Discurso durante a 25ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONGRATULAÇÕES AO PROFESSOR AZIZ AB'SABER, AGRACIADO COM O TITULO DE PROFESSOR EMERITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIENCIAS HUMANAS, DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA.:
  • CONGRATULAÇÕES AO PROFESSOR AZIZ AB'SABER, AGRACIADO COM O TITULO DE PROFESSOR EMERITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIENCIAS HUMANAS, DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2000 - Página 5713
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, AZIZ AB'SABER, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), REFERENCIA, RECEBIMENTO, CONCESSÃO HONORIFICA.
  • ELOGIO, TRABALHO, AZIZ AB'SABER, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PESQUISA, DESENVOLVIMENTO, SOCIALISMO, DEMOCRACIA, VALORIZAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, ESTUDO, SETOR, GEOGRAFIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) – Srª Presidente, Senadora Marina Silva, quero, nesta tarde, prestar uma homenagem ao eminente professor Aziz Ab’Saber, que recebeu o título de professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, na última quinta-feira. Esse professor tem propugnado por um socialismo democrático e humano e, segundo o Reitor da Universidade de São Paulo, Jacques Marcovitch, é considerado o "geomorfologista brasileiro mais respeitado em todo o mundo". No ano passado, recebeu, na categoria Ciência da Terra, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia, concedido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, e mencionou, no seu pronunciamento, o seu interesse inicial de ser historiador, tendo desistido devido às difíceis condições econômicas da época em que estava estudando – 2ª Grande Guerra Mundial – e também ao seu amor às excursões de campo propiciadas pelo estudo da geografia.  

Ele disse, no seu discurso, que as privatizações não valeram nada, pois seus recursos não foram utilizados para a dinamização econômica e cultural da sociedade brasileira. Criticou severamente a globalização, que tem destruído, desindustrializado, colonizado e enquadrado, financeira e economicamente, tantos países. Criticou severamente as elites do Terceiro Mundo, que são ruins, segundo ele, especialmente na cidade de São Paulo e no Estado de São Paulo, pois nunca se preocuparam devidamente com os problemas do País, como a desigualdade social.  

Reiterou que os cientistas têm de estar longe dos problemas partidários, étnicos e religiosos. Chegou a fazer críticas à própria Universidade de São Paulo, à medição dos preços da Fipe, da USP, cujos índices não combinam com o que ele verificava como comprador de supermercado e de feira.  

Ab’Sáber aproveitou para defender a transformação do Código Florestal em um código de biodiversidade, porque "o Brasil não é só floresta". Tal código deveria merecer, segundo ele, um gerenciamento particular, longe "da incompetência, da frieza e da insensibilidade da burocracia de Brasília".  

Em discurso de homenagem, o Professor Adilson Avansi de Abreu relatou a interessante história do Professor Ab’Sáber, "que, sem dúvida nenhuma, marcou, no campo da Geografia, de forma indelével a vida intelectual brasileira na segunda metade do Século XX. Nesse sentido, nenhum geógrafo nacional teve papel mais importante que Aziz Ab’Sáber". Disse ainda o Professor Adilson no seu discurso:  

 

A ação que Aziz Ab’Sáber desenvolveu na Faculdade de Filosofia e no Departamento de Geografia, atuando como pesquisador excepcionalmente dotado, mestre na formação de alunos de graduação e pós-graduação, bem como organizador competente de espaços institucionais de reflexão acadêmica e investigação, justifica à saciedade a decisão da Congregação da USP em lhe outorgar o título de Professor Emérito.  

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O Professor Ab’Saber nasceu em São Luiz do Paraitinga, São Paulo, filho de Nacib José Iunes e Juventina Maria Iunes. Quem era esse casal do qual Aziz foi o segundo filho? Seu pai era libanês, natural de uma aldeia não muito longe de Beirute e, relativamente, próxima de Zahlé, situada no vale do Beká, além dos montes Líbano. Chaim Iunes Ab’Sáber era o avô; Nacib José Iunes, o pai. Nacib nasceu em fins do século passado e viveu sua infância e início da adolescência com a família, que sobrevivia de uma economia de subsistência camponesa em um território que, no decorrer do século XIX, esteve sob controle de variadas potências.  

