Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS A GREVE DO MAGISTERIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. EDUCAÇÃO.:
  • COMENTARIOS A GREVE DO MAGISTERIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2000 - Página 5297
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, GREVE, MAGISTERIO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), COMENTARIO, REIVINDICAÇÃO, PROFESSOR, REAJUSTE, SALARIO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, DETERIORAÇÃO, ENSINO PUBLICO, DESVALORIZAÇÃO, MAGISTERIO.
  • DEFESA, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, VALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, MELHORIA, SITUAÇÃO, MAGISTERIO, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REFERENCIA, RECONHECIMENTO, GREVE, APOIO, PROFESSOR, LUTA, REIVINDICAÇÃO, DIREITOS.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT – RS. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reunião já está no adiantado da hora, mas não podemos deixar de registrar um tema que nos está preocupando e que nos tem acompanhado durante toda a vida, seja profissional, sindical ou política, que é, sem dúvida, a greve do magistério do Estado do Rio Grande do Sul, hoje em seu 22º dia.  

Como sabem os nobres colegas, sou professora pública do Estado do Rio Grande do Sul. Exerci o magistério durante 23 anos, dentro de sala de aula, alfabetizando, trabalhando nas mais diferentes disciplinas. Fui diretora de escola durante seis anos; exerci cargos administrativos de supervisão escolar. Participei de dos mais de dez movimentos grevistas que os professores do Estado do Rio Grande do Sul realizaram, desde 1979 até hoje. No ano de 1982, ocupava o cargo de diretora de uma escola pública no Estado, e fui afastada do cargo pelo Governador por ter manifestado apoio à greve.  

Tenho certeza de que, neste momento, toda a sociedade gaúcha, professores, trabalhadores de escola , funcionários, Governo, estudantes, estão atentos e preocupados com o impasse vivido pelo o magistério do Estado.  

O tema em questão, portanto, é a greve, que, sem dúvida, está sendo conduzida democraticamente pela respeitada e combativa entidade máxima dos professores gaúchos, o Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS-Sindicato, que está mobilizando a categoria, os alunos e a opinião pública daquele Estado.  

Tema do editorial do jornal Zero Hora de hoje , a greve tem sido matéria de todos os jornais da mídia não só gaúcha como nacional e da televisão.  

Na pauta do movimento, a melhoria das condições salariais da categoria, historicamente penalizada com as sucessivas políticas de arrocho salarial impostas pelos governos anteriores.  

As informações da imprensa dão conta, inclusive – é importante que o Brasil fique atento a isso – da insatisfação generalizada dos professores em todos os Estados da Federação, podendo resultar praticamente em uma paralisação nacional. Aliás, não por acaso, pois o quadro da educação vem se agravando em todo o País, onde, além da retórica e da propaganda, registra-se, de fato, o desmonte do ensino público e a desvalorização do magistério.  

Os salários dos trabalhadores em educação continuam aviltantes em todo o Brasil, mas todos sabem a importância da educação, tanto do ponto de vista profissional quanto econômico, social e da formação da cidadania.  

Falo do magistério gaúcho com emoção, saudade, carinho e respeito, pois, sem dúvida, é motivo de grande orgulho para todo o Rio Grande do Sul. Falar do magistério gaúcho é falar também de profissionais com o mais alto nível de qualificação, com 80% do seu quadro com formação universitária. Esses profissionais têm uma história de lutas, com algumas conquistas, inclusive, a de um excelente Plano de Carreira, hoje reconhecido nacionalmente. Mas, apesar disso, o magistério gaúcho está submetido a um dos mais baixos salários dentre todas as categorias de trabalhadores. Hoje, o Salário Básico do magistério gaúcho é R$ 129,10 e o de um funcionário de escola, tão importante quanto o professor, é R$ 121,43, valor que os submete a uma situação de arrocho salarial insustentável.  

Frente a essa situação, o movimento tem como reivindicação um reajuste emergencial do Salário Básico e uma política salarial crescente e justa, além de propostas que incluem os professores da ativa, aposentados e funcionários de escola.  

