Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

DESCASO DO PODER PUBLICO COM A DEFESA DA REGIÃO AMAZONICA. DENUNCIA DA VENDA ILEGAL PARA ESTRANGEIROS, DE TERRAS INDIGENAS NO ALTO XINGU, ESTADO DO PARA.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL.:
  • DESCASO DO PODER PUBLICO COM A DEFESA DA REGIÃO AMAZONICA. DENUNCIA DA VENDA ILEGAL PARA ESTRANGEIROS, DE TERRAS INDIGENAS NO ALTO XINGU, ESTADO DO PARA.
Aparteantes
Ademir Andrade, Edison Lobão, Lúdio Coelho, Marluce Pinto.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2000 - Página 3630
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, ILEGALIDADE, VENDA, TERRAS INDIGENAS, MUNICIPIO, EMPRESA ESTRANGEIRA.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, DEFESA, REGIÃO AMAZONICA, AUSENCIA, IMPEDIMENTO, INVASÃO, RESERVA INDIGENA, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, MORTE, INDIO, AMEAÇA, SOBERANIA, INTEGRIDADE, TERRITORIO NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, PRESERVAÇÃO, RIQUEZAS, RECURSOS NATURAIS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje reporto-me a uma situação que considero grave para o Brasil, para a nossa soberania. Trata-se de uma suposta compra de terras indígenas no Alto Xingu. Isso deixa muito claro o quanto o nosso País está vulnerável à cobiça internacional, cada dia mais crescente e próxima da região amazônica.  

Um artigo da revista IstoÉ, de 16 de fevereiro último, trouxe uma grave denúncia a respeito da venda ilegal, a uma empresa americana, de uma reserva indígena no Pará. Demarcada e homologada pelo Governo Federal desde outubro de 1991, a chamada reserva Kayapó situa-se entre os rios Xingu e Fresco, e abriga cerca de cinco mil índios, em uma área de 2,459 milhões de hectares, rica em florestas e recursos minerais, e de tamanho equivalente à Bélgica.  

Os kaiapós, que tiveram seu primeiro contato com os brancos em 1936, ficaram revoltados quando souberam da venda de suas terras à empresa americana Allied Cambridge LLC, associada à Worldwide Ecological Handing Timber Corporation Ltda., em setembro de 1998, por US$1 milhão.  

Denunciada primeiramente pelo jornalista Carlos Mendes, do jornal O Liberal , de Belém (PA), a transação englobou, no total, a impressionante cifra de 3,176 milhões de hectares e foi escriturada e registrada pelo cartório de São Félix do Xingu, Município ao qual pertence a reserva. Apesar de ser totalmente ilegal, o negócio ainda não foi desfeito e o cartório de São Félix não recebeu qualquer punição da Justiça.  

Embora represente mais de um terço do território do Município e já tenha sido demarcada e homologada pelo Governo Federal, o Cartório de Registro de Imóveis de São Félix do Xingu ignora a existência da reserva Kayapó. No lugar das terras indígenas, constam, no registro de imóveis e na escritura, as fazendas Carapanã e Santa Margarida, com 3,176 milhões de hectares, cujo suposto proprietário seria o agricultor paraense Jovelino Nunes Batista. A dona do cartório, apesar de residir há vinte e sete anos em São Félix do Xingu, cidade de quarenta e nove mil habitantes, afirma desconhecer a existência da enorme reserva Kayapó na região e ameaça processar os órgãos do Governo por não a terem avisado sobre a reserva.  

Estranhamente, embora apareça em alguns documentos da transação como residente em São Félix, ninguém da região conhece o suposto proprietário. A identidade do comprador não é menos nebulosa. A enorme área indígena foi adquirida pela Allied Cambridge LLC, de Nova York, por meio de sua subsidiária no Brasil, a Worldwide Ecological Handing Timber Corporation Ltda, pela bagatela de R$1,20 o hectare, quando, na região, um hectare de terra custa cerca de R$250. O negócio foi feito por ambas as partes, por intermédio de procuradores. Para criar seu braço brasileiro, a empresa americana comprou uma empresa sediada em São Paulo, a Moeda Empreendimentos Ltda, mudando seu nome para Worldwide Ecological Handing Timber Corporation Ltda.  

