Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • COMEMORAÇÃO, HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2000 - Página 5018
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, GRAVIDADE, CONTINUAÇÃO, INJUSTIÇA, DISCRIMINAÇÃO, MUNDO.
  • CRITICA, PAIS INDUSTRIALIZADO, REDUÇÃO, DIREITOS, IMIGRANTE, EXCLUSÃO, VIOLENCIA, GUERRA, OPOSIÇÃO, RAÇA, GRUPO ETNICO, RELIGIÃO, CLASSE SOCIAL, NACIONALIDADE.
  • GRAVIDADE, CRESCIMENTO, IDEOLOGIA, NAZISMO, SUPERIORIDADE, RAÇA, PRIMEIRO MUNDO, COMENTARIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 21 de Março, é o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial. O ideal seria que o racismo e todas as formas de discriminação e opressão fossem erradicados em definitivo. Mas, a oficialização desta data no calendário foi uma forma de alertar a sociedade contemporânea de que a prática segregacional tem sido uma constante. Este dia foi instituído pela ONU em sinal de protesto e como março do assassinato de 69 pessoas negras pela polícia da África do Sul, em 1960, quando manifestavam-se pacificamente contra a obrigatoriedade do passaporte interno, exigido, àquela época, à população negra para locomoção dentro de seus próprios territórios, no que ficou conhecido como o "Massacre de Sharpeville", município situado perto da cidade sul-africana de Joanesburgo. Apesar desta data rememorar as atrocidades praticadas durante o apartheid, gostaria de lembrar, no dia de hoje, a onda crescente de racismo e xenofobia que percorre o mundo neste final de milênio.  

É absurda a forma com que os países ricos vêm tratando a questão das imigrações, com uma legislação cada vez mais rígida e restritiva, em flagrante tom de segregacionismo, principalmente com os países periféricos.  

A todo momento estamos presenciando insanidades daqueles que insistem em não reconhecer a cidadania dos estrangeiros. Africanos, latinos, asiáticos têm sido alvos de constantes agressões e atentados às suas vidas, seja na Europa, nos Estados Unidos ou em qualquer outra parte do mundo.  

Não é possível que tenhamos que tolerar o massacre de pessoas em razão de sua cor ou etnia, religião, estado econômico e nacionalidade. Não é possível assistir ao extermínio de imigrantes que buscam ser cidadãos em qualquer parte do mundo. E o mais perverso é que as nações ricas do Primeiro Mundo, que um dia entraram no continente latino e africano confiscando nossa dignidade e riqueza, e se valeram da escravidão para construir riquezas incomensuráveis, hoje tentam negar e eliminar a nossa existência a pretexto de uma falsa ideologia do progresso e da raça pura.  

Neste final de milênio, infelizmente, a civilização não conseguiu eliminar a discriminação, a segregação e ódio racial. Estão aí nas manchetes para todos verem. O mundo de uma minoria que persiste em separar a raça humana por critério nazistas, eugênicos e estéticos.  

As guerras promovidas pelos poderosos em nome da harmonia mundial não têm poupado sequer crianças, idosos e mulheres. O massacre da guerra civil na Bósnia é a expressão mais explícita do mundo que está sendo desenhado pelos detentores do poder.  

Esta tem sido a sociedade das contradições e distorções. De um lado, a globalização da economia. De outro, a exclusão social, que indiscutivelmente, vem gerando uma grande muralha entre ricos e pobres. Temos aí no cenário mundial os países mais ricos do mundo que, cada vez, se fecham contra os 2/3 de miseráveis que eles mesmos produziram na onda da modernidade. Hoje se enclausuram num nacionalismo racial e fascista, sem quaisquer compromissos éticos, morais e sociais.  

Em quase todos os continentes, discursos políticos de extrema direita, conflitos, atentados, assassinatos e outros atos abertamente racistas, têm ocupado amplos espaços na mídia internacional. O recrudescimento desses atos nos deixa preocupados, porque reflete um grave sintoma da fragilidade de nossas sociedades e dos Direitos Humanos, que foram conquistados, após longos anos de luta, com o sangue e com a vida de milhões de pessoas.  

Assim, episódios como os que aconteceram na Alemanha nazista, envolvendo os judeus e outros grupos humanos que foram rebaixados à categoria de "subhomens", ainda continuam vivos em nossa memória como uma das piores lições de horror que a humanidade conheceu.  

Nos Estados Unidos, logo após 1945, as lutas pelos direitos civis tornaram-se ferozes em todo o território americano, fazendo centenas de vítimas entre a população negra e hispânica.  

Na África do Sul, a violência do apartheid levou o terror ao país inteiro, deixando milhares de mortos em seu rastro.  

Na Europa, principalmente na parte Ocidental, o racismo lançou seus tentáculos contra os imigrantes árabes, africanos, turcos e orientais. O racismo também apresenta-se forte nas colônias africanas e asiáticas, dominadas sobretudo pela Inglaterra, França, Bélgica e Portugal. Nessas regiões colonizadas, merece registro a sangrenta guerra da Argélia, na década de cinqüenta, cujo resultado foi um milhão de argelinos mortos pelas tropas francesas de ocupação.  

Nos dias de hoje, os ideais racistas e segregacionistas estão mais vivos do que nunca. Esses ideais continuam inspirados nos princípios do nacional socialismo, e na figura sinistra do ditador nazista Adolf Hitler.  

Recentemente, em Kosovo, os sérvios conduziram a limpeza étnica da maioria albanesa. O mesmo tem acontecido na África, e está acontecendo agora na Chechênia.  