O Governo estadual apresentou, inicialmente, uma primeira proposta, que incluía um reajuste de 10%, em duas parcelas – 6% em março e 4% em julho. A proposta também continha um aumento de 20% no vale-refeição e pagamento das promoções de 1994, a partir de 2001 e os atrasados em trinta e seis vezes, entre outros itens. A nossa lei estadual prevê promoções no magistério, mas desde 1994 o pagamento dessas ascensões está atrasado. As negociações iniciais resultaram, ainda, no atendimento de reivindicações históricas dos trabalhadores em educação como a revogação do plano de carreira instituído pelo governo anterior. O Governador Antônio Britto desmontou o plano de carreira, conquista histórica, legítima e reconhecida do magistério gaúcho. O atual Governador está revogando o plano e recompondo o que previa o anterior. As eleições para diretores de escola, que tinham sido suspensas, foram retomadas e mantidas pelo atual Governo, instituição de plano de carreira para funcionários de escolas, realização de concurso para ingresso no magistério e reversão da municipalização da educação, todas essas bandeiras de luta do magistério gaúcho.  

As propostas têm sido amplamente debatidas com a categoria, que vem realizando assembléias, manifestações e atos públicos, resultando na conquista de uma nova proposta que avança, particularmente, em relação à reivindicação salarial. Ontem, inclusive, houve uma manifestação à frente da Secretaria de Educação e, hoje, está prevista a mobilização de trabalhadores em educação à frente da Secretaria da Fazenda, chamando a atenção da sociedade gaúcha para a importância da educação. Não fosse a grande mobilização do magistério, não teríamos a proposta apresentada pelo Governo, num esforço de reconhecimento e de respeito aos educadores e trabalhadores em educação, que aumentou o percentual de 10% para 14%, sendo 6% em março, e a complementação até 10% em julho, e a integralização dos 14% em dezembro, o que incidirá sobre o décimo terceiro salário e as férias dos professores.  

O Governo Federal e muitos Estados congelam os salários dos funcionários há mais de cinco anos. O Governo Federal estabeleceu um salário mínimo irrisório de R$150,00, por medida provisória, atropelando o Congresso Nacional, desrespeitando um diálogo que deveria ter com esta Casa. Enquanto o Governo e alguns Estados assim procedem, o Governo do Rio Grande do Sul e os professores gaúchos buscam uma nova realidade, que começa a ser construída no Estado, não apenas de relações democráticas, mas, mais que isso, principalmente, de real valorização do magistério, analisando a situação econômica, política e social, não só do Estado como do Brasil.  

Além da ausência de uma política federal, temos consciência de que não existe uma política eficiente de valorização dos professores. O Fundef está aí, é uma vergonha, com todos os desmandos, inclusive, sendo investigado, e até agora não mostrou para que veio. O salário dos professores da grande maioria dos Estados continua uma vergonha.  

Estados e Municípios têm sofrido ataques ferozes e constantes em sua capacidade econômica, com reflexos diretos na arrecadação. Impedidos de promoverem o desenvolvimento, em virtude de uma política de recessão que se estende há, pelo menos, dez anos, os Governos estaduais ainda são pressionados, recebem dívidas, como aconteceu com o Rio Grande do Sul, comprometendo seus recursos para pagamento de juros e serviços das dívidas. Ainda mais, para agravar a situação, em nome de atender a voraz pressão do FMI, a prática do Governo Federal tem sido, sim, de repassar cada vez mais responsabilidade aos Estados e Municípios sem, evidentemente, os recurso correspondentes.  

Desde que aqui cheguei, tenho realizado um profundo trabalho de busca do reconhecimento da importância da educação para o desenvolvimento pleno do País. Acredito que, de uma forma especial, temos no Rio Grande do Sul, sim, um acentuado compromisso com a educação. Basta olharmos para a nossa Constituição estadual. Ali já se reflete o compromisso daquela sociedade, que prevê a destinação de 35% do orçamento para a educação, quando a Constituição Federal prevê 25%. O Estado do Rio Grande do Sul, em 1989, estabeleceu 35%, porque acredita que é educando a nossa gente, que é esclarecendo a nossa gente, que é formando pessoas conscientes que vamos fazer as grandes transformações. A educação, por si só, não muda um país, mas um país não se modifica se não apostar na educação da sua gente.  

