Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PROXIMAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS E A OPORTUNIDADE DE ENFRENTAR COM AÇÕES COORDENADAS OS PROBLEMAS URBANOS.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PROXIMAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS E A OPORTUNIDADE DE ENFRENTAR COM AÇÕES COORDENADAS OS PROBLEMAS URBANOS.
Aparteantes
Antero Paes de Barros, Carlos Wilson, Geraldo Lessa, Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2000 - Página 5563
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • PROXIMIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, ANALISE, SITUAÇÃO, MUNICIPIOS, ESPECIFICAÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, AUMENTO, POPULAÇÃO, ZONA URBANA.
  • DEFESA, PROGRAMA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO URBANO, PRIORIDADE, SANEAMENTO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, POLITICA HABITACIONAL, POLITICA DE TRANSPORTES, TRANSPORTE COLETIVO URBANO, REGISTRO, DADOS, DEFICIT, OMISSÃO, SETOR PUBLICO.
  • IMPORTANCIA, COORDENAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DESENVOLVIMENTO URBANO, DIVULGAÇÃO, MODELO, URBANIZAÇÃO, FAVELA, EVOLUÇÃO, TRABALHO, RENDA.
  • EXPECTATIVA, CONTRIBUIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, MELHORAMENTO, ORÇAMENTO, DESENVOLVIMENTO URBANO, PRIORIDADE, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, SANEAMENTO.

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos num ano de eleições municipais. Em outubro, mais de 100 milhões de eleitores de todo o País elegerão 5.500 prefeitos, o mesmo número de vice-prefeitos e milhares de vereadores. A campanha que antecede a eleição é, portanto, uma rica oportunidade de se iniciar um debate profundo sobre a situação das cidades - onde vive a grande a maioria da população - e particularmente sobre a qualidade de vida nos centros urbanos.  

O Brasil viveu nos últimos 50 anos uma mudança profunda no seu perfil socioeconômico, em decorrência de uma série de fatos que empurraram homens e mulheres do campo para as cidades, em busca de esperança, de emprego, enfim, de melhores condições de vida. Esse processo migratório deu-se sem qualquer planejamento urbano, e o resultado são cidades inchadas, sem infra-estrutura capaz de oferecer dignidade de existência às suas populações.  

É bom que se diga aqui, Sr. Presidente, que alguns países também passaram por processo de urbanização semelhante e mantiveram um padrão de vida decente para os seus cidadãos. As autoridades brasileiras não tiveram, porém, ao longo desses anos, rapidez e sensibilidade para acompanhar, com medidas efetivas, o fenômeno da migração campo-cidade. O resultado é um processo caótico de urbanização, que gerou o aparecimento de aglomerações urbanas de diferentes tamanhos, funções e níveis de importância e, principalmente, de difícil gestão.  

A taxa de urbanização do Brasil cresceu de 31,4% para 78,4% em 50 anos, multiplicando-se por 10 a população das cidades. Com isso, cerca de 125 milhões de pessoas moram nas cidades. Em contrapartida, a taxa anual de crescimento da população caiu de 2,5% para 1,4% nos últimos 20 anos. Isso quer dizer que a população brasileira passou a crescer em ritmo menor desde a década de 70, mas esse crescimento se verifica predominantemente nas cidades. É só fazer uma leitura atenta do relatório da Comissão que estudou as causas da miséria e da pobreza no Brasil para verificar que os indicadores de miséria são mais graves no campo, em termos de qualidade de vida, mas, numericamente, a miséria, a pobreza, a fome, o analfabetismo é maior nas periferias dos grandes centros urbanos do nosso País.  

Por isso, Sr. Presidente, um projeto nacional de desenvolvimento urbano teria de dar prioridade a uma política de saneamento, considerando a preservação do meio ambiente; a uma política habitacional, para reduzir o déficit de moradia, que chega a seis milhões, no campo e na cidade; e a uma política de ordenamento do sistema de transporte público, que se tornou caro, irracional, desconfortável e inseguro para os usuários.  

Em primeiro lugar, abordo a questão do saneamento, que traz conseqüências diretas ao meio ambiente, à saúde do cidadão. Nos últimos trinta anos, o Governo Federal aplicou algo em torno de R$20 bilhões em recursos do FGTS e do Orçamento Geral da União em obras nesse setor. O resultado foi um aumento na oferta de serviços de saneamento, entre 1991 e 1997, porém essa oferta foi de qualidade duvidosa.  