 

Dadas as dificuldades que a família enfrentava, o avô de Aziz Ab’Sáber emigrou para o Brasil, passando longo período sem dar notícias de seu paradeiro.  

A avó do então jovem Nacib, temerosa do que pudesse ter acontecido – inclusive, quem sabe, que ele tivesse se casado de novo na terra distante –, o convence a vir para o Brasil, procurar o pai. É assim que ele, por volta de 1910 e com apenas 17 anos, sem conhecer o país, sua língua e cultura, aporta no Brasil em busca do pai, dispondo de recursos limitados. Na estação ferroviária do Rio de Janeiro, consegue dizer para onde quer ir, em função de uma informação sobre o paradeiro possível do pai. Pede uma passagem para "Tobaté" (Taubaté), visando depois chegar a São Luiz do Paraitinga.  

Feita a viagem, encontrou numa praça uma pessoa que tinha um aspecto parecido com a sua mãe e perguntou se ela teria ouvido falar de um senhor Chaim Ab’Sáber. "Sim", respondeu ela, e o levou ao pai, que, infelizmente, se encontrava doente e pouco depois veio a falecer.  

A situação política, econômica e social do Líbano, sob o controle francês, passa por um momento difícil, agravado pela 1ª Guerra Mundial. Pela segunda vez, vem o Sr. Nacib, em 1917, ao Brasil, se estabelecendo no espaço onde já havia vivido seu pai, em São Luiz do Paraitinga.  

Torna-se mascate e, logo depois, comerciante estabelecido na porta do mercado da cidade, obtendo bons resultados financeiros. Adquiria seus produtos no Rio de Janeiro e em São Paulo, em viagens penosas, e os vendia no sertão de São Luiz de Paraitinga.  

Nessa fase, Nacib conheceu uma jovem de origem luso-francesa, vinculada a troncos familiares já estabelecidos de longa data no Vale do Paraíba. Casou-se, então, com Juventina Maria, natural de Lagoinha, no Alto Vale do Paraíba. A brasileira e o libanês logo se notaram e, embora ela fosse alguns anos mais jovem, se casaram.  

Deste casamento, nasceu uma primeira filha, que infelizmente faleceu. Logo a seguir, nasceu Aziz Nacib Ab’Sáber, em 24 de outubro de 1924.  

O menino cresce saudável, através de folguedos e caçadas de passarinhos pelos sertões de São Luiz do Paraitinga. Os passeios da família eram até Aparecida do Norte, Guaratinguetá e, finalmente, Ubatuba, sendo a viagem para o litoral cheia de vida e peripécias. A descida da serra era feita em lombo de burro, com o pequeno Aziz e os dois irmãos menores acomodados em um jacá. A viagem era longa e implicava em pernoite sobre esteiras, que eles mesmos transportavam, em um "pouso" bastante movimentado. Visto através da névoa do tempo, podemos dizer que eram "os bons velhos tempos.  

Na verdade, eram as coisas que o Professor Aziz Ab’Sáber depois levou os seus alunos a fazer.  

Os primeiros estudos são feitos em Caçapava. Depois, veio ele para São Paulo se hospedar em uma pensão na Alameda Glete. Com muitas dificuldades, acabou trazendo sua família em 1941.  

Inicia-se, então, sua trajetória pré-acadêmica e acadêmica, com a freqüência ao curso preparatório para a Universidade e, em seguida, o ingresso no curso de Geografia e História, em 1941, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a qual havia sido fundada há poucos anos e onde a presença de grandes mestres franceses, italianos e alemães era marcante. No caso de Geografia e História, a orientação francesa era determinante entre os mestres do então Professor Pierre Monbeig, na chamada Escola da Praça, pois a faculdade funcionava no prédio da "Caetano de Campos", na Praça da República. Sobre esse período, o Professor Ad’Sáber escreveu depoimento na Revista Estudos Avançados.  