No contrato social registrado na Junta Comercial de São Paulo, consta que a empresa possuía um projeto ambicioso para a área, o qual incluía desde a exploração de madeira, ouro e metais preciosos, até a implantação de fazendas agroindustriais, a promoção de pesquisas científicas farmacomedicinais e bancos genéticos da flora e da fauna, mediante convênios com instituições e universidades nacionais e estrangeiras.  

A transação, ao que parece, baseou-se em uma cadeia dominial de títulos de sesmarias que data do século XIX, responsável, em grande parte, pelo processo de grilagem de terras no Brasil. Estima-se em aproximadamente cem milhões de hectares o total de terras sob suspeita de serem griladas, o que corresponde a uma área quatro vezes maior do que a do Estado de São Paulo ou da América Central e do México juntas.  

O que estarrece, no caso da venda da reserva indígena Kayapó, é a facilidade com que uma empresa estrangeira pode adquirir, ilegalmente, um quinhão de terra brasileira equivalente, em tamanho, ao território da Bélgica. Ainda mais assustadora é a afirmação do procurador da empresa no Brasil de que esta foi criada com o propósito exclusivo de obter financiamentos a fundo perdido junto a bancos americanos que "disponibilizam recursos para investimentos na Amazônia associados a projetos humanitários". Segundo ele, a empresa tencionava investir US$300 milhões na região, captados dessa maneira.  

É de se estranhar que uma empresa cujo objetivo principal é desenvolver projetos humanitários compre uma área de reserva indígena. Afinal, sabemos que a terra, para os índios, é fonte, esteio e garantia de sobrevivência de sua cultura, de sua identidade, de sua vida. O respeito pela diversidade étnica e cultural dos povos indígenas passa, necessariamente, pela garantia de seus direitos territoriais.  

Nossa Carta Magna de 1988 reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, garantindo, com isso, a nulidade e extinção dos atos posteriores ou secundários que tenham por objeto a ocupação, posse ou domínio sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles. No entanto, a despeito da determinação constitucional em contrário, o Brasil assiste impassível à invasão de terras indígenas por parte de madeireiros, mineradores e fazendeiros. Somente nos dois últimos anos ocorreram mais de quinze conflitos no País envolvendo comunidades indígenas. Muitos índios tombaram, vítimas da luta em defesa da terra mãe, cuja posse lhes é legalmente assegurada. Entre eles, o líder dos Xucurus em Pesqueira (PE), Francisco Araújo, o Xicão, assassinado por fazendeiros, e Dominga Maciel Gundim, do grupo Trucá, morta por posseiros. Lamentavelmente, a Justiça, neste País, é lenta na defesa das minorias e ágil na defesa do poderio econômico.  

No sul da Bahia, os Pataxós Hã Hã Hãe, acuados em suas próprias terras, estão sendo vítimas da intolerância, da ganância de grupos econômicos. Aguardam há mais de uma década por uma decisão da Justiça, onde tramita ação de nulidade de títulos concedidos ilegalmente por sucessivos Governos da Bahia a fazendeiros que hoje massacram os índios, incendiando kombis escolares, ameaçando de morte suas lideranças e impedindo-os de comercializar livremente os seus produtos nas feiras locais.  

A grilagem, um dos mais poderosos e persistentes instrumentos de domínio e concentração fundiária no meio rural brasileiro, tem, agora, um novo e perigoso desdobramento: a grilagem internacional. Se o problema jurídico da grilagem de terras entre segmentos da sociedade nacional já é por si só complicado, a entrada no conflito fundiário brasileiro de empresas internacionais assume dimensões ainda mais alarmantes, pois envolve a grave e difícil questão de fronteiras e soberania nacional.  

Os Estados Unidos, defensores que são dos direitos fundamentais da cidadania, não coadunarão com negociatas que não apenas ignoram princípios básicos de integridade, de ética e de honestidade, mas ferem a soberania das nações. Nenhum governo sério admitiria a possibilidade de se colocar lado a lado com empresas que praticam atos ilícitos e transações de má fé, comprometendo suas boas relações diplomáticas e comerciais. Ao contrário, o que se espera do governo americano é que coopere com o Governo brasileiro na apuração imediata dos fatos.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB - PA) – Permite-me V. Exª um aparte, Senador?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Com imenso prazer, nobre Senador Ademir Andrade.  

