Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CHAMADA LEI DA MORDAÇA, QUE PROIBE JUIZES, MEMBROS DO MINISTERIO PUBLICO E DELEGADOS DE POLICIA DE PRESTAREM INFORMAÇÕES ACERCA DE CASOS SOB INVESTIGAÇÃO.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CHAMADA LEI DA MORDAÇA, QUE PROIBE JUIZES, MEMBROS DO MINISTERIO PUBLICO E DELEGADOS DE POLICIA DE PRESTAREM INFORMAÇÕES ACERCA DE CASOS SOB INVESTIGAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2000 - Página 3627
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CONDENAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, JUIZ, MEMBROS, MINISTERIO PUBLICO, DELEGADO DE POLICIA, CONCESSÃO, INFORMAÇÕES, PROCESSO PENAL, INQUERITO, RESTRIÇÃO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reza a Declaração de Chapultepec, aprovada pela Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão: "Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade (...) Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício desta não é uma concessão das autoridades; é um direito inalienável do povo."  

Penso que os corajosos princípios condensados nesse pequeno trecho deveriam orientar este Senado na apreciação do projeto de lei que proíbe juízes, membros do Ministério Público e delegados de Polícia de darem informações acerca de casos sob investigação. À proposição, a opinião pública e a imprensa logo pespegaram a apropriada alcunha de Lei da Mordaça.  

Antes de mais nada, posso compreender a motivação do legislador, cioso das conseqüências sérias e, por vezes, irreparáveis de prejulgamentos e manifestações precipitadas, para não falar dos cada vez mais freqüentes "vazamentos" clandestinos à imprensa.  

Entretanto, quero fazer minhas as palavras do professor de Ética Jornalística Carlos Alberto Di Franco, quando afirma que possíveis exceções não podem de forma alguma invalidar a regra. Por outro lado, salienta o professor, um excesso de cautela jurídica pode, inadvertidamente, funcionar como "aliado da impunidade".  

Basta recordar aqui alguns exemplos recentes do papel fundamental exercido pelo Ministério Público e por uma imprensa investigativa no desmascaramento e na punição de escândalos de corrupção envolvendo altas autoridades, tais como o do esquema PC/Collor; o dos "anões do Orçamento"; o da extorsão contra camelôs e praticada por fiscais da prefeitura de São Paulo, em conluio com vereadores; o do desabamento do "Edifício Palace II", em razão de criminosa irresponsabilidade da construtora pertencente ao ex-Deputado Sérgio Naya.  

Bem sabemos, Sr. Presidente, que é preciso fortalecer a proteção da intimidade e a salvaguarda da presunção de inocência de quem está sendo investigado, a fim de evitar as "condenações sem julgamento" e os "linchamentos morais", que, por vezes, repito, acarretam prejuízos irreparáveis à reputação de pessoas inocentes – mas não ao preço de sacrificar a liberdade de informação ou de intimidar e estorvar juízes, promotores ou policiais no exercício de suas funções.  

Talvez a maior conquista da cidadania nos últimos anos tenha sido a mudança cultural que nos permitiu superar o reflexo condicionado de medo e cinismo, herança dos anos de chumbo da ditadura militar, para encarar os desvãos mais sombrios da política, para tirar os esqueletos do armário, para lancetar velhos tumores e para exigir o fim da impunidade, numa ampla, profunda e genuína catarse da consciência nacional.  

Somente avançando nesse caminho – e não dele recuando – é que a sociedade brasileira desenvolverá os anticorpos morais tão necessários para coibir exorbitâncias e injustiças cometidas por jornalistas inescrupulosos, editores pouco criteriosos, promotores açodados, juízes sedentos de destaque na mídia, delegados não menos ansiosos pelas câmaras, microfones e manchetes.  

No caso particular do Judiciário, que, por força da Constituição, é mecanismo que só pode entrar em funcionamento se acionado pela sociedade ou por este legal e legítimo guardião do interesse público, o Ministério Público, no caso do Judiciário, repito, a conduta das autoridades não tem a balizá-la apenas os rígidos dispositivos de Lei Orgânica da Magistratura, outorgada em 1977 pelo general-presidente Ernesto Geisel no bojo do "pacote de abril" em plena vigência do AI-5. Para além da lei, há que se enfatizar o velho e salutar costume que impõe ao juiz manifestar-se tão-somente "nos autos".  

Trata-se de uma exigência de discrição e sobriedade muito mais rígida do que a imposta aos titulares do Executivo ou do Legislativo, num reconhecimento tácito de que o único Poder não eleito deve estar cingido por obrigações adicionais que o mantenham responsável perante a sociedade.  

Não quero, porém, desviar-me da motivação do meu pronunciamento nesta manhã, qual seja a de condenar o projeto da "lei da mordaça" como um casuísmo retrógrado que conspira contra o direito do cidadão de se informar livremente sobre fatos relativos a autoridades e instituições que afetam o conjunto da sociedade.  

Só poderemos cobrar responsabilidade e punir os excessos e desvios daqueles que por dever do ofício lidam com essas informações, na mídia ou no aparelho do Estado, se estivermos dispostos a preservar seu direito de desempenhar tal missão na mais ampla e completa liberdade.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2000 - Página 3627