Discurso durante a 13ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONDIÇÃO DA MULHER, NO DECORRER DAS COMEMORAÇÕES DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER. REGISTRO DA REALIZAÇÃO DO XIII ENCONTRO NACIONAL FEMINISTA, EM JOÃO PESSOA, NO PERIODO DE 26 A 30 DE ABRIL, E DA MARCHA MUNDIAL DE MULHERES, QUE SE REALIZARA EM OUTUBRO DO CORRENTE ANO.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FEMINISMO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONDIÇÃO DA MULHER, NO DECORRER DAS COMEMORAÇÕES DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER. REGISTRO DA REALIZAÇÃO DO XIII ENCONTRO NACIONAL FEMINISTA, EM JOÃO PESSOA, NO PERIODO DE 26 A 30 DE ABRIL, E DA MARCHA MUNDIAL DE MULHERES, QUE SE REALIZARA EM OUTUBRO DO CORRENTE ANO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2000 - Página 4371
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FEMINISMO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, CONTINUAÇÃO, LUTA, OPOSIÇÃO, EXCLUSÃO, DESEMPREGO, INFERIORIDADE, SALARIO, RETIRADA, DIREITOS SOCIAIS.
  • REGISTRO, DADOS, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), DISCRIMINAÇÃO, MULHER, NECESSIDADE, MOBILIZAÇÃO.
  • DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, POLITICA.
  • ANUNCIO, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, FEMINISMO, MUNICIPIO, JOÃO PESSOA (PB), ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • ANUNCIO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, MARCHA, MULHER, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (PT - RJ) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais um 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é comemorado em todo o Brasil. Debates, manifestações, música, discursos, caminhadas, poesias, denúncias. De tudo um pouco. Mais uma vez, constata-se a distância entre o discurso de valorização da mulher e as condições concretas para que isso aconteça.  

A história do 8 de março começa em 1857, quando operárias têxteis (as tecelãs) morreram queimadas em Nova Iorque, porque lutavam pela redução da jornada de trabalho. Desde então, a luta das mulheres tem sido cotidiana, contra a opressão vivenciada na vida, no trabalho, nos espaços públicos e privados. Então, o Dia 8 de Março foi instituído em 1910, em homenagem às operárias que morreram, como um dia de luta. Hoje, devido ao aumento de exclusão social provocada pelas políticas neoliberais, todos os dias tem sido dia de luta para mulheres que vivem a exclusão, o desemprego, a retirada de direitos sociais, arrocho salarial e a falta de qualidade e condições de uma vida digna.  

É bom ressaltar que, neste momento conjuntural, homens e mulheres estão em pé de igualdade, pelo menos no que se refere à luta contra as péssimas condições de vida.  

A situação das mulheres ao longo da história é permeada pela discriminação. A Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT, ressalta que:  

¨ As mulheres que em 1857 lutavam pela redução da jornada de trabalho, hoje, além de trabalhar em média, o mesmo tempo que os homens, recebem até 40% do total de seu salário para desempenhar a mesma função.  

¨ A taxa de desemprego para as mulheres é maior em relação aos homens  

¨ Os postos de trabalho ocupados pelas mulheres, com aumento significativo, principalmente a partir da década de 80, são os mais desqualificados.  

¨ Os direitos sociais conquistados com a luta das mulheres, como por exemplo, o salário maternidade, está correndo risco de ser reduzido.  

¨ As mulheres, principalmente de baixa renda estão morrendo contaminadas pelo Vírus da AIDS, por falta de uma política de prevenção.  

¨ Segundo a Organização Mundial de Saúde, 10% do total de abortos praticados em todo o mundo correspondem ao Brasil, significando que milhares de mulheres morrem, por não ter um política pública de qualidade que lhe assegure a vida.  

Portanto, dando continuidade à histórica trajetória de luta das mulheres, a Comissão da Mulher Trabalhadora da CUT convoca todas para continuar lutando:  

¨ Contra as políticas neoliberais  

¨ Contra o desemprego, pela redução da jornada de trabalho, sem redução de salário  

¨ Pelo combate à violência contra as mulheres  

¨ Pela garantia de serviços públicos de qualidade, como creches, escola, saúde,  

¨ Contra as reformas de FHC – Previdência e Administrativa.  

¨ Pela paternidade responsável  

¨ Pela criação de mecanismos que assegurem a participação eqüitativa de mulheres nos processo de geração de emprego e renda, como forma de combater a pobreza no Brasil, majoritariamente feminina  

¨ Pela garantia de oportunidade de acesso das mulheres a todos os níveis de educação e seu caráter não discriminatório  

¨ Pela implementação de políticas governamentais na área da saúde que possam atender às mulheres em todas as fases de seu ciclo vital, com ênfase no respeito aos direitos reprodutivos e saúde no trabalho  

¨ Pela adoção de mecanismos de ações afirmativas que estimulem a representação paritária de homens e mulheres nas instâncias de deliberação e de decisão, especialmente políticas.  

