Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-SENADOR PETRONIO PORTELLA.

Autor
Freitas Neto (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Antonio de Almendra Freitas Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-SENADOR PETRONIO PORTELLA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2000 - Página 3272
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, PETRONIO PORTELLA, EX SENADOR, EX-DEPUTADO, EX PREFEITO, EX GOVERNADOR, ESTADO DO PIAUI (PI), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, DEMOCRACIA.

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente em exercício, nobre Senador Geraldo Melo, Srs. ex-Presidentes desta Casa, Srs. Jarbas Passarinho e Mauro Benevides; D. Iracema de Almendra Freitas Portella Nunes, em nome de quem saúdo toda a família aqui presente; Sr. Procurador Geraldo Brindeiro, Srs. Ministros Humberto Souto e Adhemar Ghisi, Srs. Deputados Federais, Srs. Representantes da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, Marcelo Coelho, Leal Júnior, Robert Freitas, Sr. Embaixador Aluízio Napoleão, meus caros Colegas Senadoras e Senadores, uma vez que em História não existe a palavra "se", estamos hoje impedidos de especular sobre quais teriam sido os rumos de nosso País, caso Petrônio Portella não desaparecesse naquele triste 6 de janeiro de 1980. Resta-nos, mais do que a especulação, a certeza de que muito provavelmente seria ele o civil a encerrar as mais de duas décadas do mais longo período de governos militares da República brasileira.  

Essa convicção tem como fulcro a figura notável de Petrônio. Não vou aqui estender-me na listagem das funções por ele desempenhadas, sempre com brilho, como as de Deputado Estadual, Prefeito de Teresina, Governador do Piauí, Senador por dois mandatos, líder e presidente do seu Partido, duas vezes Presidente do Senado, Ministro da Justiça. O eminente Companheiro Hugo Napoleão, que me precedeu, já o fez com o talento que lhe é reconhecido por todos.  

Nessa trajetória, porém, Petrônio Portella mostrou caminhos a seguir. As lições de sua vida revelam-se extraordinariamente atuais ao indicar formas de superar dificuldades ainda hoje existentes em nosso sistema político e de aproximá-lo das reais necessidades do povo brasileiro.  

Petrônio soube superar dificuldades muito grandes em sua vida pessoal. Enfrentou a mais insidiosa das doenças, conseguindo superá-la em uma época na qual poucos a ela sobreviviam. Também na política encontrou obstáculos que a outros pareciam insuperáveis. Venceu todos.  

Aguerrido Deputado da Oposição, casou-se com a filha do governador cujo governo criticava corajosamente da tribuna. Companheira de toda a sua vida e pessoa de extrema sensibilidade, Iracema de Almendra Freitas Portella Nunes se revelaria muito mais do que a esposa e a mãe extremosa. Foi também uma conselheira, uma amiga a quem o marido ouvia. Aliás, o próprio Petrônio, ainda que se multiplicassem seus afazeres e se tornassem cada vez mais amplas suas responsabilidades, foi sempre um pai profundamente dedicado aos filhos: Patrícia, Sônia e Petrônio Portella Filho.  

Sem recursos e sem base política ampla, conseguira apenas uma suplência em sua primeira campanha para a Assembléia Legislativa, mas aproveitou as oportunidades dadas pelas licenças de titulares para projetar seu nome como eficiente Parlamentar, elegendo-se para o mandato seguinte com folgas. A partir daí começaria a demonstrar o seu imenso talento. No impulso de sua ação parlamentar que lhe garantia ampla visibilidade, elegeu-se Prefeito de Teresina. Tanto nesse posto quanto como Governador, cargo para o qual o povo o conduziria poucos meses após deixar a prefeitura, Petrônio revelou grande competência administrativa. Foi esse, ainda que poucos disso hoje se recordem, um dos grandes trunfos com que contou para alicerçar a vida pública. Mesmo que não chegasse, como chegou, aos mais altos vôos em nível nacional, Petrônio Portella teria deixado sua marca como administrador público.  

