Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE REFORMA AGRARIA NO ESTADO DO CEARA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. TRIBUTOS.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE REFORMA AGRARIA NO ESTADO DO CEARA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2000 - Página 3485
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. TRIBUTOS.
Indexação
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, RAUL JUNGMANN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, APREENSÃO, GRAVIDADE, EXISTENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA, MISERIA, ZONA RURAL, PAIS.
  • DEFESA, SUGESTÃO, RAUL JUNGMANN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, TRANSFORMAÇÃO, IMPOSTO TERRITORIAL RURAL, CONTRIBUIÇÃO, ESTADOS, EFEITO, MELHORIA, ARRECADAÇÃO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, BUSCA, ALTERNATIVA, MELHORIA, FINANCIAMENTO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, INSTRUMENTO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • ELOGIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO CEARA (CE), EFICACIA, PROMOÇÃO, REFORMA AGRARIA, REALIZAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, FAMILIA, TRABALHADOR, SEM-TERRA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o sistema produtivo brasileiro à época da inserção do Brasil no capitalismo mercantilista do século XVI, caracterizava-se pela produção de mercadoria para as nações centrais, pela grande extensão das terras e pelo trabalho escravo. Posteriormente, após a independência, a Lei n o 601, de 1850, permitiu que as terras, até então pertencentes à Coroa, se tornassem objeto de apropriação privada. Tal iniciativa representou a vedação da possibilidade de acesso à terra por parte do trabalhador livre, originário da incipiente imigração.  

Outro momento de inflexão ocorreu com o Estatuto da Terra, oportunidade em que pela primeira vez foi possível a realização de reforma agrária, baseada na desapropriação mediante pagamento com títulos da dívida agrária.  

Hoje, segundo o Ministro Raul Jungmann, da Política Fundiária, há menos uma questão fundiária clássica e muito mais uma questão de pobreza rural. Os 34 milhões de habitantes do campo formam uma população economicamente ativa de 18 milhões, da qual 8 milhões sobrevive sem ocupação ou em trabalhos precários, muitas vezes sem a contrapartida de renda monetária. O meio rural brasileiro é um locus de desigualdade social, de pobreza e de tensões relacionadas às necessidades de desenvolvimento. Quando a essa situação associa-se a questão de concentração de terra, tem-se a dimensão, a razão e o porque dos movimentos sociais que eclodem recentemente.  

A reforma agrária representa uma estratégia para a redução da pobreza rural brasileira, pois, além de criar emprego a custos mais baixos do que o do setor formal da economia, consegue manter a renda média do assentado acima da percebida pelo trabalhador rural brasileiro, inclusive do assalariado. São evidentes as vantagens comparativas da reforma agrária e da agricultura familiar, tanto do ponto de vista do custo de geração de emprego, quanto em razão dos impactos do desemprego estrutural de vários setores da economia.  

Para o combate à pobreza rural, a alternativa é o fortalecimento da produção familiar e a reforma agrária, sendo esta um departamento daquela, pois tem a função de ser uma "fábrica de agricultores familiares". Esse entendimento não desmerece a importância da agricultura empresarial voltada para a exportação, que cumpre papel essencial na criação de empregos e na geração de divisas. Entretanto, os 25 milhões de pessoas envolvidas na produção familiar, necessitam, especialmente, de ações do Estado.  

Embora a política fundiária venha dispondo de recursos anuais em torno de R$ 1,8 bilhão, é necessário pensar em novas fontes de recursos, a fim de tornar mais ampla a intervenção do Estado. O Ministro Jungmann faz algumas sugestões: A primeira seria transformar o Imposto Territorial Rural (ITR) em contribuição estadual, tornando mais efetiva sua arrecadação e fiscalização. Além disso, vincular-se-ia o tributo a fundos estaduais, destinados ao financiamento da infra-estrutura e da melhoria dos projetos de assentamento.  

Seguido a isso, há a necessidade de descentralização da reforma agrária. À União deveriam caber a formulação da política, a desapropriação das terras e o crédito, este último com ampla flexibilização. Aos estados e municípios competiriam a infra-estrutura física e social e as demais competências não submetidas ao poder da União.  

A terceira sugestão seria obrigar os fundos constitucionais, que, em média, aplicam 10% de seus recursos na reforma agrária, a dobrarem tal destinação.  

A quarta relaciona-se a estabelecer novos prazos para pagamento de títulos da dívida agrária, em determinadas regiões ou em certas condições, uma vez que o peso desses títulos sobre o Tesouro já é ponderável, em decorrência da desapropriação de mais de oito milhões de hectares. O Ministro Jungmann alvitrou a alternativa de trinta ou até cinqüenta anos, para resgate de títulos de megapropriedades.  

