Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RELATO DE VIOLENCIA SOFRIDA POR SUA FAMILIA, ONTEM, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • RELATO DE VIOLENCIA SOFRIDA POR SUA FAMILIA, ONTEM, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2000 - Página 5265
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, ASSALTO, VITIMA, FAMILIA, ORADOR, OCORRENCIA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das piores chagas da nossa sociedade, talvez não só da nossa, mas de todo mundo, é a violência. É difícil encontrar alguém em nosso meio ou em toda a sociedade brasileira que já não tenha sido vítima da violência.  

Tentando auxiliar no combate à violência, apresentei, há um ano, um pacote de projetos, e um deles, que não é de minha autoria, foi o do desarmamento  

É duro, Sr. Presidente, para qualquer brasileiro, seja qual for a sua classe social, ficar intranqüilo pela sua família. Há muitos anos, perdi a minha primeira mulher, vítima de um assalto no Rio de Janeiro. Nesse mesmo assalto, meu braço foi quebrado por uma bala. A minha mulher morreu.  

Anos passados, já com outra família constituída, os meus três filhos e a minha mulher também foram assaltados.  

Passado algum tempo, outro assalto: tomaram o carro da minha mulher. O Governador fez todo o possível, mas o carro nunca apareceu.  

Ontem, novamente, minha mulher e meu filho voltavam de um curso e foram baleados de novo. Graças a Deus, o carro era blindado. Mas quantas famílias brasileiras podem ter carros blindados? O carro foi todo baleado. Isso não é justo. É preciso que tomemos providências contra essa situação.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR NEY SUASSUNA.  

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O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a escalada da violência em nosso País vem sendo apontada, em sucessivas pesquisas, como uma das maiores e, por vezes, como a maior preocupação dos cidadãos brasileiros.  

Afinal, de que vale todos os demais bens se perdemos aquele que é o mais precioso e condição para o usufruto de todos os demais – qual seja, a própria vida?  

Como permanecer indiferente diante da perspectiva de sermos ameaçados com armas de poder letal, de sermos pilhados dos bens materiais, obtidos com tanto sacrifício, sem ter condições de reagir?  

Como não se alarmar com a possibilidade de que a violência desenfreada, sobre a qual a imprensa dá farto noticiário a cada dia, atinja um de nossos entes queridos, roubando-nos juntamente grande parte da alegria de viver?  

Ou atinja, simplesmente, uma pessoa de bem, uma trabalhador honesto, uma criança ou um idoso – pois é certo que cada violência cometida contra um inocente fere e agride a sociedade como um todo.  

Em artigo publicado há poucos meses na revista Época, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao abordar a questão da violência em nossa sociedade, lembrou o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que reconhece a todas as pessoas "o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal".  

É fácil concordar com o Presidente da República que estes três bens fundamentais se inter-relacionam, e que "ninguém será capaz de plenamente viver a sua vida e exercer a sua liberdade se tiver a sensação de que sua segurança pessoal está sob ameaça constante".  

É este sentimento generalizado de insegurança que vem tomando conta de nossa população – não apenas nas grandes metrópoles brasileiras, que ostentam índices de violência dos mais altos do mundo, mas também, e cada vez mais, nas cidades médias e pequenas do interior, para as quais têm se espalhado toda a sorte de delitos violentos, bem como os tentáculos do crime organizado.  

A frieza das estatísticas não revela tudo o que passam as vítimas da violência criminosa, cuja ousadia e crueldade têm alcançado os níveis mais insuportáveis. De qualquer modo, alguns dados deixam entrever a realidade calamitosa com que nos deparamos, em nosso País, nesta virada de século.  

O número de homicídios dolosos no Brasil, em 1999, foi estimado em 37.000 pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos; superior, portanto, aos 34.250 homicídios de 1998 e 33.644, de 1997.  

Em cada um desses anos foram assassinados, no Brasil, mais do que o triplo dos mortos na guerra de Kosovo, que foram aproximadamente 10.000. Bastam dois desses anos para superarmos os 58 mil soldados norte-americanos mortos em 8 anos de guerra no Vietnã.  

