Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA CONTINUIDADE DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA NO BRASIL.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • DEFESA DA CONTINUIDADE DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/2000 - Página 2424
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • DEFESA, CONTINUAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO, PAIS, GARANTIA, LEGITIMIDADE, PARTICIPAÇÃO, POVO, PROCESSO, NATUREZA POLITICA, ESCOLHA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, a mesma vontade parlamentarista que tomou conta da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios, nos idos de 1961, volta hoje com toda força e se espalha outra vez pelos mesmos lugares de antigamente. Como muitos ainda guardam na lembrança, naquela época, para contentar os militares que não queriam ver Jango Goulart assumir praticamente todo o mandato presidencial deixado por Jânio Quadros, foi instituído o parlamentarismo no País, que teve vida curta e durou apenas um ano e meio.  

Em 06 de janeiro de 1963, em plebiscito nacional, o povo brasileiro consagrou o presidencialismo nas urnas e decretou o fim do casuísmo parlamentarista. Como vimos, naquela ocasião, o parlamentarismo surgiu sem legitimidade, fruto de um acordo de gabinete selado em um momento de instabilidade de nossa vida política, apenas para atender às exigências de determinados grupos que nunca tiveram nenhum apreço pela democracia e nunca foram acostumados a consultar a vontade da Nação.  

Trinta anos mais tarde, em 21 de abril de 1993, como previa a Constituição de 1988, em suas disposições transitórias, mais uma vez, o povo brasileiro, em plebiscito para decidir sobre a forma do Estado e o sistema de governo, votou pela manutenção da República e pela continuidade do presidencialismo que saiu vitorioso com mais de 55% dos votos apurados.  

Apesar da comprovada preferência popular pelo sistema presidencialista de governo, a mídia tem noticiado com freqüência, nos últimos meses, que começa a crescer em alguns gabinetes políticos do Palácio do Planalto e da Esplanada, e entre parlamentares das duas Casas do Congresso Nacional, a idéia da ressurreição do parlamentarismo para vigorar a partir do próximo período presidencial.  

Na Câmara dos Deputados, a idéia ganhou força desde 1995, por iniciativa do deputado Eduardo Jorge do Partido dos Trabalhadores de São Paulo (PT - SP). Naquele ano, o parlamentar petista apresentou uma emenda constitucional que logo encontrou fervorosos adeptos em diversos partidos opostos. Já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa, em 10 de setembro de 1996, continua tramitando em outras instâncias, ao sabor dos acontecimentos políticos e econômicos que definirão nesses próximos dois anos, os rumos da política brasileira.  

Por outro lado, para medir o grau de aceitação dessa idéia no âmbito do Congresso Nacional, merece destaque, os resultados de uma pesquisa feita com parlamentares e divulgada pelo Jornal do Brasil em meados de setembro passado. O resultado da enquete revelou que o Congresso é majoritariamente parlamentarista, com 49,5% de respostas favoráveis a essa forma de governo, contra 34% em favor do presidencialismo e 18,5% que se declararam indecisos.  

Segundo certos analistas políticos, a aprovação da emenda está diretamente ligada ao comportamento da economia daqui para frente, e a modificações políticas que sejam capazes de alterar no médio prazo a atual correlação de forças que define o poder nacional.  

Os mesmos especialistas adiantam que o desequilíbrio de certas variáveis políticas, combinados com possíveis distúrbios em algumas variáveis econômicas importantes como o aumento da inflação, aumento do desemprego, descontrole diante da crise, e desequilíbrio financeiro, poderia abrir uma grande porta para a passagem do parlamentarismo.  

Entre as variáveis políticas passíveis de influenciar a aprovação da emenda parlamentarista, são apontados o crescimento das forças oposicionistas, e as dificuldades eleitorais que poderia trazer um novo Presidente não muito bem afinado com a constelação de forças que é hoje dominante na esfera superior da política brasileira.  

É bom relembrar mais uma vez que o povo brasileiro já se manifestou majoritariamente em duas ocasiões contra o parlamentarismo, e elegeu o presidencialismo como a melhor forma de governo para o nosso País. Em minha opinião, querer mudar agora essa decisão suprema através de acordos políticos, com a aprovação de uma simples emenda constitucional, seria desmoralizar a democracia e desrespeitar a vontade soberana do povo brasileiro.  

É bom relembrar igualmente que nós, Senadoras e Senadores, bem como os Deputados Federais, fomos eleitos democraticamente para legislar em nome do povo, mas o povo não nos deu o poder de mudar arbitrariamente as suas decisões que são infinitamente mais importantes do que todas as nossas atribuições como parlamentares. Dessa maneira, só um novo pronunciamento popular tem a capacidade de anular outro. Portanto, fora desse raciocínio, estaremos referendando o arbítrio e desmoralizando o regime democrático para atender apenas às conveniências de grupos políticos que só pensam em se manter no poder a qualquer custo.  

