Discurso durante a 16ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O NEPOTISMO E A DENOMINADA LEI DA MODARÇA. SUGESTÃO DE RENUNCIA AS EMENDAS INDIVIDUAIS AO ORÇAMENTO, COMO FONTE EXTRA DE RECURSOS PARA COBRIR O DEFICIT DA PREVIDENCIA SOCIAL E ELEVAR O VALOR DO SALARIO MINIMO.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA. ORÇAMENTO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O NEPOTISMO E A DENOMINADA LEI DA MODARÇA. SUGESTÃO DE RENUNCIA AS EMENDAS INDIVIDUAIS AO ORÇAMENTO, COMO FONTE EXTRA DE RECURSOS PARA COBRIR O DEFICIT DA PREVIDENCIA SOCIAL E ELEVAR O VALOR DO SALARIO MINIMO.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/2000 - Página 4850
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA. ORÇAMENTO.
Indexação
  • CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUSENCIA, APROVAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, ESPECIFICAÇÃO, DERRUBADA, PRETENSÃO, EXTINÇÃO, NEPOTISMO.
  • CRITICA, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PROIBIÇÃO, JUIZ, PAIS, DIVULGAÇÃO, CIRCUNSTANCIAS, PROCESSO JUDICIAL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, DIFUSÃO, INFORMAÇÃO, POPULAÇÃO, AMPLIAÇÃO, PUBLICIDADE, ATUAÇÃO, JUDICIARIO.
  • DEFESA, RENUNCIA, EMENDA INDIVIDUAL, ORÇAMENTO, UNIÃO FEDERAL, OBJETIVO, FONTE, ALTERNATIVA, OBTENÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, AUMENTO, SALARIO MINIMO.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de mais nada, cumpre-me esclarecer que não poderei, infelizmente, estar presente à recepção ao Presidente da Bolívia. Sairei daqui para o aeroporto, pois estou de viagem para Manaus. Portanto, não encare a minha ausência como descortesia para com V. Exª, Sr. Presidente. Aliás, teria muita honra em receber o ilustre Presidente do país vizinho.  

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) – A ausência de V. Exª está perfeitamente explicada.  

O SR. JEFFERSON PÉRES - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Câmara dos Deputados cometeu, nesta semana, um duplo erro: derrubou a reforma do Judiciário que proibia o nepotismo e aprovou a mordaça para juízes. Como se não bastasse, continua, naquela Casa, a discussão indefinida, em grande parte demagógica, a respeito da fixação do novo salário mínimo e do teto salarial no serviço público.  

Sei que não é agradável falar-se do problema do nepotismo, uma discussão que freqüentemente é desvirtuada. Não sofro de falso moralismo e não creio que, em si, a contratação de um parente para cargo comissionado seja algo imoral. Não é. Se o parente for competente, apto para o cargo e se realmente trabalha, nada vejo de antiético em contratá-lo. Não é esse o problema.  

O problema é que, no Brasil pelo menos, aquilo que seria exceção passa a ser a regra. Infelizmente, por minha experiência tanto no Legislativo como no Judiciário, principalmente nesses dois Poderes, a maioria dos parentes contratados é de sinecuristas – vamos usar a palavra correta, embora fira muito. Infelizmente, os parentes competentes e que trabalham são exceções.  

A proibição da contratação de parentes, portanto, é uma regra infelizmente necessária, que atinge a todos para coibir os abusos. Se os abusos fossem exceções não haveria a necessidade da lei; mas, lamentavelmente – repito –, no Brasil os abusos são a regra.  

A Câmara cometeu esse erro, a meu ver, mas o Senado está isento desse pecado, Sr. Presidente. Na legislatura passada, esta Casa aprovou duas leis proibindo a contratação de parentes até o terceiro grau em todos os poderes. Pouco importa que a maioria dos Senadores contrate parentes. A maioria desta Casa aprovou projetos de lei proibindo essa prática, e eles foram arquivados na Câmara dos Deputados. Portanto, a crítica que estou fazendo não atinge o Senado.  