Atingindo, direta ou indiretamente, a sociedade brasileira como um todo, a violência criminosa direciona seu poder ofensivo mais acentuadamente sobre alguns grupos. Assim, os moradores das grandes cidades estão muito mais expostos a ela.  

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o índice de homicídios é superior aos 50 para 100 mil habitantes, por ano, o que põe as duas cidades em situação equivalente à de guerra civil, segundo os critérios da ONU.  

Em um ranking de 37 países elaborado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, o Brasil ficou em 3º lugar em número de homicídios de pessoas entre 15 e 24 anos, perdendo apenas para a Colômbia e a Venezuela, países profundamente afetados pelo narcotráfico e, no caso da Colômbia, também pela guerrilha.  

É estarrecedora, ainda, a estatística de que metade dos jovens que morrem nas regiões metropolitanas do Brasil são assassinados.  

Constatamos, sem poder compactuar com ela, a banalização da violência, da crueldade e da própria vida humana. As chacinas repetem-se na periferia de São Paulo, preferencialmente nos fins de semana, matando os que têm algo a ver com a estória, como o tráfico de drogas, e os que simplesmente encontravam-se no lugar e na hora errados, como trabalhadores desfrutando de seus raros momentos de lazer.  

Ocorreram em torno de 90 chacinas por ano em São Paulo, em 1998 e 1999, resultando em mais de 300 mortos a cada ano.  

Crimes como esses, e outras barbaridades como assassinatos pelo fogo, chocam, inicialmente, mas logo tendem a causar menos impacto, por conta de sua repetição.  

Acredito que a nossa luta deve começar pela recusa em admitir que fatos como esses e a disseminação da violência pela sociedade sejam considerados normais ou banais.  

A questão da criminalidade e da violência constitui uma das questões sociais de maior complexidade. A explicação tradicional que a relaciona diretamente à pobreza deve ser relativizada. Levantamentos estatísticos mostram que os mais altos índices de violência encontram-se não nos países mais pobres, nem tampouco nos mais ricos, mas nos países classificados como em desenvolvimento.  

É evidente que nenhuma pessoa em sã consciência pode negar que a enorme desigualdade socioeconômica do Brasil fomenta a criminalidade.  

Mas devemos ainda arrolar, como causas significativas do aumento do número de crimes, fatores como o crescimento desordenado das metrópoles; a ausência de oportunidades de emprego, de educação e de lazer; a valorização quase ilimitada do consumismo e dos bens materiais; a desagregação de valores éticos; o estímulo a uma cultura da violência pelos meios de comunicação; a farta disponibilidade de armas de fogo; o tráfico de drogas; as deficiências dos sistemas jurídico, policial e penitenciário; e a impunidade.  

Problemática tão complexa, da qual citamos apenas alguns dos aspectos relevantes, exige, certamente, uma abordagem ampla e multidimensional, bem como o engajamento dos mais diversos setores e instituições, do Estado e da sociedade civil, no combate às suas causas e manifestações.  

O Poder Legislativo não tem permanecido indiferente a um assunto de tamanha relevância para nossa população. Agora mesmo encontram-se tramitando conjuntamente no Senado os Projetos de Lei nº 292, 386 e 614, que modificam a legislação sobre a venda e o porte das armas de fogo.  

Mesmo tendo suscitado um debate salutar e imprescindível, com a exposição de pontos de vista divergentes, é indubitável, eu penso, a necessidade de desarmarmos a sociedade brasileira.  

Os fatos mostram que o uso defensivo das armas de fogo apenas excepcionalmente ajuda os que se defendem, implicando, em grande parte dos casos, em maior dano à vítima da ação criminosa.  

Só uma minoria das possíveis vítimas possuem armas de fogo ou têm condições financeiras ou interesse em conseguir o porte legal.  

Pesquisa realizada por um cientista político no Rio de Janeiro, no ano passado, indicou que só 4,5% dos domicílios cariocas têm uma arma de fogo. Apenas 19% dos entrevistados acreditam que uma arma de fogo torna uma casa mais segura, enquanto que não mais que 11% deles acham que portar uma arma aumenta a segurança individual.  