Sr. Presidente, há algumas semanas, comentando a entrada do ano 2000 em sua coluna nos jornais, o cronista Luís Fernando Veríssimo dizia que, entre todos os grupos sociais subalternos do mundo, o das mulheres foi o que mais obteve conquistas durante o século vinte  

De fato, a situação das mulheres, pelo menos no Ocidente, apresentou relativo progresso. Ainda assim, é longo o caminho a percorrer, tanto para as mulheres quanto para negros, índios e pobres em geral, no contexto interno do nosso País e no contexto mundial, caracterizados, neste momento histórico, pelo aumento veloz das desigualdades sociais e entre as nações.  

As mulheres saíram do confinamento do lar e conquistaram a rua, no sentido de serem livres e responsáveis por seu destino. Constituem, hoje, cerca de quarenta por cento da população brasileira ocupada, fração que vem crescendo, em especial no setor terciário da economia. Apesar dessa tendência, o desemprego causado pela atual crise econômica atinge mais as mulheres do que os homens, segundo os dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios — PNAD, de 1998.  

Um dos fatores que mais vêm favorecendo a entrada em vantagem competitiva das mulheres no mercado de trabalho é a escolaridade. E o resultado deste fenômeno pode ser atestado em reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo, que revelou um dado surpreendente: a pesquisa científica no Brasil está se tornando um domínio feminino. De acordo com as informações das instituições de pesquisas, dos cientistas de idade abaixo dos trinta anos, mais de metade são mulheres; na faixa dos cientistas abaixo dos 25 anos, esse percentual já sobe para 65 por cento!  

Não podemos esquecer a realidade: isto talvez ocorra pela baixa valorização profissional da pesquisa científica em nosso País. Baixa valorização que é resultante de uma política governamental dedicada ao desmantelamento da indústria nacional e da universidade pública, de tudo o que significa autonomia nacional frente ao poder do capital especulativo estrangeiro.  

Com efeito, embora as mulheres já ocupem uma parcela importante dos postos de trabalho, e até mesmo dos cargos de direção, elas continuam a ocupar posições socialmente menos valorizadas e, ainda pior, receber remuneração menor mesmo quando realizam as mesmas tarefas que seus colegas do sexo masculino.  

O maior indício, porém, de que há muito caminho a percorrer no sentido da igualdade entre homens e mulheres no Brasil está aqui mesmo, no Congresso Nacional. Como é possível que as mulheres sejam somente 28, dos 513 Deputados Federais, e seis, dos 81 Senadores? Isto é, menos de seis por cento (6%) dos parlamentares federais? Nem vou comparar esse número ao dos países escandinavos, todos com participação feminina nos parlamentos acima dos 35 por cento. Falarei de um país muito semelhante ao nosso, Cuba, em cuja Assembléia Nacional as mulheres ocupam 28 por cento das cadeiras. Falarei dos irmãos mais pobres da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, como Angola e São Tomé e Príncipe, que também têm, em seus parlamentos, uma fração bem maior do que a nossa de mulheres.  

E o que dizer do fato de que, das 27 Unidades da Federação, apenas uma, o Maranhão, esteja nesta legislatura sob o comando de uma mulher? Isso representa não mais que 3,7 por cento, o que é menos ainda que o índice do Parlamento. Não obstante sua inegável vocação política, não podemos perder de vista a realidade: a Governadora do Maranhão, Roseana Sarney, tem como padrinho político nada menos que seu próprio pai, Senador Sarney, ex-presidente da República.  

No entanto, em pesquisa de opinião conduzida recentemente pelo Instituto Vox Populi, as pessoas afirmaram, em grande maioria, considerar as mulheres mais competentes, confiáveis, honestas, capazes, firmes e responsáveis que os homens, com acentuada diferença nos quesitos de honestidade e confiabilidade. Mais ainda: oitenta por cento dos entrevistados disseram que votariam, sem problemas, em uma mulher para a Prefeitura, para o Governo Estadual, para o Senado ou para a Presidência da República.  

Tudo muito bom, mas... onde estarão as mulheres que essa gente se mostra tão disposta a eleger? Como é que pode serem elas consideradas competentes e confiáveis mas se seguem, ao mesmo tempo, mantidas longe do poder político? Por que será que essa disposição não se traduz em um número maior de mulheres realmente eleitas?  

