Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O AGRAVAMENTO DA VIOLENCIA NO PAIS. COMENTARIOS A DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE MINAS GERAIS DETERMINANDO A PROIBIÇÃO DA VENDA DE VIDEOS GAMES QUE VALORIZAM A BRUTALIDADE E O ASSASSINATO.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O AGRAVAMENTO DA VIOLENCIA NO PAIS. COMENTARIOS A DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL DE MINAS GERAIS DETERMINANDO A PROIBIÇÃO DA VENDA DE VIDEOS GAMES QUE VALORIZAM A BRUTALIDADE E O ASSASSINATO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2000 - Página 5226
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, ALTERAÇÃO, COMPORTAMENTO, SOCIEDADE.
  • CRITICA, PUBLICIDADE, VENDA, PRODUTO, DESTINAÇÃO, LAZER, INCITAMENTO, VIOLENCIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, AMPLIAÇÃO, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, PRODUTO, INCITAMENTO, VIOLENCIA, OBRIGATORIEDADE, ADVERTENCIA, EMBALAGEM, SOLICITAÇÃO, APOIO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB/RR) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o aumento generalizado da violência em nossa sociedade já constitui, mais do que razão de preocupação, verdadeiro motivo de alarme.  

Estamos defrontados com uma escalada feroz e incontrolável de atos violentos que não permitem a quem quer que seja sentir-se seguro no ambiente social. E – o que é ainda mais desalentador – pode-se observar que a sociedade começa a absorver essa realidade, começa a aceitá-la passivamente, incorporando-a como traço cultural. Na rotina massificante e desumana de nossos dias, o comportamento violento vai, gradativamente, sendo encarado como comportamento natural enquanto forma de relacionamento humano. Qualquer situação insignificante de confronto ou de atrito – que, de acordo com as normas civilizatórias informadas pelos valores tradicionais, deveria ser resolvida pelo diálogo e pela negociação – torna-se motivo bastante para se recorrer ao exercício da força.  

Uma medida da profundidade da crise de valores que está por trás da escalada de violência que presenciamos nos é fornecida pela repetição, cada vez mais freqüente, de episódios de violência gratuita, desprovidos de qualquer motivação plausível, a não ser a pura e simples deformação mental. São corriqueiros os atos de vandalismo contra o patrimônio público ou privado, e, muito pior, contra pessoas indefesas. São estarrecedores, causadores de profunda perplexidade os atentados contra mendigos que dormem ao relento e simplesmente são queimados vivos ou espancados até a morte. O futebol – essa paixão nacional, que deveria ser um canal de expressão da alegria, do amor pela vida, do culto à saúde do corpo e da mente – tornou-se palco de ensandecidas guerras de torcidas, onde não faltam nem mesmo armas de fogo, "coquetéis molotov" e artefatos explosivos. As atitudes desses "torcedores" evidenciam que seu interesse não está, em medida alguma, no espetáculo esportivo, mas sim no exercício gratuito da violência contra os integrantes das torcidas adversárias.  

No âmbito dos comportamentos delituosos – digamos – "convencionais", embora se deva reconhecer que a violência é, muitas das vezes, elemento que lhes integra intrinsecamente, não se pode deixar de observar que, cada vez mais, os atos infracionais vêm-se revestindo de características reveladoras de crueldade que ultrapassa o objeto da ação. Vejam-se os muitos casos em que o assaltante, não satisfeito em subtrair os bens da vítima, encontra especial deleite em infligir-lhe, também, dano físico, ao menor pretexto ou mesmo sem nenhum. Também no que concerne ao crime de seqüestro, esse atentado abominável à liberdade individual que vem se tornando rotina nas grandes cidades, tornou-se comum o frio assassinato do seqüestrado por medida de mera comodidade dos criminosos.  

As causas do brutal agravamento da violência em nosso meio social são, certamente, múltiplas e complexas. Não pode haver qualquer dúvida, contudo, de que um dos fatores que contribui para essa escalada é a propaganda e a venda maciça de produtos que, aparentemente destinados à diversão e ao lazer, são, na verdade, portadores de enorme potencial de incitação a atos nocivos à vida social. E a periculosidade desses produtos agiganta-se à medida que eles são dirigidos ao público infantil e adolescente.  

Com efeito, as mentes ainda em formação de nossas crianças e de nossos jovens estão submetidas a um autêntico culto à violência, que permeia toda a escala de valores da "sociedade de consumo". Hoje em dia, as crianças, desde a mais tenra idade, são bombardeadas por produtos culturais, brinquedos, roupas, objetos de uso que as induzem a registrar no inconsciente a noção de que a violência é sinônimo de força, de poder, de realização pessoal; que ela é meio legítimo para assegurar conquistas e que seu uso é motivo de admiração.  

No contexto dessa cultura de valorização da violência, estão embutidas, também, as exibições exageradas de força e as práticas de esmagamento impiedoso de quaisquer supostos adversários. E, tudo isso, sem que se apresente qualquer noção de punibilidade. Em outras palavras: tal como apresentada nos produtos culturais dedicados às crianças e aos jovens, a violência é o meio charmoso e eticamente válido para se resolver quaisquer pendências; o herói é o mais violento entre todos os personagens. Já as conseqüências do uso da violência – seja para o agente, seja para os atingidos – jamais são mostradas nesses produtos: o sofrimento das vítimas não faz parte da trama, nem a punição para quem agiu violentamente.  

