Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O RELATORIO DA COMISSÃO DE COMBATE A POBREZA, ENTREGUE AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO EM REUNIÃO REALIZADA NESTA DATA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O RELATORIO DA COMISSÃO DE COMBATE A POBREZA, ENTREGUE AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO EM REUNIÃO REALIZADA NESTA DATA.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2000 - Página 5304
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, MEMBROS, COMISSÃO MISTA, COMBATE, POBREZA, ENTREGA, RELATORIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • NECESSIDADE, POLITICA NACIONAL, COMBATE, POBREZA, SUPERIORIDADE, RECURSOS, COMPARAÇÃO, PROPOSTA, DESTINAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, REGISTRO, SUGESTÃO, COMISSÃO, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INEFICACIA, PROGRAMA, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, NECESSIDADE, AVALIAÇÃO, AMPLIAÇÃO, ETICA, JUSTIÇA SOCIAL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, embora o tema ao qual vou me reportar seja de fundamental importância, compreendo que temos o adiantado da hora como fator de limitação.  

Hoje, também iria me ater a uma declaração feita no jornal O Estado de S.Paulo , do dia 17, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas deixarei para a próxima terça-feira, considerando que essa afirmação é de caráter atemporal e poderá ser colocada em uma outra oportunidade.  

Quero, então, tratar da reunião que tivemos hoje, o Presidente da Comissão de Combate à Pobreza, Senador Maguito Vilela, o seu Relator, Deputado Roberto Brant e eu na condição de Vice-Presidente, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, onde foi feita a entrega do relatório da Comissão de Combate à Pobreza referente aos três meses em que trabalhou e que contou com um universo de mais de 17 Deputados e Senadores.  

Não vou ter tempo de me ater aos pontos do relatório, até porque esses já são de conhecimento da Casa. Quero apenas relembrar alguns aspectos que considero relevantes no que se refere à questão de não termos, neste País, uma política efetiva, sistêmica e coordenada de combate à pobreza. Lamentavelmente, essa é a realidade do País. Uma política com essas características teria que ter, necessariamente, objetivos, metas e recursos. Além disso, deveria ficar claro que esses recursos jamais poderiam ser os R$4 bilhões do fundo que está sendo proposto, porque esses seriam recursos adicionais e, ainda assim, não seriam suficientes. Paralelo a isso, também deveria haver uma participação efetiva da sociedade em uma parceria capaz de operar as políticas sociais, para não fazermos ações pontuais, pulverizadas, que não conseguem responder aos desafios de combate à pobreza.  

Na entrega do relatório, foi feita a apresentação pelo Relator, e o Presidente da República teceu alguns comentários, dizendo que considerava relevante o trabalho da Comissão e que tinha uma concordância em relação aos problemas sociais, que são graves, muito embora tenha dito que há polêmica em relação ao índice de pobreza em nosso País, já que não se tem um estudo oficial que sirva de referência. Nós nos baseamos nos dados apresentados pelo IPEA, dando-nos conta de que há aproximadamente 70 milhões de pobres, pessoas que vivem com cerca de R$146.  

No que se refere à questão dos programas sociais, Sua Excelência pensa que deve ser feita uma avaliação da eficiência dos programas e indicou alguns deles: o FAT, o Fundef e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Disse também que as instituições financeiras do Estado não conseguem ter uma política voltada para o atendimento das pessoas carentes, com iniciativas do tipo Banco do Povo ou microcrédito. Esses foram os comentários feitos pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso durante a fala que fizemos.  

Eu havia dito que a Comissão apresentou algumas propostas, como por exemplo a criação do Orçamento Social, do Fundo de Combate à Pobreza, a recuperação do valor do salário mínimo, a instituição de uma linha de pobreza para que os programas sociais sejam implementados não como uma caridade, mas como um direito do cidadão, que estaria sendo beneficiado, além de outras propostas que estão sendo discutidas, entre elas a proposta apresentada pelo Senador Eduardo Suplicy no sentido de que os recursos do fundo, na ordem de 70%, sejam destinados a programas de renda mínima, e a do Senador Pedro Simon no sentido de que 6% da DRU sejam destinados para o Fundo de Combate à Pobreza.  

Feitos esses comentários, o que me deixou estarrecida foi a sinceridade do Presidente da República – tinha lido nos jornais e feito referência desta tribuna, mas agora ouvi do próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso –ao dizer que o nosso problema não é de dinheiro, mas de eficiência, de focalização. Já temos cinco anos de Governo e, novamente, temos o discurso de que o problema é de eficiência. É claro que está correto identificar que existe um problema de eficiência, mas, se sou Governo, não posso ad infinitum dizer que o problema é de eficiência, porque essa eficiência tem que ser operada pelo Governo. E quando digo Governo, não me estou referindo à pessoa do Presidente da República, mas a todas as instituições, o Ministério da Economia, da Saúde, da Educação, da Ação Social – como tínhamos antigamente – do Meio Ambiente, da Justiça.  