Portanto, esse sentimento de defesa e de valorização da educação, que, de certa forma, posso afirmar, é coletivo no Rio Grande. São professores, estudantes, pais, empresários, produtores, todos acreditam que realmente vai-se fazer a modificação, e o Rio Grande está no patamar que está porque apostamos na capacidade de formação de cidadania e sabemos que a educação é uma ponta de lança muito importante para tudo que temos defendido.  

É nesse sentido que a greve que ocorre neste momento oferece não apenas aos professores, mas a toda a sociedade gaúcha, a oportunidade de dar início à superação de um crônico quadro de insatisfação e desconforto que aflige a categoria. Uma situação que, de forma especial nos últimos governos, atingiu seu ponto máximo de arrocho salarial e de desrespeito em relação aos professores. Mais de dez greves foram feitas no meu Estado, e estive presente em todas elas, nas ruas, sofrendo a pressão. Em 1987, tivemos um greve de 96 dias. Imaginem a pressão e o sofrimento dessa categoria, que passou 96 dias acampada na frente do Palácio! E o Governo insensível.  

O Governo Britto extinguiu o Plano de Carreira, conquista histórica da categoria. Rasgou e não cumpriu um acordo salarial firmado com os professores no primeiro mês de seu Governo. Tratou a categoria com um descaso inédito na trajetória das relações entre professores e Poder Público. Outros governos também atuaram dessa forma prepotente, autoritária e desrespeitosa com relação ao magistério, e não temos ocultado esse fato.  

É preciso, portanto, de uma vez por todas, abrir um novo caminho de busca da valorização da educação e do magistério, sem que, evidentemente, se abra mão de qualquer instrumento de luta, muito menos do recurso extremo da greve.  

A situação dos professores, não apenas no Rio Grande do Sul, é dramática, tanto do ponto de vista da sobrevivência econômica, quanto de sua situação profissional. Com os atuais salários, os professores de todo o País enfrentam sérias dificuldades para manter suas famílias com dignidade, como também são completamente afastados do acesso a bens fundamentais ao seu desenvolvimento, como livros, cursos, computadores e outros instrumentos de capacitação. O resultado é um desgastante processo de destruição de sua auto-estima, prejudicial a toda sociedade, aos próprios professores, aos alunos, especialmente os mais pobres que freqüentam a escola pública.

 

Por outro lado, é importante registrar que o Rio Grande do Sul – este ponto é fundamental e todos que estão nos escutando devem prestar atenção – vive um momento significativo de nossa história. Temos um governo democrático, constituído por forças populares, onde a educação é prioridade e existe o reconhecimento da greve como legítimo instrumento de luta dos trabalhadores.  

Dessa forma, as negociações com o magistério estão ocorrendo em um novo campo de tratamento democrático e respeitoso, diferente das situações anteriores.  

A história, repito, de reação dos governos passados era de desprezo à categoria, da ameaça, do autoritarismo, da repressão, com polícias e cães nas ruas, tentando desmobilizar os trabalhadores da educação. Hoje, a realidade é outra: administra-se o conflito com o diálogo, que inclui inclusive a participação direta do próprio Governador Olívio Dutra nas negociações e nas definições do que está sendo tomado. Isso é fundamental.  

Estão aí as propostas. Há democracia no debate, no diálogo, mas isso ainda é insuficiente. É necessário que além das conquistas salariais emergenciais esse processo que está acontecendo no Rio Grande resulte em uma nova situação, em uma nova correlação de forças com a existência e o estabelecimento de um fórum permanente de diálogo e negociação. O magistério se mantém mobilizado, mantém-se em estado de greve e continua dialogando com o governo para que realmente se possa chegar o mais rápido possível a um patamar, no mínimo, mais digno do que recebe um professor gaúcho.  