Vejamos alguns números: o déficit urbano na oferta de serviços de abastecimento de água caiu de 14% para 8,8%, sem, no entanto, considerarem-se aspectos qualitativos como a intermitência na prestação do serviço; o déficit de esgoto sanitário foi reduzido de 54% para 50,6%, mas estima-se que apenas 10% dos esgotos recebiam no período - e tenham certeza de que esse quadro não se modificou até os dias atuais - algum tipo de tratamento; o déficit na coleta de lixo caiu de 20% para 9,3%, mas somente 29% do lixo recolhido – o número é estarrecedor - tinha e tem destino adequado nas cidades brasileiras.  

Apesar dos bons resultados obtidos com relação ao abastecimento de água, constata-se enorme carência de serviços nos estratos sociais de renda mais baixa e nível reduzido de cobertura na coleta e tratamento de esgotos. O que se verifica com isso é o lançamento de 90% dos esgotos coletados sem tratamento adequado ou até mesmo in natura nos mananciais, nas praias e na terra.  

O fato mais recente de agressão ao meio ambiente, noticiado pelas manchetes de jornais, é a desatenção das autoridades com a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, que corre o risco de virar verdadeiro esgoto a céu aberto. Cartão postal do Brasil, a Lagoa é um exemplo dos muitos casos de poluição ambiental que ocorrem cotidianamente na quase totalidade das cidades brasileiras. Em determinadas abordagens, o caso da Lagoa parece um número isolado, mas não é verdade.  

Sr. Presidente, o sistema de saneamento do nosso País foi concebido para garantir ao setor público, representado por 27 companhias estaduais de saneamento, a exclusividade na oferta, controle, regulação e transferência de recursos orçamentários e financiamentos destinados ao setor. O caráter monopolista dessas empresas resultou em concessionárias ineficientes, se comparadas a padrões internacionais. É muito simples comprovar isso: é só fazer comparação entre o serviço prestado por essas concessionárias aqui no Brasil e o serviço prestado no resto do mundo, até mesmo na América Latina.  

O custo da ineficiência operacional vem sendo repassado ao consumidor ou financiado com recursos de natureza fiscal. Com isso, o preço médio das tarifas estabelecidas no Brasil estacionou entre os mais altos da América Latina. Essa ineficiência das companhias de água e esgoto custa anualmente R$1,5 bilhão, quantia considerável se considerado o faturamento médio do setor em nosso País, que foi de R$7,9 bilhões em 1997.  

A falta de uma política de saneamento reflete-se também no fraco desempenho da gestão de resíduos sólidos nas cidades brasileiras, sobretudo na disposição final do lixo urbano, gerando graves problemas sanitários, tais como contaminação dos mananciais e o agravamento das enchentes nos principais centros urbanos do País. Estamos aí a ver as notícias nos jornais, quase que mensais, de episódios que destroem o patrimônio das famílias, que levam doença e dificuldades de toda a ordem para a população das cidades brasileiras. O município responsável pela coleta e reciclagem do lixo carece, em geral, de capacitação institucional e de suporte financeiro e técnico para enfrentar o problema de forma adequada.  

Para agravar o quadro, entro na questão da drenagem urbana. Até oito anos atrás, estimativas oficiais indicavam que havia 45 milhões de habitantes em nosso País não atendidos por sistemas de drenagem urbana. A crescente impermeabilização das superfícies, a utilização mista de sistema existente (esgoto e drenagem) e a ausência de uma política de uso do solo são hoje, Sr. Presidente, os principais problemas da drenagem urbana, que se acentua pela necessidade de soluções onerosas e carência de investimentos, com reflexo direto em setores como saúde e transporte.  

Não é novidade, Sr. Presidente, para nenhum dos Srs. e Srªs Senadoras que falta à grande parte das cidades um plano diretor urbano, com uma proposta concreta, clara, definida, de uso e ocupação do solo. A multiplicação de periferias nas cidades reclama um modelo de urbanização de favelas, onde pesados investimentos, Sr. Presidente, não acabem – como acontece nos dias atuais – sendo feitos em áreas de ocupação, desordenadamente, servindo à especulação imobiliária, tendo como resultado quase sempre a expulsão dos antigos moradores, que chegaram às áreas de mangue ou de morro, alimentando esse círculo vicioso de concentração de renda e de riqueza no nosso País.  

Uma política habitacional, Sr. Presidente, também se faz urgente.  