Ora, se essas instituições têm problema de eficiência em focalizar os problemas sociais, se têm problema de eficiência no que concerne a ter uma política voltada para atender os carentes em iniciativas exitosas do tipo Banco do Povo, de microcrédito, se essas instituições têm problema de eficiência em compreender que não podemos continuar com os índices vergonhosos de 70 milhões de pobres, logo, esse problema não pode ser relevado durante cinco anos de Governo. Essa eficiência tem que ser questionada, porque tem nome, endereço, telefone.  

Não quero fazer um discurso maniqueísta e dizer que a pobreza, os problemas sociais são responsabilidade única e exclusiva do Governo. Não o são. São problemas do Governo, porque somos eleitos para tentar dar respostas, em primeiro lugar, éticas, em segundo lugar, políticas, para os problemas do nosso País. São problemas da sociedade também, só que esta, para ser parceira, precisa de uma política social clara, precisa saber que esses recursos são insuficientes, pois faz parte dos recursos sociais o dinheiro da Previdência e de outras fontes, formando-se um montante fictício, que se diz que é política social. A sociedade tem que saber que a política social é sistêmica e que se faz presente da Caixa Econômica ao Basa, do Ministério da Educação ao Ministério da Economia. Porém, lamentavelmente, isso não ocorre.  

Com todo respeito, a minha tristeza foi constatar que não podemos continuar com a desculpa de que os programas não funcionam.  

Fiquei feliz, quando ouvi o Presidente Fernando Henrique Cardoso dizer que se dispunha a começar uma avaliação desses programas. São cinco anos. Estamos começando muito tarde, mas nunca é tarde para resolver problemas que dizem respeito à vida das pessoas, de milhares e milhares de crianças, de milhares e milhares de pessoas que estão passando fome.  

Tive a oportunidade de entregar ao Presidente a carta do Senador Eduardo Suplicy, na qual cita o seu programa, a sua idéia de implementação de uma renda de cidadania. Sugeri a Sua Excelência que 75% dos recursos fossem utilizados em ações com o objetivo de proibir o trabalho infantil. No Nordeste, no Estado da Senadora Heloisa Helena, a Justiça proibiu as crianças de trabalharem na colheita do tabaco. No entanto, não foi dada bolsa-escola, não foi dada uma alternativa de renda às famílias daquelas crianças, cujas mães estavam chorando e dizendo que estavam passando fome. Quando falei isso – tenho que ser honesta – o Presidente se mostrou simpático à idéia que lhe apresentei.  

Espero que o Congresso Nacional ouça o que diz o Senador Eduardo Suplicy, considere a simpatia do Presidente pela destinação desses recursos e acate a emenda do Senador Eduardo Suplicy, para que 75% dos R$4 bilhões sejam destinados à renda de cidadania, transferência de renda para as pessoas.  

Vou continuar, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, lutando para que este País institua um marco de discussão na questão do combate à pobreza, para que este País crie uma nova qualidade ética, política e técnica para responder aos seus problemas sociais.  

Nas palavras de Dom Mauro Morelli, até hoje os governos fizeram política para os que têm, para os que sabem e para os que podem. Precisamos inverter esse quadro, disse ele. Precisamos fazer uma política para os que não são, não sabem e não têm.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) – V. Exª me permite um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) – Ouço V. Exª com prazer.  

O SR. PRESIDENTE (José Alencar) – A Presidência prorroga a sessão por cinco minutos, para que a Senadora Heloisa Helena possa fazer o seu aparte e para que a Senadora Marina Silva conclua o seu pronunciamento.  