Os partidos de extrema direita franceses, Frente Nacional (FN) e Movimento Nacional pela República (MNR), que pregam abertamente o racismo contra os imigrantes e a pureza da raça branca. Mais grave ainda é o crescimento do racismo entre a população francesa. As pesquisas indicam que a maioria dos franceses são declaradamente racistas e afirmam ter simpatias por teses que defendem a segregação racial.  

Em outro levantamento, a França aparece como o segundo país mais racista da União Européia, atrás apenas da Bélgica, que espalhou o terror no Congo, nos tempos da colonização. Portanto, não é por mero acaso que tanto a Frente Nacional como o Movimento Nacional pela República têm como ponto mais importante dos seus programas o rígido controle da imigração para combater o desemprego e abrir postos de trabalho para cidadãos franceses.  

Na Inglaterra, onde a terceira via do Primeiro Ministro Tony Blair terminou cedendo no rumoroso caso Pinochet, a maré racista e o crescimento de grupos neonazistas já fazem parte do quotidiano dos ingleses. Constantemente, cidadãos indianos, negros, asiáticos e de outros grupos étnicos do Terceiro Mundo são agredidos, maltratados, presos pelos motivos mais fúteis, e mesmo assassinados nas vias públicas.  

Na Alemanha, onde surgiu, há quase oitenta anos, o movimento xenófobo mais cruel da história da humanidade, a intolerância racista continua presente e os movimentos de jovens nostálgicos do nacional socialismo não param de crescer. Suas vítimas continuam sendo judeus, negros e turcos, que compõem a maioria da população imigrante daquele país. Após a queda do Muro de Berlim, com a união das duas Alemanhas, os alemães orientais, por serem mais pobres, passaram também a ser discriminados pelos alemães ocidentais, mais ricos e mais desenvolvidos.  

Na Áustria, o Partido da Liberdade assume o poder pedindo restrições à imigração e ameaçando expulsar todos os estrangeiros do país, com o programa "cota zero para a imigração", uma de suas plataformas políticas. A aliança entre o Partido do Povo, de centro-direita, e o Partido da Liberdade, de extrema direita, levou os neonazistas a assumirem o poder, assustando quase todos os governos europeus.  

Até no lado mediterrâneo do continente europeu, os ventos austríacos já causaram alguns estragos. No mês passado, na Espanha, houve uma verdadeira praça de guerra. Numa verdadeira caçada a imigrantes, os espanhóis atearam fogo em casas e estabelecimentos pertencentes a estrangeiros.  

No extremo norte europeu, na civilizada Escandinávia, onde a democracia e os direitos sociais são apontados por suecos, dinamarqueses e noruegueses, como exemplo a ser seguido pelo resto do mundo, os movimentos nazistas não param de crescer e o ódio contra estrangeiros também. Recentemente, grupos neonazistas foram desbaratados pelos governos locais.  

Por fim, no continente americano, crimes e atentados racistas se multiplicam às centenas e muitos ficam impunes. Nos Estados Unidos, país de raízes conservadoras profundas, o racismo está presente desde os primórdios e faz parte de toda a sua história. Como no Brasil, desde o início de sua construção, a epopéia americana foi escrita com ferro, fogo e sangue de milhões de índios e negros escravizados.  

Na América do Sul, principalmente no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Chile, organizações racistas e neonazistas procuram coordenar os seus trabalhos. Existe uma espécie de Mercosul nazista, com forte presença na Internet, criado pelas organizações nacionalistas e nacional-socialistas do Cone Sul. No que se refere à questão ideológica, nos quatro países, a inspiração maior é o discurso nazista, com forte componente racista e anti-semita, enaltecendo a figura de Adolf Hitler e usando símbolos semelhantes à suástica.  

No Brasil não tem sido diferente do contexto mundial. O racismo é visível, mesmo que o ufanismo e a malfadada ideologia da "democracia racial" queira ocultar.  

Ao contrário do que muitos afirmam, no Brasil a convivência entre as diferentes raças não é um "mar de rosas", porque vivemos em um país racista e excludente - que o digam a população negra e a indígena. Os afro-descendentes vivem sob a herança da escravidão, sujeita a todo tipo de discriminação e preconceitos que interferem na construção da identidade e nas condições de vida. Os resultados da escravidão podem não estar presentes em nossa memória, mas os resultados da desigualdade são concretos.  

Sem direito ao reparo histórico e moral, os afro-descendentes continuam ausentes das políticas públicas. Os negros lançados as ruas, sem qualquer direito à indenização pelo projeto abolicionista, têm sido vítimas de luta desigual. Podemos afirmar, sem medo de errar, que as relações raciais em nossa sociedade reproduzem um verdadeiro apartheid. O próprio Congresso Nacional e os poderes legislativos estaduais e municipais, além dos cargos do executivo, constituem um poder branco, com raríssimas exceções, pois não é visível a pluralidade étnica nas indicações dos cargos.  

O mais grave é que o racismo moderno está transcendendo a cor, se alastrando no campo da nacionalidade e regionalidade. Hoje se atacam negros, nordestinos, mulheres, homossexuais indiscriminadamente, sem qualquer ação eficaz das autoridades. O vigor da ideologia nazifascista cresce com violência nos punhos dos chamados "Carecas do ABC. Suas vítimas preferidas são os negros, os nordestinos e os homossexuais, contra os quais são promovidos, constantemente, verdadeiros linchamentos. Aliás, em relação a assassinatos de homossexuais, é bom lembrar que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em ocorrências dessa natureza.

 

Sr. Presidente, como pudemos verificar ao longo deste pronunciamento, o movimento racista mundial já ocupa grandes espaços em diferentes países. Dessa maneira, é preciso impedir que o discurso ideológico sobre intolerância racial atice outra vez o fogo do ódio entre os seres humanos. Lembremos que o mais importante, para além do clamor da igualdade, está na convivência das diferenças.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2000 - Página 5018