O Sr. Geraldo Lessa (PSDB – AL) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Concedo um aparte ao Senador representante de Alagoas, Geraldo Lessa, com muito prazer.  

O Sr. Geraldo Lessa (PSDB - AL) – Senador Paulo Hartung, gostaria de parabenizá-lo pela oportunidade de tratar desse assunto. O Senador é um autor consultável e que conseguiu, na prática, demonstrar efeitos e resultados, do ponto de vista de ação objetiva, como gestor público; teve, talvez, dentre as três ou quatro melhores, uma das melhores gestões públicas dos últimos dez anos à frente da Prefeitura de Vitória; conseguiu desenvolver uma série de ações ligadas a esse assunto, que se reverteram em benefícios objetivos não somente para a qualidade de vida da sociedade, mas para um aspecto importante, para o qual ainda não atentamos: a captação de investimentos, para o desenvolvimento da economia. Não se capta e não se desenvolve sem trabalhar e pavimentar todo o campo de infra-estrutura para que esses investimentos possam cumprir a sua parte dentro do ciclo, da cadeia de responsabilidades públicas e de investimentos do segmento privado. Há pouco o Senador citava, com muita propriedade, a Lagoa Rodrigo de Freitas e falava também sobre a questão dos dejetos industriais, que evidentemente está ligada diretamente à questão de saneamento básico. Podemos lembrar de duas situações geográficas bem interessantes e marcantes e que foram de repercussão nacional exata e tão-somente pelo fato de estarem em um Estado tão importante – com todos os méritos – como o Rio de Janeiro, que é o portão de entrada do Brasil, já que o turismo receptivo tem o Rio de Janeiro como o grande portão de entrada, e estamos tratando da Lagoa Rodrigo de Freitas e da Baía da Guanabara, que são dois cartões postais brasileiros. Temos outras situações tão graves, inclusive muito mais impactantes do ponto de vista ambiental, que tem como grande vilão o personagem saneamento básico e os problemas gerados pela falta de infra-estrutura. Para melhor exemplificar, chegamos a uma situação de impacto social, ambiental e econômico no sistema lagunar no Estado de Alagoas que acredito não haver nenhuma situação com tal índice de gravidade. Temos o problema social de subsistência de várias comunidades, que representam esses municípios que circundam essa lagoa, hoje totalizam 70% da população do Estado - a força de trabalho, porque a pesca artesanal representa mercado de trabalho direto para uma série de famílias alagoanas - e o aspecto econômico, em razão do que ela representa estrategicamente para o desenvolvimento do turismo daquele Estado. Então, Senador, esta é uma oportunidade enorme. Creio que essa preocupação deve ecoar, e devemos dar um tratamento à altura do que ela merece. Não estamos tratando apenas da questão ambiental para corrigir as suas deformações, mas para dar o tratamento adequado que o problema merece pela importância que o meio ambiente exige. Quando se trata desse problema, estamos tratando de outros aspectos: da qualidade de vida, do social, da sobrevivência, da geração de emprego e também da questão econômica e de investimentos. O pronunciamento de V. Exª é oportuno e de valor universal. Parabenizo-o pelo seu pronunciamento e pelo conhecimento que demonstra, que demonstrou na prática à frente da Prefeitura de Vitória e ao longo da sua vida pública. Parabéns.

 

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Muito obrigado, Senador Geraldo Lessa.  

Estou falando sobre as eleições deste ano e sobre o debate que a sociedade pode travar sobre a qualidade de vida nas cidades brasileiras. Já falei sobre a questão do saneamento, avançarei um pouco na questão da habitação e ainda vou falar do transporte coletivo urbano.  

Sr. Presidente, a política de habitação também se faz urgente. É o segundo ponto da minha abordagem neste pronunciamento. O acesso à moradia adequada continua sendo um problema no Brasil, entre outros fatores, devido ao desequilíbrio existente entre a oferta habitacional, cujo segmento formal concentra-se nas faixas de renda média e alta, e os déficits qualitativos e quantitativos mais expressivos nas famílias de baixa renda.  

A maior parte da produção de moradias em nosso País, ao longo dos últimos trinta anos, por incrível que pareça, deu-se à margem dos sistemas oficiais de financiamento, dependendo, quase sempre, da poupança familiar. Só para dar alguns números, de 1964 a 1998, para ser mais preciso, o Sistema Financeiro de Habitação construiu 6,3 milhões de moradias urbanas, contra 26 milhões construídas pelas famílias com recursos próprios, com as suas poupanças próprias.  