As armas legalmente autorizadas acabam, muitas vezes, sendo roubadas pelos criminosos e aumentando seu potencial ofensivo. Armas legalizadas podem também ser usadas por pessoas mentalmente desequilibradas, inclusive em assassinatos de alvos humanos indiscriminados – os quais, felizmente, ainda são muito raros em nosso País.  

Não é meu interesse central nesse pronunciamento, no entanto, defender a proibição da venda de armas. O que julgo de suma importância é que o Congresso Nacional não se omita de sua responsabilidade, deixando de exercer papel fundamental para diminuir o alastramento da criminalidade e da violência no território nacional.  

Temos, nas duas Casas do Congresso, grande número de proposições com valiosas contribuições para o combate à criminalidade e à impunidade. Pergunto-me se todas elas serão devidamente apreciadas em tempo hábil. Eu mesmo apresentei, em legislaturas anteriores, diversos projetos de lei que versam sobre o tema, alguns dos quais foram arquivados por ausência de deliberação até o fim da legislatura.  

Cito, por exemplo, o Projeto de Lei do Senado nº 201, de 1995, que propunha que o repasse de verbas do Governo Federal para a construção de penitenciárias nos Estados e no Distrito Federal só se faria quando as penitenciárias a serem construídas se localizassem em áreas afastadas dos centros urbanos.  

Mesmo recebendo parecer favorável do relator, Senador Gilvam Borges, e recebendo projeto substitutivo do Senador Bello Parga, com voto em separado, o projeto não foi apreciado até o final da legislatura, sendo por isso arquivado.

 

Na presente legislatura, iniciada no ano passado, não me tenho eximido do dever de prestar minha contribuição para o aperfeiçoamento da legislação, visando proporcionar meios mais eficazes de evitar e combater a criminalidade e o uso da violência.  

Apresentei, juntamente com vários de meus ilustres Pares, a Proposta de Emenda à Constituição nº 81, de 1999, que altera a competência do Superior Tribunal de Justiça, permitindo que o mesmo processe e julgue crimes, originariamente e em caráter excepcional, quando houver intimidação ou coação ao Ministério Público ou ao Tribunal de Justiça – evitando, assim, que organizações criminosas possam influir em julgamentos nos Estados, com notória ameaça ao Estado de Direito.  

Apresentei ainda o Projeto de Lei de nº 253/99, que dobra a pena a ser aplicada quando o crime é cometido por policial civil ou militar ou contra turista, e o de nº 462/99, que põe os homicídios cometidos contra idosos e crianças entre aqueles a serem punidos com maior rigor.  

Tanto a PEC como os dois Projetos de Lei encontram-se em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, tendo o PL nº 253/99 recebido parecer favorável do relator.  

Cito essas proposições de minha autoria, mas há diversas outras, como já me referi acima, que aguardam uma decisão, venha esta a ser tomada por comissão ou pelo plenário. Pergunto-me se todas essas proposições terão sido apreciadas até o fim da legislatura; e, mais do que isso, se o serão com a celeridade que a situação calamitosa da violência requer.  

É por fazer tais considerações que lanço aqui a proposta de que passem a tramitar conjuntamente, em regime de urgência, todas as proposições relevantes que tratam do combate à criminalidade violenta. Teríamos, assim, uma espécie de pacote guarda-chuva, que levaria a um exame sistemático, conseqüente e ágil das medidas propostas para a superação do estado alarmante em que se encontra nossa sociedade.  

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, muito se fala que a vontade política é o fator decisivo para que se possam promover as transformações. Não há dúvida de que esta máxima aplica-se ao presente caso. Observo, ainda, que é quase sempre imprescindível um elo entre a vontade e a ação, algo que impulsione o desejo de fazer rumo à sua concretização.  

Acredito que essa proposta de tramitação conjunta e urgente possa ser um mecanismo adequado para que o Senado e o Congresso Nacional prestem sua valiosa contribuição ao amplo combate que a sociedade brasileira deve empreender contra a violência. Deste modo é que concederemos ao nosso povo as armas, legítimas e imprescindíveis, para a sua defesa.  

Muito obrigado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2000 - Página 5265