Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO, QUE TEM COMO TEMA "DIGNIDADE HUMANA E PAZ", E A APROVAÇÃO DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE SUA AUTORIA, QUE INCLUI A MORADIA ENTRE OS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CARTA MAGNA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAMPANHA DA FRATERNIDADE DESTE ANO, QUE TEM COMO TEMA "DIGNIDADE HUMANA E PAZ", E A APROVAÇÃO DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE SUA AUTORIA, QUE INCLUI A MORADIA ENTRE OS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CARTA MAGNA.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2000 - Página 5253
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ELOGIO, INICIATIVA, INTEGRAÇÃO, IGREJA, CRISTÃO, IGREJA CATOLICA, DEBATE, DIGNIDADE, HOMEM, PAZ, COMBATE, EXCLUSÃO, CLASSE SOCIAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, INCLUSÃO, HABITAÇÃO, DIREITOS SOCIAIS.
  • GRAVIDADE, DADOS, SITUAÇÃO, POPULAÇÃO, AUSENCIA, RESIDENCIA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB – GO. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, faz quase 40 anos que os brasileiros conhecem uma iniciativa de enorme significado social, que é empreendida anualmente pela Igreja Católica.  

Refiro-me à Campanha da Fraternidade, que é realizada no período da quaresma, trazendo um apelo à conversão, e é relacionada a um tema específico. Ao longo dessas mais de três décadas, a Campanha da Fraternidade tem representado para os cristãos um importante processo educativo, orientado para a melhor percepção das exigências da palavra de Deus frente aos problemas concretos da sociedade brasileira.  

Por sua metodologia, a Campanha da Fraternidade produz resultados dentro e fora da Igreja. Para os fiéis representa um veículo para aprofundar as conseqüências da sua fé. Para o público em geral, a Campanha comunica a voz profética da Igreja diante de graves questões sociais. E, num patamar mais objetivo, ela dá ensejo ao nascimento de iniciativas pastorais concretas, destinadas a responder aos clamores da realidade. Uma realidade que, aliás, reflete os sentimentos das comunidades de base.  

A Campanha da Fraternidade deste ano de 2.000 tem caráter muito especial. Trata-se da primeira Campanha da Fraternidade Ecumênica. Na verdade, na tradicional Campanha da Fraternidade da Igreja Católica Romana, já era praxe o convite a outras igrejas para que a ela aderissem. O que está ocorrendo este ano, contudo, é algo muito diferente. A Campanha é ecumênica na sua coordenação de na sua realização. A responsabilidade, em parceria, é das sete igrejas cristãs que integram o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs. São a Igreja Católica Apostólica Romana, a Igreja Cristã Reformada, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a Igreja Metodista, a Igreja Ortodoxa Siriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana Unida.  

A origem remota desta Campanha da Fraternidade Ecumênica situa-se no ano de 1996, quando a Assembléia Geral da CNBB aprovou a proposta de ma Campanha com o sentido de um testemunho. Um testemunho e um sinal de uma das muitas coisas novas que, no Jubileu do Ano 2.000 e no Terceiro Milênio, os discípulos de Cristo poderiam oferecer ao mundo dividido e competitivo. Tomada a decisão de que as diversas fases da Campanha deveriam ser entregues a um organismo ecumênico, por meio do qual as igrejas envolvidas pudessem se relacionar em pé de igualdade, concluiu-se que a instituição adequada para isso seria o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs. Com a constituição de uma comissão com dois representantes de cada igreja para coordenar o desenvolvimento dos trabalhos, todas as igrejas envolvidas tornaram-se parceiras em situação de igualdade.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por aí se vê que a Campanha da Fraternidade deste ano, na sua forma ecumênica, já é em si um testemunho de partilha e fraternidade. Estamos, portanto, diante de uma Campanha que começou dando os frutos antes mesmo do seu lançamento oficial. A própria colaboração entre as diferentes igrejas já é um resultado importantíssimo. Acho que essa união de esforços de várias igrejas haverá de potencializar os resultados em benefício dos menos favorecidos.  

A escolha do tema "Dignidade Humana e Paz" e do lema "Novo Milênio sem Exclusões" levaram em conta a carga simbólica muito especial que o ano 2000 traz na caminhada do cristianismo. A humanidade vive hoje um momento decisivo, uma fase de grandes mudanças na civilização. Hoje, temos mais recursos científicos e tecnológicos para facilitar a existência humana na terra. Temos vida mais longa, mas é cada vez mais crucial o problema ético da distribuição daquilo que a humanidade conquistou. Conseguimos a cura de doenças que liqüidavam multidões, mas, hoje, grande parte da população do planeta ainda passa fome e é vítima de doenças perfeitamente curáveis. O mesmo ser humano que se comunica com o mundo inteiro via satélite não progrediu tanto assim, sobretudo na consideração pela vida humana, em todas as suas manifestações.  