O Sr. Carlos Wilson (PPS - PE) – V. Exª me permite um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Aproveito este momento para conceder, com muito prazer, um aparte ao Senador Carlos Wilson, meu colega de Bancada.  

O Sr. Carlos Wilson (PPS - PE) – Senador Paulo Hartung, na verdade, não gostaria de interromper o pronunciamento de V. Exª, que é um especialista no assunto, como dito aqui pelo Senador Geraldo Lessa, com muita propriedade, um homem público vitorioso como Prefeito da Cidade de Vitória, teve a experiência administrativa. Como pernambucano, como homem de Recife, vejo que V. Exª aborda questões pelas quais minha cidade sofre muito. Ou seja, uma carência muito grande na área de habitação - depois de Belém, o segundo maior déficit de habitação numa capital é exatamente em Recife. O saneamento é a parte mais cruel. Apesar de Recife ser uma cidade muito bonita, posso dizer que só tem 20% da sua área saneada. De cada dez casas, apenas duas dispõem de saneamento básico. O que mostra que, na verdade, o Governo Federal durante esses anos todos foi bastante cruel com a Cidade do Recife e que também não houve, por parte daqueles que tiveram o privilégio, a honra de ser prefeito da cidade, o interesse de resolver uma questão que é fundamental. Uma cidade sem saneamento é uma cidade marcada pela doença, pela falta de turismo, pela falta de tudo o que se possa conceber no momento em que entramos no próximo milênio. V. Exª vai abordar agora a questão do transporte coletivo, e eu quero ouvi-lo. Lá em Recife enfrentamos, talvez, um dos trânsitos mais caóticos do País por conta do transporte alternativo, que não é regulamentado. O transporte coletivo é ruim, e o transporte alternativo, não sendo regulamentado, leva a cidade a enfrentar uma situação de muita dificuldade. Então, eu quero ouvir mais o seu discurso, porque sou um admirador do trabalho que V. Exª desempenha nesta Casa. E, mais ainda, porque sei que é um estudioso nessa área de política urbana. E, quando V. Exª fala num projeto de desenvolvimento urbano para o País, V. Exª fala com muita propriedade. Então, eu vou ouvir o Senador e parabenizo-o pela oportunidade, por abrir um tema que é um tema da maior importância para todo o povo brasileiro.  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Muito obrigado, Senador Carlos Wilson, pelas palavras gentis, que só podem vir de um companheiro e de um amigo.  

Continuando, Sr. Presidente, o terceiro tema desta discussão que trago a plenário é o estrangulamento do transporte urbano, o que atormenta a vida das populações das grandes e médias cidades. A predominância do uso de automóveis gerou uma queda acentuada de mobilidade e até de acesso urbano das pessoas, estimulando a expansão das cidades e, por que não dizer, a dispersão das atividades. Outro número que reflete esse verdadeiro caos é o fato de, anualmente, serem transportados no Brasil cerca de 2,8 bilhões de passageiros em apenas 94 mil nibus, pertencentes a alguma coisa em torno de 1.800 empresas privadas. O que se vê diariamente nas cidades, Sr. Presidente, são trabalhadores e estudantes viajando em ônibus superlotados, em condições absolutamente desfavoráveis.  

O transporte de passageiros sobre trilhos – ferroviário e metroviário – atravessa grandes dificuldades, tendo em vista a necessidade de elevados investimentos para a sua manutenção, ampliação, modernização e operacionalização. Isso explica a ociosidade da capacidade instalada do setor, que registrou, entre 1995 e 1997, uma queda de 22% no número de passageiros transportados no sistema metro-ferroviário. Sr. Presidente, é importante ressaltar que esse sistema transporta, hoje, algo em torno de 100 milhões de passageiros por ano. Só para fazermos a comparação, o sistema de transporte coletivo que usa o ônibus tem, aproximadamente, 2,8 bilhões de passageiros/ano, contra um sistema metro-ferroviário que transporta aproximadamente 100 milhões de passageiros/ano, o que mostra que os grandes centros urbanos do nosso País, em termos de transporte coletivo, estão na contramão de tudo o que vemos pelo mundo afora.  

Sr. Presidente, além das estatísticas, a realidade é que, na maioria das cidades, os órgãos gestores do transporte e do trânsito estão inadequadamente equipados técnica e tecnologicamente, causando desperdícios na utilização dos recursos. Tantas distorções, Sr. Presidente, só poderiam ter elevado o consumo de energia, por que não dizer um desperdício de energia, gerando grandes prejuízos à operação do transporte coletivo, traduzindo-se em aumento do tempo de viagem e em baixa produtividade desse sistema que temos nos centros urbanos do País.  