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB - PA) – Senador Tião Viana, a denúncia que V. Exª traz é muito grave e muito séria. Entendo, inclusive, que devemos sobre ela emitir um pedido de informação ao Governo. São lamentáveis as enormes dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais do nosso País para adquirir uma propriedade de cinqüenta hectares. Hoje mesmo, estamos vivendo sérios conflitos no Estado do Pará, pois milhares de posseiros estão acampados na cidade reivindicando seus direitos e acertos não cumpridos pelo INCRA. No entanto, o Governo facilita uma aquisição de terras como essa. Além de se tratar de uma empresa estrangeira que está em vias de adquirir uma enorme quantidade de terra, ainda são aquisições que envolvem terras indígenas, o que é extremamente grave. Tenho questionado o Governo Fernando Henrique Cardoso a respeito da "também" propriedade do dono da CR Almeida, que diz ter o domínio legal de 7 milhões de hectares de terra no Estado do Pará, especificamente no Município de Altamira. Nobre Senador, esse cidadão chega ao ponto de envolver os índios, até os mais aculturados, no sentido de se tornarem seus capangas, inclusive usando armas para proteger sua propriedade. No entanto, até agora o Governo não se prestou a dar sequer qualquer satisfação a respeito dessa questão. É extremamente grave e lamentável o fato de grandes latifundiários terem facilidade para adquirir vastas áreas de terra, ainda mais terras indígenas. Aliás, esse caso também envolve reservas indígenas na nossa região, e o Governo Federal, além de não atender às necessidades dos trabalhadores rurais também não sabe responder a questões tão graves como as que V. Exª levanta hoje desta tribuna. Solidarizo-me com V. Exª, principalmente quando V. Exª se refere aos maus-tratos sofridos pelos índios brasileiros, aliás, maus-tratos que se estendem até à Funai, órgão encarregado de tutelar nossos índios, que não tem recursos e não consegue resolver nada, porque não há empenho do Governo em realmente ajudar e protegê-los. Muito obrigado.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC) – Agradeço ao nobre Senador Ademir Andrade, e incorporo, com muito prazer, o seu aparte ao meu pronunciamento.  

Confesso também a decepção pela falta de decisão do Governo sobre a soberania e integridade do Território Nacional assim como pela defesa da Região Amazônica. Assistimos, progressivamente, ao debate, que vem avançando em termos de qualidade no que diz respeito à discussão sobre a estratégia a ser utilizada por parte do Exército brasileiro, que, aliás, tem assumido um papel de verdadeira vanguarda na defesa do Território Nacional, da nossa integridade, da tese de segurança. Mas quando essa responsabilidade recai no Governo, aparentemente testemunhamos uma ação de letargia progressiva no tema defesa e integridade do Território Nacional. Nobre Senador, é como se fosse secundário a importância da Região Amazônica, tão cobiçada e tão agredida por interesses internacionais que, subliminarmente, avançam todos os dias.

 

Os jornais de hoje trazem, em manchete, decisão clara da nossa autoridade maior a respeito da entrada do capital estrangeiro em nosso País. Claro, esse capital é bem-vindo, mas, quando nos deparamos com tal situação, sabemos que é preciso freio e limites no tocante à sua entrada. Nesse caso específico, está havendo uma agressão clara à integridade do nosso território e à tese de soberania e defesa nacional.  

É preciso que a Agência Brasileira de Inteligência, criada recentemente, e conduzida de maneira sólida, tenha claro a idéia de defesa nacional, com os devidos cuidados no que se refere à cobiça internacional, da qual estamos sendo vítimas há alguns anos, e que, infelizmente, o Governo brasileiro não tem demonstrado maior sensibilidade, nem tampouco sinal de inteligência, diria eu. Existem as teses de defesa nacional e continental. Parece-me que prevalece a idéia inocente de que a defesa continental se faz com a parceria, tanto do governo americano como o de outros países. Apesar de saber que temos de caminhar dentro dessa idéia de cooperação permanente, penso que a Amazônia deveria ser olhada com olhos inteligentes de uma visão estratégica longitudinal, e não com a aparente fraqueza do Estado nacional.  