 

Bacharelou-se em Geografia e História em 1944 e licenciou-se nas mesmas disciplinas no ano seguinte. Concluiu o curso de especialização em Geografia em 1947. Doutorou-se em 1956 e fez Livre-Docência em 1965. Finalmente, prestou concurso para o cargo de Professor Catedrático de Geografia Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, em 1968, adquirindo assim a posição de Professor Titular, que em boa hora substituiu o catedratismo no Brasil.  

 

Entre 1944 e 1968, houve o aprofundamento de sua brilhante carreira acadêmica. Entre o ingresso na faculdade e o doutoramento, teve que enfrentar muitas dificuldades econômicas, pois as atividades comerciais da família não se refizeram com sucesso em São Paulo. Teve ele, então, que se desdobrar trabalhando na profissão que tanto amava.  

Sua atuação no campo da pesquisa e da docência inicia-se logo após a graduação, tendo sido contratado como prático dos Laboratórios dos Departamentos de Geologia (1946/1948) e de Geografia (1944/1957).  

Engajou-se no magistério superior, atuando nos primeiros anos de sua vida acadêmica em diversas escolas. Foi professor da Universidade Católica de Campinas e de Sorocaba, no Rio Grande do Sul, no Sedes Sapientiae da PUC, no Casper Líbero e em tantas outras. Foi na USP que S. Sª se fixou e produziu uma enorme contribuição científica, pedagógica e cultural.  

Em 1953, sua situação funcional se altera para melhor na USP, passando a ser contratado com assistente extra-numerário da Cadeira de Geografia do Brasil, que tinha como catedrático o professor Aroldo de Azevedo. A partir de 1958, assumiu a posição de professor-assistente da mesma Cadeira, situação que manteve até 1964, quando assume a regência do curso noturno de Geografia Física, que tinha como catedrático João Dias da Silveira. Ingressa, então, no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa. O interessante é que ele assinou um contrato e tinha como atribuição: a) continuar a ministrar o curso de Geomorfologia do Brasil junto à cadeira de Geografia do Brasil; b) ministrar os cursos de Geomorfologia-Geral, Geomorfologia Estrutural e Problemas de Geomorfologia, respectivamente para as séries A, B e C da cadeira de Geografia Física; c) encarregar-se do curso optativo de Aerofotogeografia e continuar a organização do laboratório próprio; d) representar a cadeira de Geografia Física no curso de Orientação para Pesquisas; e) realizar excursões didáticas e de pesquisa – que ele fazia com extraordinário prazer e amor; f) participar das reuniões semanais do Departamento de Geografia; g) prosseguir seus estudos de campo sobre os seguintes setores da Geomorfologia: 1) o quaternário e os paleoclimas quaternários do Estado de São Paulo; 2) domínios de paisagens intertropicias no Brasil; 3) as

stones-lines do Rio Grande do Sul e o planalto de Lages; 4) novos estudos sobre o sítio urbano de São Paulo; 5) costões e costeiras do litoral de Santos; 6) geomorfologia da bacia do baixo curso do Ribeira".  

Certa vez, ele mencionou como foram esses tempos. Nesse período, foi uma referência de destaque para seus alunos de graduação e pós-graduação. Suas aulas eram extremamente concorridas, e as excursões que organizava também muito disputadas.  

O próprio professor Adilson Avansi de Abreu fala como aprendeu os conhecimentos teóricos e metodológicos fundamentais, além de técnicas de pesquisa de campo na Geomorfologia que o acompanharam pelo resto da vida e do seu entusiasmo pelas diversas excursões realizadas, em que o professor Aziz procurava fazer com que olhassem o campo, permitindo que, por meio do estímulo da paisagem e da estrutura superficial dos depósitos localizados nos diversos pontos das vertentes e fundos de vales, desenvolvessem raciocínios complexos, apoiados em proposições teóricas e se iniciassem no desafiante mecanismo do entendimento e da explicação da gênese da paisagem. Observar com o professor Aziz uma cascalheira em um terraço ou uma stone-line em um corte de vertente e relacioná-la com as unidades topográficas do relevo regional era o início de uma aventura intelectual que nos fascinava e nos iniciava no complexo correlacionamento dos princípios da estratigrafia com o da dinâmica temporal e espacial das transformações da paisagem terrestre.  