O Governo investiu, nos últimos quatro anos, aproximadamente R$4,2 bilhões na modernização dos transportes de passageiros de algumas regiões metropolitanas, etapa do processo de transferência para os Estados federados dos sistemas da Companhia de Transportes Urbanos (CBTU). Tais recursos, Sr. Presidente, foram destinados a obras emergenciais de recuperação, para que os serviços pudessem atingir um padrão mínimo de confiabilidade. Não foram, no entanto, investimentos de longo prazo capazes de assegurar a sustentabilidade futura desses sistemas que estão sendo estadualizados. Exemplos temos todos os dias, mas o exemplo da semana foi o incêndio a que acabamos de assistir em Itaquera, São Paulo, provocado pelos usuários que se revoltaram com a quebra de uma composição.  

Enfatizo neste pronunciamento, Sr. Presidente, as questões do saneamento básico, habitação e transporte, sem perder de vista as carências de setores como saúde, educação e segurança pública, que constantemente exigem novos e importantes investimentos. Falar em segurança em nossos centros urbanos é, de certa forma, refletir sobre a violência e a impunidade que grassam na maioria dos grandes centros urbanos no nosso País. Mas são flagrantes as omissões da esfera federal nos três setores aqui analisados com mais detalhes, o que está agravando, de forma dramática, a vida nas grandes cidades do nosso País. Trata-se de um processo que eu poderia caracterizar como de decadência social, decadência acentuada, que, num contexto de globalização da economia, torna as nossas cidades pouco competitivas, agregando essa ineficiência àquele famoso custo Brasil.  

Por tudo que expus, Sr. Presidente, fica claro que falta ao nosso País uma ação coordenada em relação aos gravíssimos problemas urbanos das nossas cidades.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Concedo o aparte ao Senador Jefferson Péres, com muito prazer.  

O Sr. Jefferson Péres (Bloco/PDT - AM) – Senador Paulo Hartung, no último sábado, participei como palestrante do seminário promovido pelos partidos de Oposição do Amazonas, abordando exatamente o tema problemas urbanos. E, nas minhas propostas, inspirei-me em grande parte na sua administração em Vitória, a qual já conhecia por ouvir dizer, mas que estudei mais detalhadamente no impresso que V. Exª teve a gentileza de remeter-me. De forma que V. Exª é realmente um expert no assunto; fala de cátedra, porque, além de ser um estudioso, demonstrou na prática o que foi capaz de fazer, talvez até em condições adversas. V. Exª levanta hoje dois pontos importantíssimos. Em primeiro lugar, a necessidade imperiosa de planos diretores para as cidades, dispositivos da Constituição Federal, constituições estaduais e leis orgânicas que não vêm sendo cumpridos. E, em segundo lugar, a prioridade absoluta para saneamento básico, uma vez que recursos hídricos estão na ordem do dia e serão o grande problema do próximo milênio. Parabéns pelo seu pronunciamento.  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Eu é que agradeço, Senador Jefferson Péres, as gentis palavras.  

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) – Permite-me um aparte, Senador Paulo Hartung?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES) – Concedo o aparte ao Senador Antero Paes de Barros, com muito prazer.  

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) – Senador Paulo Hartung, gostaria de cumprimentá-lo pelo pronunciamento. Com a experiência administrativa de ex-prefeito, V. Exª traz a esta Casa um dos assuntos da maior importância e da pauta do País: a questão do saneamento básico. Estamos vivendo a época que contraria a política da centralização da ditadura brasileira. Em 1964, houve a estadualização da política de saneamento. Hoje, está em vigor uma política de remunicipalização dos serviços de água e esgoto, devolvendo aos Municípios a autonomia dessa gerência. Tive a oportunidade de participar do debate em que aqui esteve o Presidente da Petrobras, quando a Petrobras, com muita responsabilidade e respeito pela opinião pública, assumiu aquele acidente que aconteceu na Baía da Guanabara. No entanto, ali ficava evidente uma falha, reconhecida pela própria empresa, mas de uma empresa que, três ou quatro meses antes, havia sido premiada na questão ambiental, especialmente no caso do gasoduto Brasil/Bolívia, com as providências que havia tomado. Quero dizer que os temas do saneamento básico, do meio ambiente e da habitação são importantes para o desenvolvimento do País, para a geração de emprego e para a melhor qualidade de vida. Estamos tendo, no Senado Federal, um debate sobre as águas. Mas não podemos debater o problema da água sem uma política de saneamento básico. E precisamos discutir urgentemente, dentro dessa política de remunicipalização, se vai haver – está acontecendo no meu Estado – a devolução dos serviços de água e esgoto aos Municípios. Essa é uma tendência nacional, mas é preciso verificar como caminharemos com isso: exclusivamente com a municipalização, ou o Município exercerá a municipalização apenas no aspecto fiscalizador e de controle, partindo para a descentralização desses serviços públicos essenciais? Quero cumprimentar V. Exª por trazer aquilo que espero seja o mote da disputa das idéias na campanha eleitoral do ano 2000, porque são temas importantes o transporte coletivo, a habitação popular e o saneamento básico. Parabéns a V. Exª.