Como Prefeito, lançou os fundamentos de uma política de planejamento, delineando a partir daí ações concretas para o combate às principais chagas sociais que atingiam a capital piauiense. Foi essa orientação que lhe permitiu, por exemplo, lançar um programa habitacional destinado a erradicar as casas de palha que então marcavam a áreas mais pobres de Teresina e que foram vítimas de verdadeiras catástrofes. Essa experiência foi mantida e ampliada quando assumiu o Governo Estadual. Deu ao Piauí, de modo efetivo, o primeiro plano de desenvolvimento econômico e social, de forma a maximizar as receitas e ordenar os gastos.  

Constatou que o Piauí, como os demais Estados das regiões mais carentes do País, só poderia desenvolver-se caso contasse com o respaldo da União. Trata-se, uma vez mais, de constatação que permanece válida até nossos dias - válida para o Brasil como para qualquer nação em que convivam contrastes como os que aqui ainda, e infelizmente, prevalecem. Petrônio buscou então manter relações de cooperação e respeito mútuo com o Governo Federal. É o que explica, inclusive, o incidente gerado pelo famoso telegrama em que, já em abril de 1964, manifestava seu apoio à legalidade que se quebrava.  

Encontrou compreensão do novo regime, até porque não havia acusações à sua administração e à sua pessoa, uma vez que a honestidade foi sempre uma de suas indeléveis marcas. Pôde assim prosseguir sua obra. Os recursos federais eventualmente obtidos eram destinados por Petrônio sempre a investimentos, nunca ao custeio, antecipando critérios que só muito mais tarde se incorporariam à prática da eficiente administração pública. Foi assim que se encaminharam obras como o saneamento básico de Teresina, a assistência aos municípios do interior, a aceleração dos trabalhos de Boa Esperança ou os fundamentos da Universidade Federal. Seu talento e criatividade como gestor seriam comprovados mais tarde, ao presidir o Senado Federal. Sua visão de futuro pode ser demonstrada, entre outros atos, pela criação do Prodasen.  

Quando Petrônio Portella deixou o Governo, via-se consagrado como administrador. Elegeu-se Senador e permaneceu em Brasília até sua morte, quase 14 anos depois. No entanto – e aí está mais um dos fundamentos de seu edifício político – nunca deixou de proporcionar a mais ampla assistência ao Estado em que nascera e que o elegera. A partir de então, todas as principais iniciativas que marcavam a ação pública do Piauí levavam sua marca. Era Petrônio quem assegurava, no Orçamento Geral da União, os recursos que tocavam obras básicas e estimulavam o desenvolvimento do Piauí.  

Esse vínculo, permanentemente cultivado, garantiu a Petrônio Portella o respaldo dos piauienses. Os resultados eleitorais comprovam essa afirmação. Ao deixar o governo estadual, elegeu-se Senador com 65% dos votos nominais. Tratava-se de vantagem muito elevada para o Piauí, onde, por mais de uma década, as eleições costumavam se apresentar disputadíssimas. Nessa eleição, como em todas as que disputou na sua longa trajetória política, não recorreu ao poder econômico abusivo, aos gastos desmedidos, diferentemente do que ocorre, hoje com freqüência - por mais que se tente corrigir essas distorções pela via legislativa. Concorreu à reeleição em 1974, o ano em que se deu a famosa derrocada da Arena, partido a que pertencia. Das 22 cadeiras do Senado que estavam em disputa naquela oportunidade, nada menos do que 16 foram conquistadas pela Oposição. Petrônio, porém, reelegeu-se com margem ainda superior, 75% dos votos.  

Essa proporção só se explica em função de três fatores. Ao lado da marca administrativa e do cultivado vínculo com o Estado, está a competência para negociar, para derrubar barreiras políticas.  