A quinta sugestão é a necessidade de buscar novas fontes de financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), pois sua excessiva dependência do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) torna-o sobremaneira vulnerável às conjunturas de crise econômica.  

O trabalho do Governo do Estado do Ceará e da Secretaria do Desenvolvimento Rural, através do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará - IDACE, foi determinante para o processo de Reforma Agrária no Ceará e no País, em função do projeto-piloto Ação Fundiária do Projeto São José, Reforma Agrária Solidária, hoje desenvolvido pelo governo brasileiro através dos Programas Cédula da Terra e Banco da Terra.  

Fazendo um comparativo, o IDACE, desde o início da sua criação, em setembro de 1979 até 1995, só havia conseguido assentar cerca de 700 famílias em assentamentos estaduais. De 1997 a 1999, com a criação do Programa Reforma Agrária Solidária, São José e Cédula da Terra, já foram assentadas 2.569 famílias rurais.  

O grande avanço da Reforma Agrária no Ceará, segundo estatísticas do IDACE, se deve ao processo de descentralização que aconteceu no Estado, com a implantação do programa do Reforma Agrária Solidária, a partir de 1997, baseado na experiência da ação fundiária do Projeto São José, principalmente no que toca à obtenção das terras pelos trabalhadores rurais e com respeito, também, aos processos de desenvolvimento dos assentamentos, no que tange à gestão. O avanço se deu com a negociação direta entre proprietários e trabalhadores, atuando o IDACE como um facilitador desse processo. E, quanto à gestão, os processos de organização facilitados pelo IDACE em cooperacão com a EMATERCE e ONGs, estão permitindo a administração direta pelos próprios assentados, cabendo ao Governo Federal apoiar esse processo, já que anteriormente o assentamento pertencia muito mais ao INCRA do que aos próprios beneficiários. Outro avanço dentro do programa de Reforma Agrária é a maneira de como o Estado vem negociando os conflitos pela posse da terra, beneficiando as comunidades envolvidas, evitando execução de ações de reintegração de posse que visem a retirada das famílias das áreas ocupadas. O Governo tenta resolver os conflitos agrários através de negociações que possibilitem a solução definitiva para as famílias ocupantes.  

Dois pontos fundamentais no combate à pobreza vêm sendo trabalhados pela SDR/IDACE, que são exatamente as ações que visam reduzir a concentração de terra e extinguir o minifúndio através da Reforma Agrária Solidária, regularização e reorganização fundiária, e, com respeito ao sentimento da população ante à pobreza, trabalhando o processo de capacitação para que ela própria enfrente as causas deste problema.  

Outro ponto de atenção do IDACE é a redução do trauma social das famílias atingidas pelas grandes obras. Esse trauma se dá fundamentalmente pela agressão à identidade do território das famílias, entendido como lugar onde os indivíduos se reproduzem e desejam continuar suas vidas. No caso, SDR/IDACE atuam desde o inicio, buscando preservar a identidade sócio-cultural das comunidades, das condições de reprodução e melhorar com sua ação as condições de vida, transferindo as famílias, preservando os laços de vizinhança e parentesco, em áreas que apresentem condições agroeconômicas semelhantes às que pertenciam, de preferência melhores do que estas. Além disso, oferecem meios para ampliar a melhoria das condições de vida, através do apoio ao planejamento dos novos assentamentos, disponibilizando infra-estrutura, tais como energia elétrica, escolas e salões comunitários, além do fornecimento de crédito de custeio agrícola, numa ação direta do IDACE, com utilização de recursos do tesouro estadual em articulação com o INCRA. Para a SDR, o reassentamento das famílias atingidas deve ser tratado com extrema delicadeza e cuidado, em virtude da involuntariedade dessas famílias em se deslocarem do seu habitat. Só se justifica o reassentamento pela importância dessas obras para o desenvolvimento do Estado.  

O grande problema dos projetos de assentamento e reassentamento rural tem sido a sua sustentabilidade sócio-econômica. Fundamentalmente, o Governo do Estado trabalha no sentido de assegurar infra-estrutura produtiva e social, investir na alfabetização e capacitação dos assentados e reassentados para autogerirem suas áreas. Com isso, busca facilitar o processo de participação no planejamento e encaminhamento de demandas. A sustentabilidade dos assentamentos e reassentamentos, além do acesso à terra e infra-estrutura, passa pela atenção à gestão feita com o apoio governamental, traduzido na capacitação para o gerenciamento e ações complementares, crédito rural, distribuição de sementes e assistência técnica.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2000 - Página 3485