No limiar do terceiro milênio, é cada vez mais evidente que a sobrevivência da própria humanidade depende da fraternidade, da solidariedade, da prática da justiça. Como proclamou o reverendo Martin Luther King, essa grande testemunha cristã de nosso tempo, "a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar." Nós, os cristãos, anunciamos o amor do Pai, um amor que não exclui ninguém. Cumpre, portanto, unirmo-nos para construir um mundo mais justo, fraterno e de paz. Como poderíamos ser indiferentes ao sofrimento dos irmãos? Na verdade, a história das nossas relações com os que sofrem e os caídos é o retrato da sinceridade das nossas relações com Deus. E isso não é novidade. No começo do primeiro milênio, a palavra de Deus já nos advertia: "Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê".  

O tema "Dignidade Humana e Paz" recupera, reúne e resume o espírito da caminhada que vem sendo construída pelos temas dos anos anteriores. Ao mesmo tempo em que engloba o respeito aos direitos fundamentais do ser humano, esse tema resgata o alerta dos profetas bíblicos, como diz Isaías no capítulo 32, versículo 17: "A justiça produzirá a paz". Dignidade Humana e Paz querem englobar o respeito aos direitos fundamentais do ser humano, mulher e homem, em todas as etapas da sua vida e em todas as circunstâncias em que se encontra, resgatando a atenção preferencial dos profetas bíblicos pelos pobres e pelos excluídos. Por seu intermédio, os cristãos unem-se no testemunho e no anúncio evangélico da dignidade do ser humano e do efetivo reconhecimento da dignidade enquanto condição básica para a paz.  

A dignidade humana, enquanto precondição para a paz, deve ser fundamentada em observada nas condições de vida do povo. A Campanha da Fraternidade vem destacando, portanto, os fatos mais gritantes de ameaças, desrespeito e violação dos direitos humanos. Já a paz deve ser vista não apenas como ausência de guerras, mas, em sentido bíblico, como bem-estar da convivência cotidiana. As pesquisas apontam a questão da violência, depois do desemprego, como o maior problema da sociedade atual. O Brasil ocupa o terceiro lugar entre os países mais violentos da América Latina. A diminuição da violência não é fruto da repressão. No pensamento dos profetas bíblicos, a paz é dom de Deus e fruto da justiça.  

O lema Novo Milênio Sem Exclusões completa e enriquece a proposta. Se alguém é excluído, a dignidade humana de todos é posta em dúvida e a paz é uma falácia. Fortemente inspirado pela expectativa do início do terceiro milênio da Era Cristã, esse lema denuncia uma sociedade que se vem organizando cada vez mais em função do bem-estar de um número limitado de pessoas, enquanto as demais vão sendo sistematicamente excluídas dos acesso aos bens necessários e às condições mínimas de vida que a Declaração Universal dos Direitos Humanos lhes reconhece. A promoção dos direitos e o desenvolvimento não podem ser reservados a uma minoria. A afirmação da dignidade humana não permite excluir ninguém do exercício dos direitos humanos e da cidadania.  

Propondo uma prática de vida em que valores morais e éticos exaltem a dignidade da pessoa, evitem as exclusões que marginalizam pessoas e grupos e criem condições de paz na convivência cotidiana, a Campanha da Fraternidade 2000 tem como seu objetivo geral unir as Igrejas Cristãs no testemunho comum da promoção de uma vida digna para todos, na denúncia das ameaças à dignidade humana e no anúncio do Evangelho da paz.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na luta pela dignidade humana e pela paz e no combate à exclusão, a Campanha da Fraternidade 2000 dá ênfase a algumas situações específicas que violam a dignidade do ser humano. São focalizadas a escravização de trabalhadores, a sujeição das crianças na prostituição e no trabalho e o modo como os moradores de ruas são considerados como seres descartáveis. Essas são situações em que o ser humano é levado a tamanha abjeção, e aqueles que as provocam ou delas usufruem revelam tamanha desumanidade que pessoas normais que delas tomem conhecimento não podem deixar de se escandalizar e mesmo se indignar. A Campanha denuncia também o genocídio dos povos indígenas, a discriminação aos povos negros e a discriminação à mulher.  

Srªs e Srs. Senadores, tive a satisfação de ver aprovada por ambas as Casas do Congresso Nacional Emenda Constitucional de minha iniciativa que inclui a moradia entre os direitos sociais consagrados no art. 6º da Carta Magna. Tenho a firme convicção que de fato a moradia deve ser reconhecida como a célula básica a partir da qual se desenvolvem os demais direitos do cidadão. Afinal, como se poderia objetivar condignamente as demais prerrogativas sociais se o elementar direito à habitação não prevalecer? Qual seria a viabilidade de assegurar aos cidadãos o direito à educação, à saúde ou à segurança sem que lhes proteja antes um teto. Como seria possível proteger a maternidade, a infância se gestantes e crianças não dispuserem, pelo menos, de um abrigo?  