Embora com presença extremamente forte na formação geomorfológica dos alunos, o professor Aziz teve papel relevante em todos os campos da Geografia, realizando estudos de Geografia Urbana, Geografia Regional, Geografia Econômica, Biogeografia, ampliando, ainda, sua atuação por meio de abordagens interdisciplinares com a História e a Arqueologia.  

Tantas passagens brilhantes ainda caracterizaram sua carreira, inclusive de livre docência. Gostaria apenas de registrar as próprias palavras do Professor Aziz, quando formalizou uma reflexão ao registrar no relatório encaminhado à Comissão de Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa da Universidade, em 1967, ao terminar o seu estágio probatório, a seguinte conceituação exemplar:  

Geomorfologia é o setor das geociências que trata da compartimentação da topografia e das formas de relevo de cada um dos compartimentos regionais, em perfeita vinculação com o estudo da estrutura superficial da paisagem e da fisiologia da mesma". Tal modo de encarar nossa disciplina, dentro de uma definição pessoal, poderá evitar o caráter de estudo geométrico e puramente topográfico, que predominava na geomorforlogia clássica, de raízes davisianas, assim como poderá evitar que se derive para uma geomorfologia puramente geológica e altamente parcial. Para a elaboração de verdadeiras pesquisas geomorfológicas, julgamos tão útil se distanciar de um estudo puramente topográfico, quanto de um estudo puramente geológico. Há uma estrutura superficial de paisagem que depende da interação dos fatores climáticos sobre os fatores geológicos e que merece uma consideração tão grande, quanto o estudo das formas topográficas e do embasamento geológico. Será sempre através da geologia do Quaternário e dos processos morfoclimáticos e pedogênicos que se poderá dar consistência à Geomorfologia científica".  

Mesmo depois da sua aposentadoria, em outubro de 1992, ele continuou mantendo laços fortes com a USP, por meio do Instituto de Estudos Avançados, tornando-se orientador científico do Projeto Floram. Passa a ter uma atuação relevante na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da qual é um dos presidentes de honra.  

Desde o início de sua carreira, sempre foi brilhante e conectado com as iniciativas modernizadoras do País, como o Projeto Radam-Brasil e as iniciativas pedagógicas da Funbec. Foi marcante a sua passagem no Condephaat paulista e pelo Ibilce-Unesp, onde ativou o setor editorial, modernizou a estrutura administrativa e de pesquisa e pôde reparar injustiças cometidas no período da ditadura. Ele nunca tolerou injustiças e, ao mesmo tempo, nunca incentivou mediocridades.  

Foi reconhecido pelas mais diversas instituições de Ciências do Brasil, como a Academia Brasileira de Ciências e a Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Recebeu a Palma Acadêmica, em 1965, o Prêmio Jabuti, em 1997, pelo livro Amazônia: do Discurso à Praxis , e, em 1998, o Prêmio Moinho Santista.  

Tem sempre ele falado da importância de se ter uma mais justa e equilibrada relação social com o meio ambiente e a melhoria da distribuição da renda no Brasil.  

É uma verdadeira felicidade ter a oportunidade de conviver com o Professor Aziz Ab’Sáber. Em determinada ocasião, acompanhei-o nas excursões e na Caravana da Cidadania, por exemplo, nas águas dos rios no Amazonas, no Acre e em diversos Estados nordestinos, podendo observar de perto as suas reflexões sobre as possibilidades extraordinárias do Brasil, com o seu conhecimento de geografia, também do ponto de vista da geografia humana.  

O Professor Aziz Ab’Sáber, inclusive, tornou-se um dos mais importantes entusiastas de se instituir o Programa de Garantia de Renda Mínima.  

A minha homenagem, junto com toda a comunidade da USP, onde esteve presente Luiz Inácio Lula da Silva e tantos outros que aprenderam a amar e a respeitar a história de um professor exemplar.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2000 - Página 5713