A primeira grande demonstração dessa competência foi dada a nível estadual, em 1962, quando operou uma completa revolução no sistema de alianças que marcava o Piauí. Seguindo uma tendência lógica, a maior força política do Estado na época, o PSD, enfrentava uma coligação entre o PTB e a UDN de Petrônio, segunda maior força. Fora essa coligação que levara ao poder o governador de então e tudo levava a crer que havia condições para a sua manutenção. Petrônio preferiu rompê-la e costurar o que se considerava impossível, a coligação entre PSD e UDN. Foi essa aliança que o levou ao poder e que mais tarde, dissolvidos os partidos tradicionais por um ato de força, permitiria uma convivência relativamente pacífica às principais vertentes políticas do Piauí.  

No âmbito nacional, o talento inato para articulação se faria sentir aos poucos. Como Senador, Petrônio levaria algum tempo para ascender aos principais círculos políticos da República. Não o fez sozinho. Significativamente, experientes líderes parlamentares como Daniel Krieger e Felinto Müller destinaram-lhe missões importantes, evidenciando que seus méritos eram reconhecidos. Petrônio tornou-se líder e, mais tarde, Presidente do Senado Federal.  

Sua arma foi sempre o diálogo, a articulação política. Nunca a pusilanimidade, a bajulação. Ao contrário, resistiu sempre a pressões exercidas pela força. O melhor exemplo pode ser dado pelas tentativas de cassação de um Senador que fizera alusões injustamente apontadas como insultuosas pelas Forças Armadas. Com seu poder de persuasão, Petrônio obteve um acordo político, poupando a instituição.  

Dizia o General Golbery do Couto e Silva que se pode distinguir entre vários sentidos, hierarquizados, a palavra política. O primeiro, de maior abrangência, diria respeito a uma atividade de caráter amplo, geral, envolvendo todas as dimensões da vida pública, como a econômica e a social. O segundo, o campo das relações estritamente de poder. O terceiro, e mais reduzido, ao quadro das organizações partidárias. "Petrônio", dizia ele, "foi em todas elas mestre reconhecido e admirado"; foi "exímio em quaisquer dos degraus da variada praxis política".  

Com efeito, Petrônio tinha o dom do diagnóstico, para o que buscava sempre estar muito bem informado. Tinha o dom do estrategista, sabendo traçar fórmulas para superar antagonismos, preferencialmente por meio da persuasão. E tinha o dom do operador, executando ele próprio, à perfeição, as estratégias que traçava ou que aceitava.  

Foi assim que, vendo estreitar-se a possibilidade de diálogo dentro do limitado quadro partidário dos anos 70, ampliou-o a instituições civis de toda natureza. Conseguiu muito mais do que o simples respaldo para operacionalizar a abertura política. Conseguiu escancarar para toda a população brasileira a possibilidade de tornar real essa abertura, de acenar com uma esperança verdadeira. Uma vez mais se faz necessária a palavra ultrapassar: Petrônio ultrapassou o cenário que lhe era dado para criar um novo, graças apenas a seu dom para articular.

 

Petrônio Portella viabilizou assim o quadro institucional que conduziria ao restabelecimento da democracia em nosso País. Foi quem operacionalizou a aprovação da Emenda Constitucional nº 11, que alterou a Constituição de 1967, de modo a expurgá-la de todos os Atos Institucionais, entre eles o famigerado AI-5. Mais tarde, já como Ministro da Justiça, assumiria de público o papel de artífice dos sucessivos instrumentos de abertura política, como o pluripartidarismo, a anistia, a retomada das eleições diretas para cargos executivos. Foi dentro desse quadro institucional, vale a pena insistir, que se pode dar, ainda que com alguns e previsíveis sobressaltos, a devolução da legitimidade ao exercício do poder.  