Sr. Presidente, Sras. e Senhores Senadores, alguns defensores do parlamentarismo costumam dizer que o sistema de governo presidencialista está em crise profunda no Brasil. Segundo eles, o presidencialismo concentra poderes demais e o Presidente da República age como se fosse quase um Imperador. O clientelismo político encontra no presidencialismo em crise, um terreno fértil para prosperar. Por fim, eles afirmam que o fisiologismo agrava a contaminação de todo o tecido político e desgasta a estabilidade das instituições até a sua completa inviabilidade.  

Em minha opinião, essa análise simplista ignora quase que completamente as verdadeiras raízes da crise brasileira, que são bem mais profundas, e não se restringem apenas ao campo político. Dessa maneira, é um erro grave de interpretação querer isolar a crise política, da crise econômica e social que vivemos. Todas têm uma estreita relação entre si e um grau de dependência mútua bastante importante.  

Assim, é o conjunto das instituições brasileiras que está em crise e não simplesmente o sistema de governo presidencialista. Para melhorar essa situação, não basta apenas mudar a forma de governo ou trocar o presidencialismo por um parlamentarismo que nem mesmo os seus defensores sabem ainda se será o modelo inglês, o modelo francês ou o modelo português.  

Em verdade, o caminho que temos de tomar para melhorar o funcionamento das instituições nacionais é o das reformas, que precisam ser encaradas com mais seriedade e com mais profundidade. A reforma política, por exemplo, precisa ir muito além do fortalecimento dos partidos, do cumprimento da fidelidade partidária e das mudanças no sistema eleitoral. Ela precisa penetrar fundo na área federal, estabelecer certos limites à imunidade parlamentar, e chegar aos Estados. Assim, seremos capazes de alcançar o objetivo mais importante que é o de modernizar o presidencialismo, muito mais primordial do que alimentar agora uma discussão sobre os fundamentos do parlamentarismo que se quer implantar no Brasil.  

Aliás, a esse respeito, nem mesmo os membros da comissão que analisa a emenda constitucional têm uma posição em comum. Uns defendem o parlamentarismo com aprovação posterior da população, outros são a favor do sistema francês, e por último, ainda existe a posição dos que são simpáticos ao sistema presidencialista, semelhante ao que existe nos Estados Unidos.  

Os defensores mais ferrenhos da idéia parlamentarista, costumam repetir que com ele não existiria mais crises entre os poderes porque o sistema, pela sua própria natureza, não convive com governantes ineficazes. Dessa maneira, quando o primeiro-ministro perde a confiança da sociedade, logo é afastado pelo Congresso Nacional que estabelece uma nova aliança de governo. Além disso, com a adoção do voto distrital misto, o eleitor passaria a ter uma convivência mais estreita com o seu representante, as ligações do parlamentar com o seu partido passariam a ser sólidas, e a governabilidade fluiria com muito mais eficiência do que no regime presidencialista.  

Guardadas as devidas distâncias da perfeição que alguns políticos apresentam com a introdução do parlamentarismo, não podemos nos esquecer de que em seus discursos está faltando o capítulo referente ao processo de escolha do primeiro-ministro e do próprio Presidente da República. Como nós sabemos, pelo menos o primeiro-ministro, que é o personagem mais importante da cena política no regime parlamentarista, é escolhido de forma indireta, após acordo firmado entre as diversas forças do Congresso, do qual, participam apenas os chamados "grandes cardeais". Quanto à sociedade, esta se contentará apenas em aceitar o nome do escolhido no plenário do Congresso e talvez tenha a chance de escolher, pelo voto, um Presidente da República que não passará de uma simples figura decorativa.  

Com todos os defeitos que apresenta, o presidencialismo é um sistema de governo em que o povo participa diretamente do processo político e com o voto, escolhe o candidato a Presidente da República de sua preferência. Em contrapartida, no parlamentarismo, sem a presença da sociedade e pela força de acordos previamente firmados nos bastidores, menos de seiscentas pessoas têm o direito de escolher, em uma sessão plenária que dura apenas algumas horas, o personagem político mais importante do País.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a grande diferença entre os dois sistemas de governo é que um tem a legitimidade da Nação e o outro tem apenas os votos dos Congressistas.  

Portanto, é melhor ficar com os ideais da independência americana que geraram, em 1776, o presidencialismo como gestão do Estado, do que com os ideais do rei João Sem Terra que geraram, em 1215, na Inglaterra, a semente do parlamentarismo.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/2000 - Página 2424