Gravemente preocupado com esse estado de coisas, tomei a iniciativa, no ano passado, de oferecer à consideração da Casa dois Projetos de Lei que têm por objetivo, de alguma maneira, contribuir para minorar esse quadro, restringindo a comercialização e difusão de produtos indutores de violência.  

Por meio do Projeto de Lei do Senado nº 67, de 1999, proponho seja criado selo contendo a advertência "ESTE PRODUTO INCENTIVA A VIOLÊNCIA", a ser afixado "nas embalagens de brinquedos, fogos de artifício, roupas, filmes, revistas ou quaisquer outros produtos que, de alguma maneira, possam desenvolver atitudes de caráter nocivo ao comportamento social, por parte de seus usuários." Similar advertência seria utilizada, ainda, para filmes veiculados por emissoras de televisão, para programas radiofônicos ou transmitidos por qualquer outro meio de comunicação, bem como para matérias publicadas pela imprensa escrita contendo propaganda daqueles produtos. Nesses casos, o selo conteria a expressão "ESTA PUBLICAÇÃO" ou "ESTE FILME" "INCENTIVA A VIOLÊNCIA".  

Já por intermédio do Projeto de Lei do Senado nº 128, de 1999, proponho seja agravada a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto de Importação sobre produtos indutores de violência. Conforme esse Projeto, o Poder Executivo deverá determinar "a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto de Importação pela alíquota máxima fixada em lei sobre o valor dos bens que vierem a ser declarados potencialmente deseducativos e incitadores de violência pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda". O Projeto prevê, para o cumprimento de suas determinações, que o Poder Executivo promova "o ajuste das alíquotas e, se for o caso, a criação de ‘ex’ na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI e na Tabela Externa Comum". Mais ainda, o Projeto determina a revogação de qualquer tipo de isenção ou incentivo fiscal da União que, porventura, beneficie o produto objeto de deliberação do Conanda.  

Tomei, também, a iniciativa de oficiar ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, encarecendo seu apoio para a aprovação das proposições mencionadas. Afinal, a responsabilidade pelo combate à violência cabe a todos nós, quer estejamos exercendo nossas funções no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário. Por certo, com o engajamento das autoridades do Executivo, a tramitação desses Projetos de Lei será mais célere.  

Os projetos que apresentei configuram modesta contribuição que merecerá, por certo, aperfeiçoamento pelos ilustres Pares. Guardo a firme convicção, contudo, de que são iniciativas válidas, que virão colocar algum freio na massiva difusão de produtos incentivadores da violência.  

Entre os produtos dirigidos aos jovens com potencial para incitar atos nocivos à convivência social destacam-se alguns video games . 

Tempos atrás, pais e educadores tomaram conhecimento – estarrecidos – da existência de um jogo em que se sagra vencedor aquele que, ao volante de um automóvel, mais comete violência contra pessoas e mais infringe as leis de trânsito. Recentemente, noticiou-se que a ação criminosa do jovem Mateus Meira – que abriu fogo a esmo com uma metralhadora contra a platéia de um cinema em São Paulo, matando três pessoas e ferindo outras – teria sido "inspirada" por um video game muito popular denominado Duke Nukem . Nesse game, o objetivo do jogador é dizimar alienígenas que aportaram à terra.  

Foi com satisfação, portanto, que tomei conhecimento de decisão exarada por uma magistrada da Justiça Federal mineira, em dezembro passado, determinando a proibição da venda de seis video games que valorizam a brutalidade e o assassinato. Fundamentando seu decisum, a juíza Cláudia Resende Neves expressa-se com clareza e objetividade. Segundo ela, os jogos banidos incitam "o prazer de matar, de causar sofrimento, de aniquilar completamente o mais fraco". Além de vedar a comercialização daqueles games – entre os quais o malfadado Duke Nukem –, a medida judicial determina que o Ministério da Justiça faça a classificação por idade de todos os jogos eletrônicos e que especifique o conteúdo das mensagens que eles veiculam.  

Chamada a opinar sobre a decisão da juíza mineira, a Dra. Maria Lucrécia Zavaschi, chefe do serviço de psiquiatria infantil do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e autora de um estudo sobre o assunto, afirmou: "A proibição é corretíssima". Para ela, os jogos violentos podem não ser a causa de crimes, mas certamente influenciam na decisão e nos métodos.  

O requerimento para que o Poder Judiciário banisse os games violentos foi de autoria de um vereador de Belo Horizonte e de uma Deputada Federal por Minas Gerais, os quais já moviam uma campanha contra a violência na televisão. O que fica bem evidente é que a sociedade, por todos os seus segmentos representativos, está acordando. No Legislativo, no Judiciário, no Executivo, nas mais diversas organizações da sociedade civil as consciências se levantam. Não podemos permitir que nossas crianças e nossos jovens continuem expostos ao culto à violência. Essa subcultura, torpe e deformada, não pode continuar influenciando suas mentes em formação. Não se trata de produtos de lazer e entretenimento. Trata-se, isto sim, de produtos muito perigosos, cujo potencial de incitação a atos criminosos já foi comprovado em mais de um episódio.

 

Vamos dizer não à violência!  

Era o que tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2000 - Página 5226