Devemos, por outro lado, ter a compreensão do momento difícil que o Estado está vivendo, com a herança de mais de um bilhão de déficit do governo passado. O atual governador recebeu o Estado com o déficit de um bilhão e já conseguiu, em um ano, diminuir, mas as dificuldades ainda existem. Há um esforço coletivo. Basta ver o crescimento da indústria gaúcha. Cresceu 15%, enquanto a média nacional cresceu pouco acima de 5%. Há um esforço coletivo, e é isso que precisa ser passado para todos que estão dialogando, debatendo essa questão.  

É preciso compreender principalmente, e é esse o apelo que fazemos ao Governo e ao magistério, as reivindicações dos professores que não podem e não devem pagar a conta dos desmandos oficiais, seja do Governo Federal, seja dos governos anteriores. Eles precisam, sim, que se coloque a educação num patamar de respeito e de exemplo, inclusive, eu diria, para o restante do País.  

E é essa a nossa reivindicação, que se estabeleça um fórum imediatamente no Rio Grande, com uma grande discussão em relação a salários, a condições de trabalho, a cursos de aperfeiçoamento, possibilidades de o professor realmente se colocar naquele patamar onde sempre esteve.  

Portanto, neste momento, ambas as partes, tendo por base a maturidade, o compromisso com a educação, a fidelidade às propostas de campanha e a compreensão ampla do processo político em curso, avancem na busca de uma solução para o impasse. E mais que isso, que se dê um largo passo no sentido de estabelecer um estágio mais avançado nas relações entre governo, professores e a sociedade, que traduza realmente aquilo que acreditamos que precisa ser trabalhado: o respeito e a valorização dos professores, porque, realmente, eles merecem.  

A sociedade gaúcha tem, em suas mãos, a possibilidade de prestar novamente um grande ensinamento ao País com a construção de uma proposta que, além de atender emergencialmente a categoria – como desejamos e sabemos que é necessário, porque, senão, um professor gaúcho vai ficar com menos que o miserável salário mínimo básico que estão aí anunciando, de R$150,00 –, construa as bases para a existência de uma nova realidade e aponte para uma recuperação gradual da dignidade salarial dos trabalhadores em educação, professores e funcionários de escolas do Rio Grande do Sul.  

A educação nacional, infelizmente, vem sendo tratada cada vez mais como uma simples mercadoria, a qual uns mais, outros menos, dependendo de suas condições econômicas, têm acesso. E não é por aí. Essa teoria neoliberal, na sua expressão mais cruel e desprezível, que aposta na formação de uma espécie de sub-raça, subeducada e subesclarecida, que, depois, manda-a concorrer na competitividade cruel da globalização, e que coloca, por fim e de forma submissa, a mão-de-obra barata para as grandes corporações estrangeiras que se apoderam do patrimônio nacional, público e privado cada vez mais neste País, não pode permanecer indiferente diante do contexto em que vivem os professores nesse grande debate que se está travando no Estado do Rio Grande do Sul.  

A superação positiva do impasse entre governo popular e professores no Rio Grande do Sul, com a construção desse novo patamar – em que acreditamos – de relações entre o Poder Público, responsáveis por educação, sociedade e estudantes, tem o poder de dar início à superação dessa política de destruição da consciência nacional, e de afirmar um novo momento de valorização de educação e magistério, em todo o País, particularmente no Estado do Rio Grande do Sul.  

A minha categoria do magistério, que é combativa, deve continuar cada vez mais se afirmando, mas que tenha muito cuidado, pois não devemos abrir brechas que possam ser utilizadas como instrumento daqueles que defendem o retorno ou, pelo menos, a submissão do Rio Grande a essa política neoliberal determinada pelo Presidente Fernando Henrique sob a orientação do FMI.  

Que o Governo do Estado, que deu e está dando a demonstração, acima de tudo, do diálogo que nunca tivemos, abra definitivamente esse espaço de debate, para construir-se no Rio Grande, com a participação da sociedade e dos trabalhadores em educação, a grande recuperação da dignidade, da auto-estima e do valor que um trabalhador em educação, um professor e um funcionário têm. Essa é a nossa esperança e a nossa expectativa, porque a luta continua, e o Rio Grande tem papel significativo na construção e na mudança da história deste País.  

Era o que tinha a dizer. Muito obrigada.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2000 - Página 5297