Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS A INTERFERENCIA DE ONG NA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDIGENAS NO PAIS, COM O APOIO DA FUNAI.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • CRITICAS A INTERFERENCIA DE ONG NA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDIGENAS NO PAIS, COM O APOIO DA FUNAI.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2000 - Página 4922
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, MANIPULAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • COMENTARIO, DADOS, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), PERCENTAGEM, AREA, TERRITORIO NACIONAL, DESTINAÇÃO, RESERVA INDIGENA, CONCENTRAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), REGIÃO NORTE, SUPERIORIDADE, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, CORRELAÇÃO, POPULAÇÃO, INDIO.
  • APREENSÃO, LOCALIZAÇÃO, MAIORIA, RESERVA INDIGENA, AREA, FRONTEIRA, REGIÃO AMAZONICA, RISCOS, SOBERANIA NACIONAL, IMPUNIDADE, CRIME ORGANIZADO.
  • CRITICA, CANCELAMENTO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), AUDIENCIA, MINISTRO DE ESTADO, ORADOR, DEPUTADO ESTADUAL, LIDERANÇA, INDIO, DISCUSSÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho, desta tribuna, denunciado a atuação da FUNAI e, portanto, a condução da política indigenista do Governo Federal, que hoje está totalmente entregue a ONGs – Organizações não-governamentais. As distorções são tão alarmantes que é difícil, mesmo para os menos atentos, não perceber que o que está sendo feito é contrário à soberania nacional sob diversos aspectos.  

Inicialmente, quero apresentar dados, números, que por si só falam bem claramente do que mencionei.  

É preciso esclarecer que são dados que me foram fornecidos pela própria FUNAI; portanto, não são dados de outras fontes que não do próprio encarregado pelo política indigenista do País.  

1 - O Brasil, segundo dados de 27 de setembro de 1999, tem 11,42% do seu território destinados a reservas indígenas, o que equivale a 97.624.245 hectares - área maior do que a soma das áreas de muitos países, da área total de muitos países - e que não encontra equivalente, em termos de reserva indígena, em nenhum país do mundo.  

Vamos analisar, agora, as diversas regiões do Brasil.  

2 - Na região Sudeste, existem 0,10% de sua área destinados a reservas indígenas. Na região, o Estado de Minas tem 0,11% da sua extensão territorial destinada a terras indígenas; o Estado do Espírito Santo, 0,16%; o Rio de Janeiro, 0,06%; o Estado de São Paulo, 0,06%.  

3 - Na região Sul, 0,39% da sua área territorial estão destinados a reservas indígenas. No Paraná, são 0,42%; no Estado de Santa Catarina, 0,34%; no Rio Grande do Sul, 0,38%.  

4 - No região Nordeste, temos uma elevação desse percentual: 1,41% de sua área da região está destinada a reservas indígenas, com a seguinte distribuição em sete Estados onde existem reservas indígenas:  

Maranhão, 5,72%;  

Ceará, 0,06%;  

Paraíba, 0,56%;  

Pernambuco, 1,10%;  

Sergipe, 0,20%;  

Alagoas, 021%;  

Bahia; 0,22%  

5 - Na Região Centro-Oeste, a área destinada a reservas indígenas corresponde a 8,16% (oito vírgula dezesseis por cento) da superfície total da Região:  

Goiás; 0,12% (zero vírgula doze por cento);  

Mato Grosso: 13,72% (treze vírgula setenta e dois por cento);  

Mato Grosso do Sul: 1,72% (um vírgula setenta e dois por cento).  

Como podemos ver, nas Regiões Sul e Sudeste, a área destinada a reservas indígenas não chega a atingir sequer 1% do seu total.  

Na região Nordeste, há uma leve elevação que passa para 1,41%, e, em seguida, há um salto na região Centro-Oeste para 8,16% da sua área territorial. Mas, quando passamos para a região Norte, encontramos o maior percentual de terras destinadas a reservas indígenas, coincidindo com a região de maior dimensão territorial. Portanto, os valores percentuais dão um resultado muito grande quando se trata de números absolutos.  

6 - Na região Norte, temos 21,19% (vinte e um vírgula dezenove por cento) da sua área, que é a maior do Brasil, destinada às reservas indígenas. Isso vem a corresponder a 82.012.395 hectares, assim distribuídos:  

Acre: 11,89% (onze vírgula oitenta e nove por cento);  

Amapá: 7,85% (sete vírgula oitenta e cinco por cento);  

Tocantins: 7,15% (sete vírgula quinze por cento);  

Rondônia: 17,25% (dezessete vírgula vinte e cinco por cento);  

Pará: 20,40% (vinte vírgula quarenta por cento);  

Amazonas: 21,87% (vinte e um vírgula oitenta e sete por cento);  

Roraima: O campeão, 57,27% (cinqüenta e sete vírgula vinte e sete por cento) da área do Estado estão pretendidos para as reservas indígenas.  

