Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A REFORMA DO JUDICIARIO, EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A REFORMA DO JUDICIARIO, EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 17/03/2000 - Página 4800
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROPOSTA, REFORMA JUDICIARIA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, SENADO, DISCUSSÃO, POLEMICA, REFORMA JUDICIARIA, APERFEIÇOAMENTO, PROJETO DE LEI, GARANTIA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, SOCIEDADE, MELHORIA, QUALIDADE, VELOCIDADE, JUSTIÇA, PAIS.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a sociedade tem sólidas e variadas razões para exigir pressa e competência na reforma do Judiciário, que vem sendo prometida e adiada desde a promulgação da Constituição de 1988.  

Mas há boas razões para acreditar em uma mudança iminente. Depois de quase oito anos tramitando na Câmara, foi aprovado, mês passado, em primeiro turno, o texto principal da reforma do Poder Judiciário, por 456 votos a favor, 21 contra e uma abstenção. Um acordo que demorou quase dois meses para ser articulado permitiu a votação do texto, com a retirada de pontos que eram polêmicos.  

A previsão é que primeiro e segundo turnos, com os destaques, só sejam concluídos no fim de março, vindo para o Senado no início de abril.  

É inegável, Sras. e Srs. Senadores, que a reforma do Judiciário, engavetada nos últimos anos, renasceu como efeito colateral da instalação da CPI do Judiciário neste Senado, o que provocou uma reação da Câmara, que resolveu levar a proposta adiante.  

Se é incontestável a participação desta Casa na retomada das discussões, não é menos questionável a sua enorme responsabilidade para o aperfeiçoamento e o justo equacionamento das questões polêmicas e controvertidas que fazem parte do projeto, como não poderia deixar de ser em matéria de tal complexidade.  

Na forma mantida pela Câmara, foi criado um dispositivo semelhante à chamada "Lei da Mordaça" já aprovada na Câmara e agora tramitando no Senado. Fica incluído no parágrafo 5º do artigo 128 da Constituição o seguinte texto: "É vedado ao membro do Ministério Público revelar ou permitir indevidamente que cheguem ao conhecimento de terceiros ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do cargo e violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas." Integrantes do Ministério Público poderão até perder o cargo, segundo parágrafo 6º do mesmo artigo, após decisão do Conselho Nacional do Ministério Público, se houver infração ao disposto no parágrafo 5º.  

Outra questão também controversa é a da súmula vinculante, que obriga os tribunais inferiores a se aterem a decisões já tomadas pelos tribunais superiores. Sobre esse ponto, houve um acordo pelo qual a súmula vinculante só se aplica a questões constitucionais.  

Em outros países, as questões decididas pela Suprema Corte passam a constituir jurisprudência firmada e, com isso, praticamente impedem os tribunais inferiores de julgarem causas iguais ou semelhantes. No Brasil, chegou-se, agora, ao meio termo, que concorrerá, esperamos, para descongestionar a Justiça, evitando que ela continue tarda e ineficaz, um dos piores males do nosso sistema.  

Foi mantida, ainda, a argüição de relevância, que possibilita ao Supremo Tribunal Federal – STF – julgar o mérito de processos que tramitam em instâncias inferiores, se os membros daquela Corte julgarem que a matéria tem repercussão no Texto Constitucional.  

Por acordo na Câmara, foi retirado do texto da emenda o chamado incidente de inconstitucionalidade, que permitia ao STF avocar processos que estivessem tramitando em instâncias inferiores em todo o País. O objetivo, também aqui, seria descongestionar a Justiça, mas considerou-se que o dispositivo criaria um precedente muito perigoso, sendo a avocatória um instrumento associado aos regimes ditatoriais. O grande defeito da avocatória é que ela elimina o duplo grau de jurisdição. Ou seja, sendo o Supremo a última instância judicial, e se pudesse avocar processos, seria negado aos réus o direito de recursos.  

Foi mantida no texto do projeto a ação declaratória de constitucionalidade – ADC –, que permite ao STF atestar a constitucionalidade de qualquer lei.  

O texto extingue os tribunais militares dos Estados, mantém os Tribunais Regionais de Trabalho e cria os juízes conciliadores para atuarem no lugar dos juízes classistas – já extintos. Cria, também, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.  

A reforma, cumprindo o Texto Constitucional, cria o mandado de injunção – mecanismo que garante o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à cidadania que não estejam regulamentados em lei.  

Outras questões, muito importantes, foram definidas, como a "quarentena", que proíbe nomeações para cargos de qualquer tribunal de quem tiver exercido mandato eletivo ou ocupado o cargo de ministro ou secretário de Estado, Procurador-Geral da República e Advogado-Geral da União.  

Naturalmente, questões polêmicas e controversas como essas dividem juristas, políticos e sociedade. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – já se manifestou no sentido de que o projeto viabilizaria verdadeira "ditadura" dos tribunais superiores, "amordaçaria" a base da magistratura e reduziria ainda mais o acesso do cidadão comum ao Judiciário.  

A Associação dos Magistrados do Brasil – AMB, entidade que congrega 14,7 mil associados – juízes federais, estaduais, trabalhistas e militares – anunciou sua disposição em "concentrar esforços" no Congresso para garantir autonomia e independência da classe, princípios considerados fundamentais para o exercício da magistratura.  

Os magistrados pretendem insistir na democratização do Judiciário. A AMB apóia destaques prevendo que todos os juízes poderão votar nas eleições para escolha dos integrantes do órgão especial e da direção dos tribunais de segundo grau. Atualmente, esse processo é restrito aos que integram as cúpulas dos tribunais. O texto original da reforma garantia a eleição direta. Na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a proposta foi derrubada. Pesquisa da AMB revela que 90,5% dos juízes querem participar das eleições.  

Alguns pontos da reforma do Judiciário ainda são tema de intensa discussão na própria comunidade jurídica e ainda estão distantes de uma posição consensual.  

Por exemplo, quanto à chamada "Lei da Mordaça", o jurista Celso Bastos, Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, afirma que é inconstitucional. Para ele, caso seja aprovada pelo Congresso, a lei poderá ser derrubada por uma ação no Supremo Tribunal Federal por ferir o princípio constitucional do direito à informação. Já o professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Goffredo da Silva Teles, considera que a lei tem objetivo ético, pois barra declarações improcedentes dos que se julgam autoridades.  

Controvérsias análogas cercam questões como a "súmula vinculante", o "incidente de inconstitucionalidade", "nepotismo", "quarentena", o "mandado de injunção" e a figura dos "juízes conciliadores".  

O Senado deve preparar-se, portanto, para o grande embate que envolverá questões de natureza técnica e conflito de interesses corporativos.  

Para o melhor desempenho de nossa tarefa não podemos perder de vista, Sras. e Srs. Senadores, a reivindicação da sociedade, que é, em síntese, melhorar a qualidade e a velocidade da Justiça brasileira e restaurar o prestígio, hoje abalado, da função crucial que os juízes exercem na democracia.  

Será bom que a classe política e a comunidade jurídica trabalhem com consciência e afinco na definição dos destinos do Poder Judiciário. Para que não resulte, ao final, um desfecho semelhante ao narrado pela magnífica pena de Cervantes: Dom Quixote, chegando a uma encruzilhada e não sabendo que caminho seguir, resolveu fazer como os cavaleiros andantes e, "para os imitar, se conservou quieto por algum espaço e, depois de ter muito bem cogitado, deixou à escolha do Rocinante, o qual seguiu o seu primeiro intuito, que foi correr para a cavalariça."  

Muito obrigado pela atenção.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/03/2000 - Página 4800