O Sr. Edison Lobão (PFL – MA) – Senador Tião Viana, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC) – Concedo o aparte ao Senador Edison Lobão.  

O Sr. Edison Lobão (PFL – MA) – Senador Tião Viana, sem dúvida nenhuma, é preocupante a notícia que V. Exª nos traz desta quase usurpação de parte do Território Nacional a pretexto de investimentos externo no Brasil. Acredito que Governo brasileiro precisa, de fato, de uma política severa neste setor. Quando o Presidente da República diz que o capital internacional é bem-vindo, seguramente, ele o é, e Sua Excelência assim se manifesta num bom sentido. Em toda a parte do mundo, hoje, o capital é bem-vindo, até nos países socialistas que deixaram de sê-lo, como a Rússia, o Vietnã, a China o recebe maciçamente. No entanto, esse capital externo precisa ser submetido a regras que protejam o interesse nacional. Não é, por exemplo, o que ocorre com a denúncia feita por V. Exª de extrema gravidade. Temos que proteger os nossos índios. Eu, em alguns momentos, cheguei a achar estranho que apenas 350 mil índios detivessem algo em torno de 12% do Território Nacional. Mas, refletindo melhor, cheguei à conclusão de que, na pior das hipóteses, os índios, com ocupação dessa vasta área, acabavam por mantê-la preservada. Então, estou inteiramente de acordo. Não podemos concordar, entretanto, é com esse tipo de invasão a que V. Exª se refere, principalmente em áreas indígenas, que, em última análise, são áreas nacionais. Então é preciso que o brasileiro, por meio de seu governo, legitimamente constituído, tome providências severas no sentido de preservar aquilo que pertence aos índios e aos brasileiros. Meus cumprimentos a V. Exª.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Agradeço o aparte de V. Exª que contribui, de maneira decisiva, para com o meu pronunciamento. Era exatamente esse ponto que eu gostaria de cristalizar, Senador Edison Lobão. Ou seja, de que não se pode ser contrário à entrada de capital internacional para o desenvolvimento do nosso País, mas que para isso é preciso regras que digam respeito à nossa auto-estima e à uma visão de desenvolvimento que esteja aliada ao desenvolvimento inteligente e à soberania do País.  

Recentemente, conversando com um grande pensador da área da saúde pública brasileira, ele me dizia, com todas as letras, que a idéia da globalização precisa de regras, de alerta e de ponderações. (Esse pensador, a cada duas semanas, vai aos Estados Unidos). E, segundo ele observou, lá, o americano não aceita a globalização da maneira como nós a aceitamos. O americano é rígido na defesa de sua auto-estima e de sua soberania. Lamentavelmente, o nosso País, às vezes, por fraqueza de autoridade do Estado nacional, parece-me demonstrar certa vulnerabilidade à tese de globalização, como se fosse algo irreversível, um determinismo histórico, e não algo que devesse contribuir para o nosso futuro, com uma lógica de ação governamental, de políticas que digam respeito à definição de soberania, da auto-estima e da inserção do Brasil como país pertencente ao Primeiro Mundo.  