É bom recapitular que o Brasil possui 97.624.245 hectares de reservas indígenas. A região Norte, sozinha, tem 82.012.395 hectares, o que corresponde a 84% da área total de reservas indígenas do País. Isso não tem correlação com a população indígena da Região, como também com a das diversas Regiões do País.  

Só para exemplificar, vejamos a população indígena por Estado.  

No Sul, temos 27.942 indígenas; no Sudeste, 9.592; no Nordeste, 59.481; no Centro-Oeste, 62.730; no Norte, 165.907.  

Ora, a região Norte tem, mais ou menos, 50% da população indígena do País, que é de 325.652. Portanto, 84% da sua área são destinados a cerca de 50% da população indígena do País. Por aí, já se vê a distorção enorme no que tange à relação área territorial/população indígena.  

Lamentavelmente, quando se fala em indígena, os antropólogos que vivem em Ipanema, ou em outras praias do litoral, sempre procuram transmitir à população brasileira a versão de que todos os nossos índios se encontram no mesmo nível de aculturação, como se todos estivessem em um estágio semelhante ao dos índios na época em que Pedro Álvares Cabral aqui chegou, há 500 anos. E essa não é a realidade. Há índios ocupando cargos de vereadores, prefeitos, funcionários públicos, com curso superior, aculturados, e que participam perfeitamente da sociedade brasileira. No entanto, a manipulação das organizações não-governamentais levou a uma total submissão da mídia nacional dentro de uma estratégia adredemente preparada.  

Façamos algumas constatações dos números observados. Primeiro, a maior extensão de reservas indígenas está situada na fronteira do Brasil com os sete países que fazem limite com os pouco povoados Estados que compõem a Amazônia brasileira. Tal observação merece um comentário. Isso quer dizer que as fronteiras com países como Colômbia, Suriname, Bolívia e Peru, onde existe narcotráfico, guerrilha e contrabando de armas, já são despovoadas, e têm como pano de fundo agora a criação de imensas reservas, que farão com que permaneçam despovoadas, à mercê apenas do crescimento da população indígena, que, repito, no País todo é de 325 mil indivíduos. Assim, o fato, por si só, chama a atenção para a questão da defesa nacional; para a questão da necessidade da defesa das nossas fronteiras; para a vivificação das fronteiras; isto é, para a instalação de povoados, levando programas governamentais que tornem nossas fronteiras vivas a fim de que não permaneçam como estão hoje: não claramente delimitadas, sem serem vistas pela população do Brasil e num pela dos sete países que fazem fronteira na Amazônia de maneira muito nítida.  

Outra questão a se observar é a de que as menores reservas estão nos Estados do litoral do Brasil. É interessante chamar a atenção para este ponto, porque os portugueses chegaram ao Brasil, e depois tivemos a visita dos franceses, dos holandeses e dos ingleses, que, durante muitas décadas, exploraram o pau-brasil e outras riquezas nossas do litoral. Nessa região do litoral, hoje, localiza-se exatamente a menor quantidade de reservas indígenas do País, mas, mesmo assim, ainda é muito maior do que de muitos países desenvolvidos que hoje querem ditar as normas de como devemos conduzir a nossa política indigenista.  

As maiores reservas indígenas se localizam justamente nos Estados mais pobres. Essa é uma constatação que pode levar a uma conclusão lógica: se prevalecer a tese dos antropólogos controlados pelas ONGs, vamos ter os nossos Estados da Amazônia cada vez mais caminhando para trás ou, pelo menos, marcando passo no rumo do desenvolvimento da interação nacional.  

As menores reservas estão justamente nos Estados mais ricos. Os dois maiores Estados do Brasil em área territorial possuem juntos uma menor área de reservas, proporcionalmente, do que o meu Estado de Roraima. O Estado de Roraima é o primeiro em extensão de área de reservas indígenas pretendidas pela Funai, tendo hoje 57,2% de seu território requerido, enquanto que o Estado que mais se aproxima é o Amazonas, que tem apenas 21% da sua área pretendida para reservas indígenas.  