Quanto à Lei da Mordaça, trata-se de outro equívoco, a meu ver. Na busca de coibir abusos na revelação de fatos ocorrentes em processos judiciais que afetam pessoas ainda não julgadas - a divulgação ampla desses fatos pode realmente prejudicar, gravemente e irremediavelmente, reputações - se esquece a Câmara, Sr. Presidente, que está em causa um bem maior, que é o direito que a sociedade tem à informação e a imperiosa necessidade de ampla publicidade dos atos públicos.  

Como impedir que o que consta em processos judiciais seja revelado à imprensa, seja por juízes, seja por promotores, seja por escrivães? Como proibir isso? Seria uma censura prévia, que criaria situações dificílimas e, na prática, na verdade, não funcionaria. Seria a desmoralização da lei. Juízes, promotores, escrivães e delegados de polícia seriam processados todos os dias, porque os fatos vazariam inevitavelmente para a imprensa. De forma que, das duas, uma: ou a lei funcionaria e seria a instituição de uma odiosa censura prévia, ou não funcionaria e o diploma legal estaria desmoralizado.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB – RS) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) - Senador Pedro Simon, concedo-lhe um aparte com prazer.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB – RS) – V. Exª toca em dois assuntos da maior importância. Com todo respeito à Câmara dos Deputados, com o voto inclusive das Lideranças de praticamente todos o Partidos, ou pelo menos da maioria, foram aprovadas exatamente as duas teses a que V. Exª se refere. Com relação à nomeação de parentes, tem razão V. Exª quando diz que o Senado, por duas vezes, já votou projetos de lei proibindo essa prática nos três Poderes, e os projetos lamentavelmente não tiveram andamento na Câmara dos Deputados. Isso é profundamente constrangedor, porque V. Exª diz, e diz muito bem: fora o Brasil um País normal, fora o Brasil um País em que a exceção é exceção e, lá pelas tantas, aparecesse um Senador, um Deputado ou um Presidente da República cujo filho fosse fantasticamente competente, culto e capaz, ele poderia ser nomeado. Eu também, como V. Exª, não sou um falso puritano - falso não digo, vamos mudar o termo: não sou exageradamente um puritanista. Mas, na verdade, V. Exª diz muito bem: o que acontece no Brasil é que a exceção se transforma em regra; e, quando se permitir a nomeação de parente, o que acontecerá é que, com o tempo, praticamente a imensa maioria dos Juizes, Desembargadores, Deputados, Senadores, Governadores, Presidentes e Secretários de Estado irá nomear parentes para os cargos de sua confiança. Isso é um absurdo! Não tem lógica, não tem compreensão. Meu pai, minha mãe, meu filho, minha mulher, meu irmão são muito competentes, muito capazes e têm direito de oportunidade? É claro que sim. Mas, só pelo fato de ser Senador da República, eu já abro uma expectativa de oportunidades a esses meus parentes. No entanto, não precisa ser comigo, não precisa ser trabalhando comigo. Posso conseguir, na iniciativa privada ou em outros setores da vida pública, lugares onde ele possa trabalhar, prestar contas do seu serviço, sem ser no meu gabinete. Acho que essa foi uma decisão cruel da Câmara dos Deputados; acho que foi sui generis , porque eles resolveram retirar isso da Reforma do Judiciário, colocando para os juizes e indiretamente para si, não seguindo o exemplo mais importante do Judiciário, o do Supremo Tribunal Federal, onde há muito tempo, reconheça-se, isso é proibido. Então, há essa dolorosa realidade, que tem que ser derrubada no Senado. E vamos fazê-lo, embora eu não saiba o que vai acontecer quando voltar para a Câmara dos Deputados. Perdoe-me o alongamento do aparte, mas V. Exª também tratou de um outro assunto tão importante quanto o primeiro. Surpreendi-me também quando vi a Câmara aprovar a chamada