Agradeço imensamente o aparte de V. Exª.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB - MS) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Concedo o aparte ao nobre Senador Lúdio Coelho.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB - MS) Senador Tião Viana, mesmo concordando com o que disse o Senador Edison Lobão a respeito da necessidade de proteger os índios, ainda assim causa-me preocupação a criação de nações indígenas em áreas de fronteira, tendo em vista a imensidão do nosso território. Fico a imaginar que poderá ocorrer, por exemplo, o mesmo que ocorreu em Kosovo, quando forças internacionais intervieram na Iugoslávia para proteger um núcleo populacional. Gostaria de relatar a V. Exª que, no meu Estado, também havia um convívio harmônico entre os moradores do campo e os índios. Todavia, há menos de um ano, os índios começaram a querer reaver terras que lhes pertenceram no passado. Inclusive, hoje, há casos de invasões indígenas em propriedades particulares, ocupadas por famílias há mais de meio século. Pessoalmente, conheço um caso ocorrido na região de Dourados, mais precisamente em Panambi, onde o Presidente Getúlio Vargas, à época, fez a maior colonização e distribuição de terras de que temos notícia no Brasil. S. Exª fez um grande loteamento na região que vai de Dourados até a fronteira, dando aos agricultores brasileiros 25 hectares de terra. No entanto, o indivíduo, portador de escritura pública dada pelo Governo, recebeu a informação do Ministério da Justiça de que essas terras pertencem aos índios. Entretanto, elas reconhecidamente pertencem, há mais de 50 anos, a agricultores tradicionais, que exercem a atividade com muita competência. Esse assunto relativo à demarcação de terras indígenas deve ser tratado com bastante seriedade e clareza. Teoricamente, todo o território brasileiro pertence aos índios, que eram os seus habitantes quando os portugueses, espanhóis e holandeses aqui chegaram. A aquisição de terras pertencentes à nação indígena é motivo de preocupação. Significa que os próprios índios não estão cuidando – como é desejado – de seu território. Felicito V. Exª por trazer ao Senado um assunto tão importante para a Nação brasileira.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco PT - AC) – Agradeço a V. Exª, Senador Lúdio Coelho, o aparte. Na qualidade de produtor rural, V. Exª tem direcionado sua trajetória política na busca de um modelo agrário ideal para o nosso País. De forma que o aparte de V. Exª muito contribui para o meu pronunciamento.  

Nobre Senador Lúdio Coelho, a melhor maneira de tratarmos o tema das etnias, tão bonitas e tão distintas em nosso País, é apostarmos no desenvolvimento humano. Se tratarmos a questão dos povos indígenas, solidariamente, de modo a incentivar o desenvolvimento humano e social, demonstrando respeito às suas tradições culturais, estaremos contribuindo para a defesa nacional de maneira decisiva. Assim sendo, não há razão para nos sentirmos ameaçados pela cobiça internacional sobre as nações indígenas, ou melhor, os povos indígenas – como prefiro chamá-los; tenho um certo cuidado com o termo nação indígena. Acredito que o desenvolvimento humano e social e a afirmação cultural irão acabar com o muro que impede a participação dos povos indígenas na sociedade urbana. O desenvolvimento humano, o respeito às etnias e às afirmações culturais podem nos unir. Dessa maneira, jamais caminharemos para as violentas divergências étnicas que temos testemunhado em países da Europa, especialmente na região de Kosovo.  

Agradeço, sinceramente, a V. Exª o aparte.  

A Srª Marluce Pinto (PMDB - RR) – Senador Tião Viana, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Com muito prazer, concedo o aparte à nobre Senadora Marluce Pinto.  

A Srª Marluce Pinto (PMDB - RR) – Nobre Senador Tião Viana, é com prazer que faço esse aparte. Vivemos em uma região onde há muitos problemas, principalmente com relação à demarcação de terras indígenas. Fico entre o aparte dos Senadores Edison Lobão e Lúdio Coelho. Concordo com a afirmação do Senador Edison Lobão, a de que 12% do território brasileiro está demarcado para os índios. Se analisarmos a questão, verificaremos que as terras indígenas estão concentradas especialmente na Região Norte, entravando o desenvolvimento daquela região. Não culpo os índios, absolutamente! Eles são os mais sacrificados. Mas há a fantasia de dizer aos índios que milhares de hectares de terras lhes pertencem. Conforme dispõe a nossa Constituição, são reconhecidos aos índios os direitos sobre o uso da terra, mas a terra não é um patrimônio indígena. Conseqüentemente, os índios não podem dispor de parte do território a eles destinados, comercializando-o, mesmo que isso signifique a sobrevivência de suas comunidades. A solução para esse problema fica apenas nos discursos e nas promessas, criando-se uma situação muito difícil entre o índio e o não-índio. Vivo há somente 20 anos na Região Norte, mas tive o privilégio de testemunhar uma época em que fazendeiros e índios trabalhavam juntos. E isso era muito normal. Eles tinham renda e eram respeitados. Hoje, porém, não há mais esse comportamento exatamente em virtude da deturpação existente quanto à proteção ao índio, embora ele não receba proteção alguma. De que adianta demarcar milhares e milhares de hectares de terra apenas para se afirmar que se trata de terras indígenas? Os índios sequer têm condições de plantar um hectare, mesmo que seja para a sua sobrevivência! Como salientou o ilustre Senador Lúdio Coelho, os primeiros habitantes no Brasil foram os índios. Pergunto, então: por que não fizeram uma divisão justa de modo que, em cada parte do nosso País, houvesse um território preservado para os habitantes primitivos? Por que não há investimento maciço nessas regiões tanto do Governo Federal quanto dos Governos estaduais e municipais? Deveria haver uma nação única, a Nação Brasileira, em que todos tenham os mesmos direitos e mereçam o mesmo respeito, como dispõe a nossa Constituição. Tenho certeza de que os índios passariam a viver muito melhor; eles educariam seus filhos da mesma forma que os não-índios. Assim, haveria uma convivência pacífica; teríamos a consciência tranqüila de que tratamos os índios de igual para igual. O comportamento existente hoje parece demonstrar que existem dois tipos de seres humanos: os índios e os não-índios.