As razões começam na desmotivação e desmobilização de muitas mulheres, que parecem descrer do potencial de mudança da atuação política. Continua nos próprios partidos políticos, onde, muitas vezes, não lhes são concedidos os espaços para crescer na participação na direção partidária e em decisões de plataforma. É possível que essas mesmas pessoas que afirmaram que votariam em mulheres, ao chegar à urna simplesmente tomem o caminho mais cômodo de escolher um nome conhecido, de um político tradicional.  

Um caminho seria o estabelecimento de cotas, para cada partido ou coligação, reservadas a mulheres nas chapas de candidatos a eleições proporcionais, como o Partido dos Trabalhadores vem buscando fazer desde 1996. Isso, claro, não será suficiente se as mulheres não participarem direta e ativamente na vida partidária, o que levará partidos e coligações a listar mulheres só para constar, sem que representem determinadas linhas ou grupos dentro do partido.  

A mulheres continuam a ser vítimas da indiferença do poder público quanto às suas necessidades. Não é possível, por exemplo, que o Brasil continue a figurar entre os países da América Latina com os mais altos índices de mortalidade materna, com 200 mortes de mães para cada 100 mil crianças nascidas vivas. Se tivéssemos mais mulheres na administração pública e no Poder Legislativo, tenho certeza de que as coisas não continuariam assim.  

Neste Dia Internacional da Mulher, quero prestar minha solidariedade e ao mesmo tempo, ressaltar que, mesmo na Finlândia, país que elegeu, no início de fevereiro, a primeira mulher à Presidência da República, as mulheres continuam a ter, em média, salários 20 por cento inferiores aos dos homens, apesar de todas as leis de paridade que lá vigoram, apesar das multas, das cotas e da vigilância estatística do governo.  

Aqui mesmo no Brasil, tivemos recentemente um exemplo de insulto absurdo à dignidade da mulher quando, julgando uma ação da atriz Maitê Proença contra um jornal carioca por este haver publicado, sem autorização, fotografias dela tiradas com exclusividade para a revista Playboy, os desembargadores concederam somente a indenização referente aos danos patrimoniais, negando aquela referente aos danos morais. Em seu acórdão, o relator, desembargador Wilson Marques, escreveu, com toda a desfaçatez: "só mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida, vexada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou em revistas; as bonitas não".

 

Sr. Presidente, aproveito a oportunidade para registrar a realização do XIII Encontro Nacional Feminista, em João Pessoa, no período de 26 a 30 de abril. 500 anos de Brasil eqüivalem a 500 anos de dominação e esse é o tema central do Encontro. É a oportunidade de refletir sobre o passado e pensar os novos rumos do movimento feminista brasileiro.  

É importante registrar, ainda, a Marcha Mundial de Mulheres, que se realizará em outubro do corrente ano. É uma iniciativa do Movimento Feminista do Canadá e teve origem em 1995, quando cerca de 850 companheiras caminharam durante dez dias. No percurso distribuíram "Pães e Rosas", com o objetivo de reforçar a solidariedade entre as mulheres mundialmente e denunciar a pobreza. Além disso, apresentaram uma série de propostas com a finalidade de combater a miséria. Foram recepcionadas por 15 mil pessoas de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil.  

Desde então, a iniciativa vem sendo difundida mundo afora por vários grupos e movimentos não-governamentais. A idéia vem sendo, aos poucos, assumida pelos movimentos sindicais, feministas; com o objetivo de denunciar a miséria e a opressão sexista.  

No Brasil, a Coordenação da Marcha é composta por: Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, SOF, Católicas pelo direito à decidir, Secretaria de Mulheres do PT , Mulheres da CMP, União de Mulheres de SP, UBM e CNB-CUT.  

Os eixos nacionais de intervenção política da Marcha são:  

Ruptura com o Sistema Capitalista (Neoliberal);  

Ruptura com o FMI;  

Não pagamento da dívida externa;  

Reforma Agrária;  

Educação; 

Saúde; 

Trabalho; 

Meio Ambiente ;  

Autodeterminação das mulheres;  

Libertação e emancipação das mulheres.  

 

Sr. Presidente, "a dupla jornada de trabalho, o conservadorismo em relação ao papel feminino na, entre outros, são alguns dos fatores que dificultavam a participação das mulheres. Portanto, precisamos reconhecer a dimensão discriminadora e exploradora da sociedade capitalista e 'assumir a luta das mulheres como parte da luta de classes'".  

A remoção de todos os obstáculos originados pelo preconceito e discriminação é um caminho longo, é certo, mas também é verdade que cada passo vale a pena ser dado. Por isso, estou engajado na luta pela igualdade real da mulher diante da lei e das práticas sociais em nosso País.  

Era o que tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2000 - Página 4371