Carlos Castello Branco, que o chamou de "o mais talentoso político de sua geração" resumiu o que se tinha como certeza à época da morte de Petrônio. Seria ele o primeiro presidente civil do Brasil após mais de duas décadas de regime autoritário. O destino não quis que se coroasse dessa forma seu trabalho em favor do País. Infelizmente.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores convidados, a memória de Petrônio Portella deverá receber em breve outra homenagem desta Casa. A Mesa do Senado aprovou, em 1997, requerimento de nossa autoria para publicação de obra relativa a essa grande figura da vida política nacional e ao papel que teve no Brasil contemporâneo, na coleção Grandes Vultos que Honraram o Senado. Acredito que essa iniciativa permitirá a reunião de textos e estudos que propiciem às próximas gerações uma visão da grandeza de Petrônio.  

A verdade é que essa grandeza não deixa de ser reconhecida pela população piauiense, mesmo passados vinte anos de seu desaparecimento. Um importante grupo de comunicação de nosso Estado promoveu campanha visando à eleição dos piauienses que mais se destacaram em diversas áreas, nos últimos cem anos. Foi a comunidade do Piauí quem escolheu essas personalidades, em áreas como Cultura, Educação, Política, Empresas, Esportes. Escolheu-se Petrônio Portella como piauiense do século em sua área.  

Como podemos hoje perceber com absoluta nitidez, a trajetória de Petrônio Portella permite-nos situá-lo como uma das grandes figuras deste século não só no Piauí, mas no Brasil. Embora seu maior feito tenha sido desenhar o arcabouço institucional da restauração democrática, pelo que sempre será lembrado, de sua vida pública resultam muitas outras lições, todas elas perfeitamente válidas até hoje e, certamente, válidas por muito mais tempo.  

Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)  

 

8 | r @ ° ` ø e, que o crescimento econômico, este ano, será de zero "ou um pouco mais que isso". Este exemplo mostra que as próprias autoridades do governo não sabem ao certo como estaremos no futuro. Os dados estatísticos parecem ter mais força do que as cenas de pobreza explícita que inundam nossas ruas, seja nos grandes centros, seja nas cidades do interior. O crescimento econômico não pode ser tratado diante da tela de um computador. É preciso que haja mais sensibilidade por parte daqueles que conduzem a política econômica. Vivemos de desencontros, em matéria de previsões. Em almoço promovido pela Associação do Comércio Exterior, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse que o Brasil poderá crescer 6% ao ano, a médio prazo. Fraga acredita que esse crescimento virá com o aumento demográfico de 1%, de 2% da poupança interna e que a outra metade virá pelo fato de os Estados Unidos, a maior economia do mundo, estar crescendo entre 3% a 4% ao ano. O presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Horácio Láfer Piva, não resistiu a fazer comentário irônico, diante da profecia : "Precisaremos estar vivos até o médio prazo para aproveitarmos o crescimento". Os economistas, de modo geral, não acreditam em crescimento acelerado, antes de 2002, na melhor das hipóteses, isto é, se o programa de ajuste fiscal acertado com o FMI for concluído, sem acidentes, até o final de 2001. Mas como pensar em ajuste fiscal se o próprio governo bombardeia o trabalho desenvolvido pela Comissão Especial da Reforma Tributária? O país, infelizmente, tem convivido com palpites que a realidade caprichosa acaba desmentindo. Em 1996, quando ministro do Planejamento, o deputado Antônio Kandir previu crescimento de 4% a 5% ao ano, e até de 7% e 8%, "se tivermos as mudanças necessárias para aumentar a poupança interna e atrair mais poupança externa". No lugar do brilhante desempenho profetizado, tivemos dois anos de estagnação. A maior taxa de crescimento alcançada, desde a projeção malograda de Kandir, foi 3,7%, em 1997. O IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, previu crescimento econômico de 4% ao ano, entre 1997 e 1999 e de 7% entre 2004 e 2006. Como a primeira parte da profecia não se cumpriu, ninguém acredita que a segunda venha a se cumprir.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2000 - Página 3272