 

O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade. Faz soar a campainha.)  

A Srª Marluce Pinto – Sabemos que os índios têm a mesma capacidade de trabalho; são pessoas inteligentes, honestas, com enorme potencial para contribuir para o desenvolvimento do nosso País.  

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) – Agradeço à nobre Senadora Marluce Pinto o aparte. Por ser procedente da Região Norte, essa preocupação também faz parte do seu dia-a-dia. Trata-se de um assunto que merece ser amplamente debatido. A resposta ideal ao aparte de V. Exª, que enriquece o meu pronunciamento, diz respeito ao modelo de desenvolvimento para as regiões sem grande ocupação humana e às populações tradicionais. Há uma grande diferença entre a idéia de desenvolvimento da sociedade urbana – a chamada sociedade avançada – e as populações tradicionais que vivem na região Amazônica. Alguns ali vivem conforme suas crenças, em harmonia com o meio ambiente e com um enfoque de desenvolvimento diferente do nosso.  

Fico feliz por saber que o Brasil superou a idéia que se tinha da Amazônia, qual seja, a de que se tratava de uma grande região voltada para a atividade pecuária, a última fronteira verde. Atualmente, há a Amazônia oriental, ligada a grandes projetos industriais e de metalurgia, e a Amazônia ocidental, vinculada a projetos pecuários. Entretanto, não se considerou esse caminho o mais inteligente. O mundo inteiro discute a biodiversidade; a atenção está voltada para a nossa reserva genética. Nesse sentido, a pecuária é muito bem-vinda, tem o seu espaço e deve prosperar na região. Entretanto, há outros fatores do desenvolvimento que precisam ser compreendidos. Mas esse assunto demanda uma discussão muito longa. Infelizmente, o tempo destinado ao meu pronunciamento já está esgotado.  

A questão indígena deve ser tratada com mais profundidade. O Estado vive um momento delicado no que diz respeito à reserva Yanomami, que está com sua fronteira indefinida, do ponto de vista da segurança nacional, com a Venezuela. Portanto, merece uma atenção maior. Vários parlamentares já trataram desse assunto no plenário desta Casa.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que o Brasil acorde e zele por seu enorme patrimônio humano, cultural e ambiental. Faz-se urgente preservar a beleza e a riqueza de sua complexidade étnica, seus imensos mananciais, a diversidade de sua flora e fauna – tesouros de inestimável valor, que atiçam a cobiça internacional e estimulam toda a sorte de aventureiros a virem aqui implantar, sob as mais diversas alegações, a inaceitável prática da biopirataria, da exploração de matérias-primas e do saber das populações tradicionais.  

O futuro econômico deste País e a sobrevivência de sua cultura ímpar dependem do modelo de desenvolvimento humano que adotarmos e da sabedoria com que utilizaremos o inestimável patrimônio da nossa biodiversidade.  

Estou encaminhando, por intermédio da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, requerimentos ao Ministério das Relações Exteriores e à Casa Militar da Presidência da República, solicitando informações sobre esse tema. Trata-se de um assunto que precisa de uma resposta do Estado brasileiro e não deve ficar apenas em um debate político.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2000 - Página 3630