Este assunto é delicado e é, até certo ponto, estigmatizado na mídia. Toda vez que se discute a questão de reservas indígenas, o modo como vivem essas populações, você é considerado contrário a elas. É como se você tivesse preconceito em relação ao índio, como se não quisesse a sua preservação. Mas o que mais me chama a atenção é exatamente a declaração que fez, recentemente no meu Estado, o Presidente da Funai, Sr. Carlos Marés. S. Sª foi a Roraima tentar resolver um conflito que até hoje se estende. Os índios que representam a maioria da reserva Raposa Serra do Sol estão há mais de três semanas ocupando a sede da Administração Regional da Funai. Esses índios não obedecem a orientação do Cimi e nem do Conselho Indigenista de Roraima, que são a corrente aliada ao Presidente da Funai e ao Instituto Socioambiental, ao qual pertence o Carlos Marés. Então, S. Sª sequer foi lá conversar com os índios e ainda disse publicamente que, para demarcar as terras indígenas, não precisa ouvir os índios. Se os índios não devem ser ouvidos, quem deverá? Somente devem pronunciar-se os antropólogos contratados por entidades? É preciso esclarecer, entretanto, como eles são contratados e de onde recebem.  

Na sexta-feira passada, a Senadora Marina Silva acusou o Governo do Estado de Roraima, os políticos e a própria imprensa de Roraima de estar manipulando a questão indígena. Ora, se estivéssemos manipulando, a realidade das reservas indígenas de Roraima não seria essa que mencionei neste pronunciamento.  

Chamo a atenção da Nação para os dados nacionais da questão indígena, principalmente no que tange às imensas reservas indígenas na fronteira do Brasil com os sete países da Região Amazônica.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB – MS) – Senador Mozarildo Cavalcanti, concede-me V. Exª um aparte?  

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Concedo o aparte ao Senador Lúdio Coelho.  

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB – MS) – Senador Mozarildo Cavalcanti, as informações de V. Exª são objeto de constante preocupação. Qual o Estado ou a Nação do mundo que se pode desenvolver, que pode sobreviver deixando a metade do seu território intocável? Como Roraima irá desenvolver-se se não pode ocupar mais de 50% do seu território? Esse assunto das ONGs que trata de índios deixa-nos sem entender mais nada. Em meu Estado, Mato Grosso do Sul, estão procurando vestígios de sociedades indígenas por toda a parte. Se encontrarem, as terras passarão a pertencer-lhes. Seguindo esse pensamento, o Brasil inteiro não deveria mais ser explorado, porque, quando os portugueses chegaram em nossas praias, todo o nosso território era ocupado por índios. A exposição de V. Exª mostra que, nas áreas que primeiro foram ocupadas por portugueses, espanhóis e holandeses, não há hoje índios, pois foram expulsos. Como vamos isolar um índio da civilização? Tenho a impressão de que não é possível confinar os índios para que vivam como animais selvagens. É importante o pronunciamento de V. Exª por chamar a nossa atenção sobre um assunto controverso.

 

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) – Agradeço imensamente o aparte de V. Exª.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, discutir a questão indígena no País tornou-se um preconceito. Solicitei, juntamente com a Bancada de Deputados Estaduais e 15 lideranças indígenas, uma audiência com o Ministro da Justiça para discutir a questão indígena de uma área que se pretende demarcar no Estado de Roraima. Pretendo levar ao Ministro a versão dessas lideranças que representam a maioria dos índios que habitam a região que querem que seja demarcada e que se chama Raposa Serra do Sol. Mas, para minha surpresa, hoje o gabinete do Ministro informou-me que a audiência está cancelada.  

É realmente difícil ser representante de uma região, de um Estado onde estão sendo cometidas essas barbaridades. Embora o País esteja tornando-se vulnerável, o Ministro da Justiça manda cancelar a audiência marcada para receber os índios, quando estes já estavam se deslocando do Estado de Roraima para Brasília.  

Tenho certeza de que, se tivessem pedido audiência por intermédio de uma ONG, esses índios estariam sendo recebidos, inclusive com divulgação na mídia. Enquanto isso, o Presidente da Funai diz que não precisa ouvir os índios para demarcar as terras indígenas. Não posso crer que as decisões estejam limitadas à Funai, que é subordinada ao Ministro da Justiça, que, por sua vez, é subordinado ao Presidente da República. Não posso acreditar que fatos desse tipo, cujos dados foram-me repassados pela própria Funai, não sejam do pleno conhecimento do Senhor Presidente da República e de seus Ministros.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é um tema que pretendo desdobrar em pelo menos mais dois pronunciamentos. Voltarei a esta tribuna para analisar a questão, as suas implicações e conseqüências, a atuação das ONGs, o desmantelamento da Funai e outros aspectos muito importantes.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2000 - Página 4922