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AC) – Parabenizo V. Exª, Senadora Marina Silva, porque sei do esforço de vários Parlamentares, mas de uma forma muito especial do de V. Exª e dos Senadores Eduardo Suplicy e Maguito Vilela. Tivemos a oportunidade de receber a Comissão no nosso querido Estado de Alagoas. A situação, não só de Alagoas, mas de todas as crianças desse País, da população que cada vez fica mais empobrecida é algo lamentável. Chegar ao fim de tanto trabalho e ter um Fundo de Pobreza que estabelece R$4 ao mês para a população mais pobre, causa uma indignação monstruosa. E isso ocorre ao mesmo tempo em que se propõe um salário mínimo de R$150, em que se diz que discutir racionalidade é discutir o pagamento de R$151 bilhões dos juros e serviços da dívida, em que continua a cantilena da Previdência, em que se enviam projetos para cobrar do trabalhador rural a contribuição à Previdência. É inadmissível que isso esteja sendo feito. Lembro-me de que, para tentar estabelecer contrapartida do Governo Federal, foi feito um grande esforço e, em cinco minutos, foram aprovados, neste plenário, US$4 bilhões de empréstimo com o Banco Mundial. Eram US$4 bilhões de empréstimos que não poderiam sequer, ser convertidos em real. O Brasil fazia a operação de crédito, o empréstimo ficava em dólar, para o dólar pagar os juros e serviços da dívida. Isso foi aprovado aqui em cinco minutos. Imediatamente, o Líder do Governo e algumas personalidades políticas da Bancada do Governo disseram: "Não há problema, Senadora! Apresente uma emenda com o valor correspondente a US$4 bilhões, para que possamos investir no programa de renda mínima e da bolsa-escola". Mentirosos! Nós apresentamos a emenda. Quero, inclusive, saudar as presenças da Senadora Emilia Fernandes e do Senador José Alencar que aprovaram a nossa emenda e lutaram pela sua aprovação na Comissão de Assuntos Sociais. O que chegou, de fato, ao Orçamento? Absolutamente nada. Um valor ridículo, de menos de 10% do que nós aprovamos na Comissão. Assim, estamos cansados de constatar que toda vez que se trata da área social, toda vez que se trata de estabelecer mecanismos concretos para minimizar a dor, a humilhação e o sofrimento dos mais pobres deste País, ocorrem problemas. Sempre há problemas quando de trata dos pequenos. No entanto, para saquear os cofres públicos, para arrancar R$151 bilhões para o pagamento dos juros e serviços da dívida, para favorecer o grão-mestre da ordem do Fernando Henrique – o Fundo Monetário Internacional –, não há problemas. A questão da discussão da eficácia dos programas é obrigação da Administração Pública. Depois de cinco anos de administração, vir com essa pendenga, com essa cantilena de que o problema é de falta de eficácia....É preciso analisar isso. Nós não aceitamos que, em nome da eficácia, da análise e do planejamento que será feito, milhões de pessoas que têm como única referência para sobreviver o setor público sejam penalizadas. Não podemos aceitar. É obrigação do Governo avaliar - e já deveria ter avaliado, pois são cinco anos de governo. Então, avalie. Porém, enquanto se avalia a eficácia dos programas, não podemos aceitar que, em nome da ineficácia do próprio governo, não se invista nos setores que atendem às populações mais pobres do nosso País. Portanto, quero parabenizar V. Exª pelo seu pronunciamento. Temos que lutar cada vez mais, embora, às vezes, seja inglória a luta aqui, para obrigar o Governo Federal a investir nas áreas que a Constituição manda, como dever do Estado, e nas áreas que até a confraria de cínicos neoliberais de plantão entendem que são do estado mínimo. Portanto, que ao menos façam o que dizem que é o estado mínimo.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Senadora Heloisa Helena, incorporo o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento.  

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que essa necessidade de eficiência foi construída a partir dos problemas que não foram resolvidos ao longo de toda uma história que irá completar 500 anos, onde os excluídos nunca passaram pela eficiência dos governos. Essa eficiência opera muito bem na hora de se fazer um programa para salvar banqueiros, quando se tem que dar respostas para os que são, para os que sabem, para os que têm, mas quando é para o oposto, o processo todo emperra. Não há pessoal, não há gerência, não há quem acompanhe, é uma impotência total.  

Sr. Presidente, essa impotência só pode ser resolvida – se não podemos, do ponto de vista técnico, ter a resposta imediata, e se até o Presidente não gosta que se diga que tudo é uma questão de decisão política –, só pode ser resolvida quando houver uma decisão ética, e a política se subordinar a ela; aí resolveremos os problemas sociais. E se houver uma decisão ética e política, a técnica dará um jeito de resolver os problemas que queremos resolver. É para isso que ela existe, e não para que subordinemos a nossa ética e a nossa política à nossa técnica; ela deve vir depois. Infelizmente, há sempre antes uma técnica para resolver os problemas dos 70 milhões de trabalhadores pobres, dos 43 milhões que vivem com menos de um dólar, dos 15 milhões de jovens analfabetos e dos milhares que vivem embaixo das marquises, como podemos observar em São Paulo, onde 7 mil pessoas vivem nas ruas. É para esses que precisamos de um novo momento na história do Brasil.  

Espero que, a partir de hoje, possamos criar essa nova química. Se há problema de eficiência, vamos criar um movimento de avaliação não apenas do FAT e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, mas de todos os programas sociais. Vamos criar o orçamento social, vamos fazer uma implementação adequada e, digamos, no tamanho correto de um programa de renda e de cidadania, porque o que existe não alcança a vida dos milhões de pobres deste País.  

Sr. Presidente, eu não perco as esperanças e, com quem quer que seja, estarei disposta ao diálogo para podermos continuar nessa luta de fazer com que aqueles que não têm, não sabem e não são possam ter algum sentido de cidadania dentro dos programas sociais, econômicos e políticos de todos os governos.  

Não faço o discurso de que uma pessoa só é responsável. Faço o discurso de quem uma vez, assumindo o governo, no primeiro ano, talvez possa dizer que é um problema de eficiência; no segundo ano, talvez ainda possa continuar fazendo essa afirmação, desde que tenha uma política montada em cima de uma tartaruga; agora, no quinto ano, continuar com o problema de eficiência, eu diria que não é só eficiência, mas que está faltando coerência para com aqueles que precisam de políticas sociais eficientes e politicamente corretas.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA MARINA SILVA EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2000 - Página 5304