Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA POLITICA COMPETENTE E DE RESPALDO SOCIAL PARA O SETOR DO TRATAMENTO DO LIXO NO PAIS.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • NECESSIDADE DE UMA POLITICA COMPETENTE E DE RESPALDO SOCIAL PARA O SETOR DO TRATAMENTO DO LIXO NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 02/03/2000 - Página 3977
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, ACUMULAÇÃO, LIXO, ZONA URBANA, BRASIL, RISCOS, CONTAMINAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, CHUMBO, MERCURIO, CADMIO, BATERIA, TELEFONE CELULAR, AUSENCIA, RECICLAGEM.
  • URGENCIA, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, TRATAMENTO, LIXO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nas Sagradas Escrituras, o Novo Testamento refere-se com freqüência a um lugar denominado Geena. Segundo os exegetas desse livro sagrado, a Geena localizava-se no Vale de Enom, antigo proprietário cananeu da região posta no sudoeste, às portas da cidade de Jerusalém. No vale, situava-se uma fossa que se tornou tenebrosamente famosa, por ser o lugar em que, no Antigo Testamento, no tempo do profeta Ezequias, os que rendiam culto ao deus Moloch queimavam as crianças degoladas em holocausto a esse deus. O lugar, segundo algumas tradições, teria sido, posteriormente, depósito do lixo da cidade de Jerusalém, onde, além do lixo propriamente dito, eram jogados também corpos humanos e carcaças de animais, que ali queimavam noite e dia. Por essas imagens, Geena tornou-se sinônimo de inferno, onde o fogo é perene e a desolação e o sofrimento, constantes e atrozes.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a imagem da geena veio-me à memória ao considerar a problemática das montanhas de lixo produzidas diariamente no Brasil, e no mundo, hoje. São toneladas de entulhos jogadas em depressões geográficas, em lixões, ou simplesmente atiradas ao tempo nas ruas e na periferia das cidades.  

De acordo com dados disponíveis, cerca de 85 por cento do lixo urbano produzido no Brasil, compreendendo resíduos das casas residenciais, do comércio e da varredura das vias públicas, têm como destino o céu aberto. Trata-se dos mais diversos gêneros de coisas: restos de comida, restos vegetais, louças, trapos, sucatas metálicas ferrosas e não ferrosas, plásticos, madeiras, vidros, couros, aparelhos domésticos descartados, material hospitalar e outros, no espectro de uma imensa diversidade.  

Sessenta e cinco por cento desses resíduos são constituídos de matéria orgânica, um material, por natureza, de grande aptidão para produzir um ambiente propício à proliferação de insetos e de miasmas. Esse tipo de lixo é de alta capacidade de contaminação, pois, durante a coleta, são recolhidos também descartes provenientes dos serviços de saúde.  

Os problemas, porém, não se limitam à proliferação de insetos e de miasmas. Da decomposição da matéria, resultam líqüidos específicos que deterioram o meio ambiente, especialmente a água, inclusive com elementos tóxicos de material inorgânico, como pilhas e latas de tinta.  

Os brasileiros, em média, segundo estimativa dos especialistas, produzem de 600 a 800 gramas de lixo por dia, o que corresponde, considerando apenas os 600 gramas, a 219 quilos por ano. Acredito, no entanto, que essa estimativa aumente consideravelmente na medida em que se a população cresce e se estende a base do consumo dos produtos modernos. Na realidade, no Brasil, a quantidade do lixo vem sendo cada vez maior.  

É fácil convencer-se dessa verdade quando se observa o que acontece no setor do chamado lixo tecnológico. Em 1998, no Brasil, foram produzidos e utilizados 10 milhões de baterias para telefones celulares, 12 milhões de baterias para automóvel e 800 milhões de baterias comuns. Ressalte-se que, entre esses produtos, as baterias de automóvel são as menos prejudiciais, por causa do reaproveitamento.  

Nos últimos quatro anos, de acordo com estimativas do Ministério do Meio Ambiente, em todo o País, foram jogadas no lixo 11 toneladas de baterias de celulares. Em 1997, 80 por cento dessas baterias eram de cádmio, 12 por cento de metal hidreto e 8 por cento de lítio. Nesse material, escondem-se perigosos venenos: chumbo, mercúrio e cádmio. O primeiro produz alterações no sangue e na urina, idiotismo, invalidez, problemas respiratórios e renais. O segundo pode afetar o sistema nervoso central, lesando o córtex do cérebro, causando dormência nos membros do corpo, fadiga, perda da memória e problemas no sistema cardiovascular e endócrino. Por fim, o cádmio é responsável por câncer e edema nos pulmões.  

