês de Lisboa, concluiu sua tese de Doutorado de Estado sobre o tema Cangaço e Cangaceiros - realidade e ficção , defendida na Sorbonne em 1970. Infelizmente, a tese ainda não foi publicada em livro, apesar de os críticos brasileiros, como o professor José Aderaldo Castello, considerarem esse trabalho como um dos melhores escritos até hoje sobre a temática.  

Ao retornar definitivamente à França, Jean Orecchioni foi nomeado Professor Titular da Universidade de Grenoble. Retomou, ao mesmo tempo, o trabalho de tradutor, no qual demonstrava uma arte incomparável. Era o melhor tradutor de literatura portuguesa na França. Sabia transpor o clima, as cores e as singularidades próprias do cenário e da trama literária com uma precisão, elegância e graça de linguagem admiráveis.  

Como Gilberto Freyre, Jorge Amado e outros escritores, tive o privilégio de ver dois de meus livros, Norte das Águas e O Dono do Mar , editados pela Hachete, traduzidos para o francês pelo mestre Jean Orecchioni. Foi quando ele se dedicou a esse último trabalho que cresceram e se enriqueceram nossas afinidades literárias e se consolidou uma grande amizade. Ele teve o cuidado, como tradutor, de ir a São Luís do Maranhão, em 1995, pesquisar a linguagem popular, o ritmo da língua, e, conjuntamente, trabalhamos na revisão e na tradução de O Dono do Mar , cuja tradução em francês considero primorosa. Digo mesmo que o êxito que o livro obteve na França foi devido à fidelidade de Orecchioni a toda aquela narrativa construída nessa obra de ficção. Sua esposa, dona Júlia, ofereceu sua contribuição valiosa nesse trabalho, pois aprendeu também, como o marido, a captar as nuanças da alma brasileira.  

A última demonstração que Jean Orecchioni fez de seu talento de tradutor sintonizado com as peculiaridades do espírito nacional teve como objetivo a excelente coletânea de contos da escritora mineira Vera Brant, intitulado, em francês, La Routine des Jours . 

É, pois, consternado, com imensa tristeza, que presto essa homenagem póstuma ao eminente professor, ensaísta e tradutor Jean Orecchioni, a quem a literatura brasileira deve um trabalho inestimável – o de torná-la mais reconhecida na sua riqueza e diversidade no mundo francófono. Orecchioni era uma referência extraordinária do brasilianista, o homem de letras, o intelectual, preocupado com os problemas nacionais do Brasil, com os problemas da nossa literatura.  

São essas as palavras que gostaria de dizer nesta tarde, solicitando à Mesa que, na forma regimental, procurasse levar à família de Jean Orecchioni essa manifestação pessoal, que acredito também seja a manifestação do Senado da República.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2000 - Página 2242