 

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Agradeço o aparte.  

Continuo. Sr. Presidente, por tudo o que expus, já caminho para o final do pronunciamento. Fica claro que falta ao nosso País uma ação coordenadora, articuladora dos gravíssimos problemas urbanos das cidades brasileiras. As experiências bem sucedidas na urbanização de favelas, com a implantação de projetos chamados multissetoriais integrados – nome complicado para uma operação simples –, são modelos a serem seguidos. E hoje temos boas experiências de urbanização de favelas no norte do País, no Nordeste, no Centro-Oeste, no sul do País, no Sudeste, e assim por diante. É uma proposta, Sr. Presidente, que trata da infra-estrutura econômico-social simultaneamente e articula a ocupação produtiva das comunidades beneficiadas pela melhoria urbana. Junto com isso há a implantação do banco do povo, conhecido por outros como microcrédito, que permite a evolução do trabalho e da renda. Essas experiências significam, Sr. Presidente, uma luz na abordagem dos problemas nos centros urbanos brasileiros. Posso até afirmar, é uma maneira eficiente de combater a miséria e a pobreza urbanas.  

O baixo crescimento econômico dos últimos anos, que redundou na redução de investimentos no desenvolvimento municipal, teve como conseqüência a queda da qualidade de vida nas cidades. Reflexo da crise cambial, o ano que passou foi dramático para a nossa economia. Houve cortes nos gastos que deveriam ter sido aplicados nos setores urbanos do nosso País.  

As disfunções do processo de urbanização do Brasil não podem ser exclusivamente creditadas à insuficiência de investimentos nos centros urbanos. Políticas e gestões inadequadas, combinadas com a desarticulação das ações públicas, geram desperdícios e deseconomias, tornando nossas cidades menos competitivas e produzindo situações socialmente perversas.  

Este, no entanto, Sr. Presidente, é um ano de boas perspectivas, na minha visão. Os indicadores econômicos apontam para o equilíbrio das contas internas e externas. Recentemente, aprovamos aqui o controle de gastos das Câmaras Municipais. Por sua vez, União, Estados e Municípios também terão, na Lei de Responsabilidade Fiscal, em discussão nesta Casa, um instrumento de busca do equilíbrio das suas despesas.  

Precisamos aproveitar este momento de ventos favoráveis para definir um projeto de política de desenvolvimento urbano que envolva os Governos federal, estaduais e municipais, acabando com o que chamei aqui de 50 anos de degradação da qualidade de vida em nossas cidades. Todos os três níveis de governo podem contribuir na construção de um novo caminho para as cidades brasileiras.  

O próprio Congresso Nacional, Sr. Presidente, tem muito a fazer. Exemplo é a necessidade de romper com a prática de pulverização dos recursos orçamentários, definindo prioridades claras, focando as ações. Outro exemplo é a questão do saneamento, já discutido neste pronunciamento, setor decisivo para a saúde e a qualidade de vida das pessoas. A falta de um marco regulatório para o setor e a indecisão quanto à titularidade dos serviços inibe os investimentos, que estão paralisados, tanto no setor público, que tinha um papel fundamental, quanto na esfera privada.  

Destaco ainda, Sr. Presidente, desta tribuna, que há uma missão do Governo Federal, que é indelegável, de organizar e defender políticas claras e entender que esta é uma questão fundamental para a qualidade de vida do cidadão e para o desenvolvimento do País.  