Ao denunciar o modo como os moradores de rua são considerados como seres descartáveis, o texto-base da Campanha da Fraternidade 2000 adverte:  

 

Um número crescente de pessoas vive hoje nas ruas – nelas dormindo, comendo, fazendo suas necessidades – especialmente nas grandes cidades. Evitados, desprezados, nós os encontramos por toda parte, como trapos humanos que já perderam sua auto-estima e pressentem dias piores. Como ocorre com a exploração do trabalho e com a prostituição, as crianças constituem uma parcela ponderável dessa população abandonada. E, como os adultos, elas também causam medo.  

 

Logo a seguir, o texto aponta que o número de sem-teto vivendo nas calçadas, praças ou viadutos, na região metropolitana do Rio de Janeiro, aumentou cerca de 400% no período entre 1991 e 1997, enquanto em São Paulo essa população subiu 17% em apenas dois anos.

 

Noutro momento, o texto afirma:  

 

As favelas que surgem da noite para o dia nas cidades brasileiras são um exemplo visível da degradação que atinge as condições de moradia de nosso povo. Os cortiços constituem outra forma degradada de morar a que são submetidas grandes parcelas da população de nossas grandes cidades.  

 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 1995, realizada pelo IBGE, revelou que cerca de um milhão de moradias brasileiras estavam localizadas em favelas. Em São Paulo, 29,8% da população era favelada, índice que, no Rio de Janeiro, chegava a 24,8%. A precariedade das condições de habitação em grande parte das metrópoles brasileiras também fica demonstrada na informação de que 51% da produção de cimento no Brasil destina-se à construção informal.  

Nesse contexto, só posso solidarizar-me com o brado da Campanha da Fraternidade, que defende um novo milênio com teto para todos e todas! Afinal, lá no começo do primeiro milênio também foi assim: um casal pobre, Maria e José, sem teto, em busca de um lugar para abrigar o menino que nascia.  

Com efeito, dois mil anos já se passaram desde que nosso Salvador veio ao mundo, nascido em uma manjedoura. Já é tempo de que todos os filhos de Deus tenham assegurado o seu direito a uma morada digna.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB – TO) – Senador Mauro Miranda, V. Exª me concede um aparte?  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB – GO) – Com todo prazer, Senador Leomar Quintanilha.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB – TO) – Quando vejo V. Exª ressaltar um sentimento que deveria ser espontâneo, a solidariedade, do qual nos estamos distanciando em razão de vivermos em uma sociedade cada dia mais consumista, sinto-me provocado a uma revisão a uma reflexão sobre o modo como agimos em relação ao nosso próximo. A elite brasileira é muito perversa, nobre Senador. Ainda não conseguimos resolver diversas mazelas que agridem a dignidade humana e põem a sofrer milhares de irmãos nossos. Veja a questão dos meninos de rua, a situação dos jovens da Febem, a horda de rotos e famintos que perambulam pelas grandes cidades, acotovelando-se nas suas periferias, sem abrigo, sem a mínima de dignidade. Ainda não conseguimos resolver o problema dos que vivem no meio rural. O êxodo continua. Aquele que, no meio rural, não consegue viver até porque não tem uma qualificação profissional, desloca-se, iludido pelas luzes da cidade. Chegando lá, não consegue materializar seu sonho, o que o faz migrar, acotovelar-se nas periferias, revirar cestos de lixo em busca de restos de alimentos. A situação ainda é muito difícil e se agrava com a modernização da sociedade, com a robótica, com a informática, com a cibernética, que provocam diminuição dos postos de trabalho e modificam o perfil do emprego, dificultando, principalmente, para aqueles que não têm a necessária qualificação, o acesso a uma forma de sobrevivência. Portanto, a convocação que V. Exª faz hoje é muito significativa e importante. Trata-se de um alerta para que todos paremos, reflitamos, olhemos para o lado e para dentro de nós mesmos com a seguinte indagação: o que estou fazendo e o que posso fazer de bom para o próximo? Parabenizo-o pelo alerta e solidarizo-me com sua campanha.  

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) – Senador Leomar Quintanilha, agradeço muito as suas palavras de estímulo, que se somam ao meu pronunciamento. As palavras de V. Exª refletem o meu próprio pensamento neste momento. Somos irmãos nos Estados de Goiás e Tocantins e também na busca de melhor qualidade de vida para o nosso povo.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a primeira Campanha da Fraternidade Ecumênica realizada no Brasil representa um avanço importantíssimo no sentido de unir ações religiosas em favor dos excluídos. Seu tema, "Novo Milênio sem Exclusões" , constitui um grito de esperança no sentido de que o 3º milênio da era cristã possa assistir ao reconhecimento definitivo e concreto da dignidade intrínseca a cada ser humano, sem qualquer exceção. Não podemos esquecer que a exclusão é uma porta pela qual a paz escapa e pela qual a violência entra na vida de todos.  

Na afirmação da indignidade das exclusões e dos sentimentos de fraternidade que devem presidir as relações entre todos os membros da família humana, cabe relembrar as palavras de Paulo apóstolo, para os seguidores de Jesus: "Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos sois um em Cristo".( Gálatas, Capítulo 3, Versículo 28).  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2000 - Página 5253