Lei da Mordaça, atingindo os juizes e, provavelmente, não sei se agora, hoje, amanhã, semana que vem, tentando também atingir os promotores, escrivães e delegados de polícia. Com toda a sinceridade, acho essa decisão muito séria e muito grave. Não há como deixar de reconhecer que há muitos parlamentares que sofrem tremendas injustiças. Eu, quando governador, fui um deles. Sofri tremendas injustiças em reportagens graves, injustas, cruéis, onde o meu nome era envolvido, mas nunca fui contrário a que essas coisas acontecessem. Acho que tem que ser regulamentado. Acho que o Brasil, realmente, é o país da impunidade. Nós, políticos, somos os que pagamos o preço mais caro, porque a imprensa adora nos ter como tema, e geralmente pela parte mais negativa. Como não temos chance de direito de resposta - o nosso direito de resposta a uma vasta reportagem de páginas e páginas sai numa cartinha na coluna do leitor -, acontece o fato a que os parlamentares se referem, e que é verdade. Mas a forma de atacar não é colocarmos a mordaça no juiz nem no promotor. A forma de atacar é tomarmos providências concretas para que não seja este o País da impunidade. A forma de atacar é fazermos com que haja rapidez na decisão do Judiciário. Defendo o encerramento do inquérito policial. Apresentamos aqui a determinação de que conclusões de CPI tenham a obrigatoriedade de serem julgadas imediatamente pelo juiz, pelo tribunal, decididas pelo promotor ou procurador e levadas adiante pelo inspetor e pelo delegado de polícia. Defendemos a tese de que crimes, processos e denúncias contra parlamentares, contra cidadãos que mexem com o dinheiro público devem ter prioridade absoluta, não podem ficar na gaveta do juiz, do delegado, do promotor, do procurador ou do tribunal; devem ser julgados imediatamente. Devemos encontrar uma forma pela qual o cidadão que tiver a sua dignidade atingida pela imprensa tenha a oportunidade de se defender. Essa é uma questão. Mas querer fazer com que a Justiça aja em segredo e em sigilo, que não saibamos de nada do inquérito do promotor, do delegado ou do juiz! Se hoje este é o país da impunidade, imagine V. Exª se as coisas estiverem acontecendo e nada puder ser divulgado! Quando, na CPI, convocamos o Sr. Antonio Ermírio de Moraes para depor - um belíssimo depoimento! – e o Senador Eduardo Suplicy perguntou a ele se era favorável a que se terminasse com o sigilo bancário de empresários e de parlamentares, ele respondeu que era totalmente favorável. Todo mundo olhou e até ficou admirado. Ele disse que era favorável não por uma questão de patriotismo ou coisa que o valha; era favorável porque, desde que criaram o PT e este tomou conta de todas as escalas de tudo que é banco, e desde que inventaram o xérox, não há mais sigilo, ele está aí, aberto. Então, é melhor que seja publicado abertamente do que às escondidas, rolando de mão em mão. Imagine V. Exª que um juiz, um promotor ou um delegado, na hora de fazer uma perícia, na hora de tomar uma decisão, está sujeito a que um jornalista mais competente ou mesmo um funcionário que não goste dele entre em seu gabinete e termine por tirar uma cópia que poderá aparecer num jornal. Ele poderá até ser demitido. Qual é a autonomia que pode ter esse promotor, qual é a autonomia que pode ter esse juiz? Nem na ditadura se fez isso. Na ditadura, o juiz, o promotor e o delegado podiam falar à vontade. É verdade que nada saía no jornal, na rádio nem na televisão. A censura era total nesses meios de comunicação. Mas não tiveram a coragem de dizer que o juiz não podia falar. V. Exª tem a minha total solidariedade. Essas são duas matérias em relação às quais teremos que ter muito cuidado quando vierem ao Senado, mas tive um profundo sentimento de angústia ao tomar conhecimento dessas decisões por parte da Câmara dos Deputados. Meus cumprimentos a V. Exª.