Para finalizar, quero frisar que uma política de desenvolvimento urbano tem de prever ações de alcance nacional que induzam ao aumento da competitividade das cidades, a partir de medidas que melhorem a infra-estrutura e incrementem a produção eficiente e eficaz de bens e serviços, que são produzidos pelo setor público municipal e são consumidos pelo cidadão. Assim, ficaria assegurada a sustentabilidade da rede urbana do nosso País.  

Era esta a contribuição que eu queria oferecer à Casa neste ano de eleições municipais, porque acredito que os partidos, as lideranças políticas, a sociedade civil podem dar uma contribuição importante na reflexão sobre esses últimos 50 anos de urbanização e sobre esse verdadeiro caos em que se encontram as aglomerações urbanas no nosso País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

 ö e À pÕ nto a atenção do nosso País, desejo que essa discussão possa efetivamente ser compreendida pela sociedade brasileira. Essa discussão, parece-me absurda. Se se disser em qualquer país da Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão, ou no parlamento europeu que estamos discutindo um salário mínimo de cerca de US$80 e, ao mesmo tempo, um teto salarial do funcionalismo público brasileiro que poderá atingir a casa dos R$25 mil, mais de US$12 mil, realmente esse fato se apresentará como algo absurdo.  

E isso só ocorre em um país como o Brasil ou em países semelhantes ao Brasil, em que o povo, lamentavelmente, não alcançou um nível de compreensão da importância da política na sua própria vida, porque, se houvesse essa compreensão, essa discussão tão absurda não estaria sendo travada. Ao alcançarmos o teto, ganharemos 87 salários mínimos, enquanto que no país mais capitalista do mundo, o dono do mundo, aliás, os Estados Unidos, a diferença entre o que um parlamentar federal percebe e o salário mínimo é de apenas cinco vezes; no Brasil será de 87 vezes.  

É evidente que, para uma população que sabe que a Constituição da República lhe garante um salário mínimo que atenda às suas necessidades básicas e às de sua família, em moradia, habitação, transporte, educação, saúde, enfim, em todos os direitos que a família tem, esse valor é absolutamente irreal dentro do que está sendo pago. Portanto, a Constituição brasileira, nesse aspecto, é letra morta, e o povo, lamentavelmente, por falta de organização, por falta de compreensão do processo, não reage. Isso jamais aconteceria na França, na Itália, na Bélgica ou na Suíça, porque, nesses países, o povo está bem mais informado e reagiria com muito maior firmeza a uma discussão tão absurda como a que se trava no Brasil neste momento.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) – Se V. Exª for breve, concederei o aparte, com muita satisfação.  

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) – Serei breve. Quero apenas concluir o meu raciocínio. É interessante – e o próprio Líder do Governo reconhece: 150 milhões de brasileiros, se forem questionados hoje, responderiam que o salário mínimo atual é de fome e de miséria. Ora, se o Governo deseja resgatar a sua popularidade e a sua credibilidade, sabe que 150 milhões de brasileiros têm essa opinião e não reage nem ousa, é porque não quer realmente. Considerando-se que, no Brasil, está aumentando drasticamente a criminalidade, a fome, a pobreza e a miséria, nunca poderíamos admitir um salário nesse nível. Que me desculpem todos aqueles que pensam de modo contrário, e são pouquíssimos: tenho a absoluta convicção de que a esmagadora maioria do povo brasileiro está pensando que esse salário é de fato ridículo e insensato sob todos os aspectos. Muito obrigado.  

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) – Agradeço a V. Exª. Creio, nobre Senador, que toda esta discussão é muito positiva, pelo menos é nova. Pela primeira vez, o Brasil inteiro está compreendendo o processo. Antes, os fatos ocorriam às escondidas. Os marajás, os funcionários de R$50 mil, de R$60 mil, isso tende a acabar. Embora a discussão ainda seja absurda, já é uma discussão mais aberta, já é uma discussão nova.  

Com relação a que cada Estado possa ter o seu salário, podemos até, do ponto de vista político, concordar com a iniciativa do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas talvez seja necessário mudar a Constituição para que isso possa ocorrer. A forma de agir com relação ao processo, politicamente, é correta. Concordamos com ela, entendemos que os Estados poderiam ter essa independência para estabelecer, tanto para o setor privado, quanto para o setor público, o seu próprio salário mínimo. Mas não se pode fazer isso sem mudar a Constituição brasileira, que exige um salário mínimo unificado em todo o Brasil. E a lei complementar não pode, efetivamente, passar por cima da Constituição. Portanto, parece-me ser um pouco demagógica a solução apresentada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, quero falar aqui sobre o BNDES, sobre as denúncias em relação ao BNDES. Apesar de o Banco ter sido criado para promover o desenvolvimento, para diminuir as diferenças regionais a partir da disponibilização de recursos a regiões menos desenvolvidas, privilegiando-as, ao longo desses últimos cinco anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, a instituição tem tomado um caminho, segundo a imprensa noticia, diferente daquele para o qual foi criado.  