Em todo o território nacional, encontram-se aproximadamente 100 milhões de pneus jogados, imprestáveis para uso. Não é preciso comentar o que representam os pneus abandonados para o meio ambiente. É suficiente lembrar os recentes problemas vividos por nosso País com os recentes e assustadores casos de dengue e de febre amarela. A combustão de um pneu polui mais do que uma fábrica de médio porte: joga no ar, na fumaça negra, enxofre e carbono.  

Em termos de produção, o Brasil fabrica, por ano, 32 milhões de pneus novos. Oitocentos e noventa mil toneladas de embalagens de vidro. Em 1997, colocou no mercado 121 mil toneladas do material chamado de PET, basicamente o plástico usado em garrafas descartáveis de refrigerantes. Esses produtos têm tecnologia para reciclagem assegurada, porém, é baixo o nível de reutilização ou de transformação; os produtos de vidro são reciclados na proporção de 35 por cento; os de plástico, em 30 por cento.  

Atirados ao tempo e à natureza, o papel decompõe-se em 3 meses; o vidro, em 4 mil anos; o filtro de cigarro, em no máximo dois anos; o chiclete, em cinco anos; a madeira pintada, em 14 anos; a fralda descartável, em 600 anos; o plástico, em 450 anos; as latas de alumínio, em no máximo 500 anos; o náilon, em 30 anos.  

A própria Antartica, objeto de estudos de cientistas dos principais países do mundo, inclusive em termos de como preservá-la, já está sofrendo por causa da sujeira ali deixada pelos pesquisadores. Hoje, acumulam-se na região cerca de mil toneladas de lixo. O curioso é que as equipes dos Estados Unidos e da Rússia são as maiores responsáveis pelo lixo ali abandonado.  

A Antartica atualmente é administrada por 43 países. Acordos internacionais a defendem da ocupação humana até o ano 2041. Até essa data, somente missões científicas poderão instalar-se no local, assim mesmo por período limitado. Tais dispositivos, porém, não são suficientes para livrar a Antartica da poluição provocada pelo lixo abandonado.  

O pior desse contexto, no entanto, é o fato de que a grande maioria das pessoas não vê o lixo como um problema pessoal ou da comunidade. A questão é vista como um problema unicamente das prefeituras, do poder público, ao qual cabe a tarefa de removê-lo e dar-lhe o destino possível.  

Aliando a atitude da população e a lenta evolução da atividade governamental no tratamento legislativo e executivo da problemática, o Brasil e a América Latina chegaram ao ano 2000, sem terem cumprido e sem condições de cumprir, as metas estabelecidas na Agenda 21 da Eco-92, no que diz respeito ao tratamento e à disposição do lixo urbano. Pela Agenda 21, os Países da América Latina e do Caribe deveriam entrar no ano 2000 munidos de um sistema de normas e de monitoramento. Não foi o que aconteceu, exceto, talvez, segundo avaliação de especialistas da Organização das Nações Unidas – ONU, o Chile, o México, Cuba e , no Brasil, os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, apesar das deficiências que ainda persistentes.  

Urge executar, urge caminhar depressa no tratamento dessa questão. A tecnologia está disponível, embora cara em determinados níveis, seja para reciclagem dos produtos descartados, seja para produção alternativa como é o caso do bioplástico, fabricado com matéria-prima renovável, cuja decomposição requer período de tempo muito mais curto.  

Uma abordagem tecnologicamente moderna no tratamento do lixo representa, hoje, ganho de recursos, além de preparar a solução para um dos duelos do século 21: o equilíbrio entre o desejo de consumir, a comodidade e a consciência ambiental.  

São imprescindíveis e urgentes, portanto, políticas competentes e respaldo social para uma revolução no setor.  

Fora desse âmbito, sem iniciativas competentes e decididas, a sociedade terá renovado o culto a Moloch, não mais mediante a queima de crianças degoladas, mas num espectro mais abrangente, com o holocausto de adultos, jovens e crianças, homens e mulheres, propiciado pela geena das lixeiras a céu aberto, que poluem solo, rios, lagos e geram desconforto e doenças. Não há nem lugar, nem clima para semelhante realidade. O adequado tratamento do lixo terá conseqüências ecológicas, pedológicas, econômicas e sociais imprescindíveis ao bem-estar da vida na atualidade em que vivemos.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/03/2000 - Página 3977