 

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) – V. Exª e eu, quanto a essas duas matérias, concordamos em gênero, número e grau.  

Em seu aparte, Senador Pedro Simon, V. Exª, em primeiro lugar, registrou, quanto ao nepotismo, algo que eu havia omitido: que o Supremo Tribunal Federal, por iniciativa própria, fez inserir no seu Regimento Interno a proibição de contratação de parentes de Ministro daquele Corte até o terceiro grau. Portanto, neste particular, o Supremo deu um exemplo a todo País.  

Quanto à Lei da Mordaça, é exatamente isto, como V. Exª acaba de dizer: trata-se de uma violência contra o direito que a sociedade tem de saber o que se passa nos autos de qualquer processo, a não ser que corra em segredo de justiça, Senador Pedro Simon. E o Código prevê casos, por exemplo, em Direito de Família, em que ocorre revelação de fatos íntimos que não têm por que chegar ao conhecimento do público – isso já está resguardado por lei. Além, portanto, de violar o direito de informação, há este outro aspecto, o de sujeitar juizes e escrivães, num processo, a toda sorte de constrangimentos quando a notícia vaza, sujeitando o juiz até a um processo criminal, por esse "crime".  

De forma que essa lei é um absurdo. Compartilho da sua expectativa de que o Senado a derrube; aqui não importa, volte para a Câmara, que aquela Casa restaure a mordaça. Mas estaremos, perante a História, isentos desse erro.  

Finalmente, a discussão em torno do salário mínimo continua indefinida na Câmara, com muito jogo para a platéia, com muita gente buscando holofote, esquecidos de que, por mais iníquo que seja o salário mínimo, o certo é que um aumento substancial a ser dado a essa remuneração, a esse piso salarial, na economia brasileira, terá de levar em conta o equilíbrio das contas públicas, Sr. Presidente. Do contrário, estar-se-á agindo com extrema irresponsabilidade. O salário mínimo deve ter um aumento maior do que os 5% já previstos no Orçamento, para custear o acréscimo de despesas da Previdência Social. Mais do que isso deve ser dado, mas as fontes de custeio têm de ser buscadas, têm de ser apontadas, sob pena de se causar um mal muito maior ao País. Se não formos muito austeros na gestão fiscal do Estado, principalmente da União, neste ano, poderemos colocar a perder todo um longo trabalho de cinco anos, que já custou muito sacrifício ao povo brasileiro, mas que certamente trará benefícios futuros absolutamente inestimáveis, com a manutenção da estabilidade, condição essencial, imprescindível para que o País retome o seu crescimento.  

Sr. Presidente, se as contas públicas forem mantidas nos limites previstos para este ano e não houver um terremoto financeiro lá fora, a taxa básica de juros este ano cairá para 15% e, para o ano, cairá abaixo de 10%. Portanto, é preciso não inverter essa equação. Não será a redução das taxas dos juros que levará ao equilíbrio das contas públicas. É o equilíbrio das contas públicas que levará, sim, fatalmente, a uma queda substancial da taxa de juros. Mas não a queda irresponsável, leviana; falo da queda consistente com o estado da economia do País, a queda que levará à criação do círculo virtuoso de que este País está necessitando.  

Poderemos elevar o salário mínimo a R$160, talvez sem conseqüências maiores, desde que se consigam - e talvez se consigam - fontes de financiamento. E uma delas os parlamentares fingem não ter ouvido. Parte desse custeio poderá ser feito pela renúncia às nossas emendas individuais. Mas quando se fala nisso, todo mundo se finge de surdo, ninguém ouve. Sei que as emendas individuais são úteis para pequenas obras nos Municípios. Eu próprio apresento-as todos os anos, e aliás não me beneficio nem um pouco disso eleitoralmente, porque não sou convidado nem para as festas de inauguração dessas obras. Os prefeitos são todos governistas no Amazonas e não convidam o Senador da Oposição, autor da emenda. Eu não tiro nenhum proveito. Quando estão inaugurando um poço artesiano lá, ninguém sabe da participação do Senador Jefferson Péres. Ninguém. Não ganho um voto com isso, Sr. Presidente, mas acho que mesmo aqueles que ganham votos deveriam ter o espírito público para renunciar a essas emendas. O benefício de aumentar o salário mínimo de milhões de brasileiros para R$160 ainda é muito pouco, mas, de qualquer maneira, seria um aumento real, de cerca de 30%, muito superior à inflação do período.  

Penso que, se renunciássemos a essas emendas, daríamos um aporte de cerca de um terço dos recursos necessários para cobrir o rombo na Previdência. Mas nisso ninguém fala, e ninguém abre mão de nada. Querem, sim, é propor um salário mínimo de R$180. Eu daria um salário mínimo de R$1.800, se pudesse, Sr. Presidente. Agora, fazer demagogia desta tribuna, não faço não! Sou Senador da Oposição, mas tenho de reconhecer que o Governo está certo: o equilíbrio das contas públicas e a estabilidade fiscal são absolutamente essenciais para que este País deixe de ser esta "casa de Noca" que tem sido por tantos anos.  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/2000 - Página 4850