O primeiro aspecto é a denúncia de financiamentos a empresas estrangeiras que compram patrimônio público brasileiro: as empresas de telecomunicações, de energia elétrica, as distribuidoras estaduais em todos os Estados do Brasil, os próprios bancos vendidos, os bancos estaduais, os bancos regionais, enfim, há uma denúncia generalizada sobre um vultoso financiamento do BNDES destinado a empresas estrangeiras que estão comprando o patrimônio nacional; e denúncias de que essas empresas estrangeiras estão trazendo para cá os seus profissionais para assumirem cargos de direção que eram de brasileiros. Isso foi motivo de reação até do próprio Ministério do Trabalho, depois de denúncias que fizemos aqui no Congresso Nacional.  

Agora surge uma outra denúncia: em um programa de termoelétricas que o Brasil pretende construir, seriam financiadas 51 termoelétricas com recursos do BNDES, só que, conforme noticiam os jornais, dessas 51, apenas 18 seriam de capital nacional, 18 seriam de capital estrangeiro e o restante, de capital misto. O que significa que há privilégio no que se refere ao financiamento das empresas estrangeiras. Tenho em mãos o jornal

Folha de S.Paulo com a seguinte manchete: "Estrangeiros dominam o novo projeto do BNDES na construção das termoelétricas que se pretende fazer no Brasil."  

E, por último – e talvez mais grave –, a questão do financiamento do ensino de nível superior. Foi criado um programa, e o Ministro Paulo Renato festeja, que passou de 500 milhões para 750 milhões, para financiar o ensino de terceiro grau, basicamente para reforma de equipamentos e financiamento de equipamentos de universidades públicas e privadas. Lamentavelmente, o que a imprensa informa é que nenhuma universidade pública, até agora, conseguiu qualquer financiamento do BNDES. Há um pedido da Escola Superior Naval que, até o presente momento, não foi atendido. É realmente um absurdo muito grande que coisas desse tipo estejam acontecendo.  

O articulista Elio Gaspari publicou um artigo denominado "A escola pública vira sucata. A privada ganha BNDES". Entre muitos comentários extremamente positivos, que não pretendo ler aqui, ele coloca que a universidade pública brasileira, em 1995, consumia 2,94%, quase 3% dos recursos da União. Hoje, nos cinco anos do Governo Fernando Henrique, reduziu-se quase à metade, baixando para 1,73%. Reduziram-se em mais de 60% os recursos gastos pela universidade pública no nosso País nos últimos cinco anos, apesar da inflação de quase 70% desse período. Elio Gaspari faz uma série de considerações; é um artigo extremamente interessante, que eu gostaria de ver transcrito nos Anais do Senado da República.  

Em função de todas essas denúncias, Sr. Presidente, estou apresentando um requerimento de informação ao Ministro Pedro Malan, em que requeiro um estudo, com a equipe que temos na nossa assessoria, da relação de todos os empréstimos contratados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social nos últimos cinco anos, separadamente, por ano, por região geográfica, tipo de empresa, se pública ou privada, área de economia e origem do capital, se nacional, estrangeiro ou misto – nesse último caso, o percentual de um e de outro – e outras informações. Aí teremos dados suficientes para uma análise fria, isenta da questão, porque os noticiários, muitas vezes, podem não ser corretos. Queremos a identificação do programa afeto à linha de crédito, o valor do empréstimo, a origem do recurso, o prazo para pagamento, as taxas de juros cobradas e a estimativa de empregos gerados em cada um deles. Estamos solicitando ao Ministro da Fazenda que nos envie os dados de forma eletrônica, para que possamos trabalhá-los com mais facilidade, pois o volume de informações é muito grande. É obrigação do Ministro nos responder isso por meio eletrônico, para que possamos trabalhar da melhor forma, estudar e trazer ao Congresso Nacional a realidade do BNDES e a que está se prestando: se aos interesses do nosso País ou se aos interesses do capital estrangeiro.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ADEMIR ANDRADE EM SEU PRONUNCIAMENTO:  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2000 - Página 5563